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82% das crianças e adolescentes disponíveis para adoção em Fortaleza não têm pretendentes. Todas com mais de 6 anos

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82% das crianças e adolescentes disponíveis para adoção em Fortaleza não têm pretendentes.

A Defensoria Pública do Estado do Ceará alerta: 82% das crianças disponíveis para adoção em Fortaleza não têm pretendentes. Todas elas integram a faixa acima de 6 anos, em regra, preterida pelos candidatos que preferem crianças menores. Os dados são do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e mostram que das 91 crianças e adolescentes ativas e disponíveis no cadastro na Capital, 75 estão acima dos 6 anos. Segundo o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) toda criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta.

Embora o dado estadual mostre que há 130 pretendentes disponíveis no Estado que aceitariam a faixa etária, o defensor público do Núcleo da Infância e da Juventude (Nadij) da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Adriano Leitinho, explica que as falhas do CNA mascaram a situação. “Hoje o Cadastro registra 733 pretendentes habilitados à adoção em todo o Estado. Destes, apenas 17% (130 candidatos) demonstraram, inicialmente, ter interesse de adotar crianças e jovens entre 08-17 anos acolhidos em abrigos institucionais. No entanto, quando há necessidade de localizar estes candidatos, é frequente visualizar que estes pretendentes ou já conseguiram adotar (embora ainda conste na fila) ou já não têm mais interesse. Isso se dá, principalmente, porque há uma grave falha de atualização do CNA, principalmente no interior do Estado”, explica.

Não existe um conceito formal para identificar uma adoção como tardia, mas, em regra, ela é considerada tardia quando o adotado (no caso, a criança ou adolescente) já possui a percepção de si, do outro e do mundo. Não existe um critério quanto à idade, mas a estimativa é a partir dos 6 anos de idade. Em todo o Ceará, existem 267 crianças e adolescentes cadastrados no CNA, destas 192 (71,91%) estão na faixa etária dos 6 aos 17 anos, que é considerada tardia.

O defensor reforça que é necessário trazer à discussão, principalmente pela situação dos adolescentes. “Quando falamos de adoção, é comum completarmos com o termo ‘de criança’, já é difícil os adolescentes serem mencionados. Eles ficam esquecidos até na palavra, mesmo os direitos sendo estendidos a eles. Precisamos mostrar a sociedade que existem adolescentes que precisam ser adotados, que existem unidades de acolhimento, em Fortaleza, integradas somente por eles. É preciso reforçar que  eles existem e estão no aguardo de uma família”, completa.

A Defensoria Pública idealizou uma forma de convívio mais próximo destes meninos e meninas com a sociedade e apresentou ao TJCE o programa de apadrinhamento de crianças e adolescentes acolhidos em abrigos de Fortaleza. Em 2016, a Justiça Cearense instituiu, por meio da Portaria nº04/2016, a regulamentação de três tipos de apadrinhamento: afetivo, financeiro e de prestação de serviço. “O Programa de Apadrinhamento nos chega como uma tentativa de fornecer um paliativo, principalmente, para a situação dos adolescentes, mas isso não é suficiente para garantir os direitos desses garotos e garotas. É importante uma grande mobilização social para mudar a realidade, sobretudo daqueles que chegam aos 18 anos longe de todo o contexto e convívio familiar”.

Contracorrente – A servidora pública Mauricélia de Melo Falcão e o aposentado José Diogo Falcão finalizaram no ano passado, com intermédio do Nadij, a adoção da adolescente de 13 anos, Rebecca Falcão. Desde os 7 anos em uma unidade de acolhimento, Rebecca passou pelo processo de adoção duas vezes. A primeira vez, aos 11 anos, ela foi devolvida. “Minha filha passou por muita coisa, mas assim como um bebê que vem biologicamente, não podemos escolher quem virá fazer parte da nossa família. Recebemos a Rebecca de coração aberto, mesmo com toda a história que ela já trazia e cuidamos dela com amor”, diz Mauricélia.

adoção 1O casal Mauricélia e Diogo têm outra filha adotiva, Lídia, que foi adotada ainda quando era uma bebê. Rebecca chegou há um ano, e aos 13 anos, diz que ressignificou o entendimento sobre família e adoção. “No começo eu não entendia nada sobre adoção e achava meio estranho. Depois fui aprendendo, porque me explicaram, e no começo realmente eu não gostei muito, fiquei com aquelas dúvidas ‘vai que eles me devolvem’, ‘vai que eles não são legais’. Eu não sabia o que era família, hoje eu sei. Família é dividir e todo dia eu aprendo a dividir as coisas”, afirma.

A saudade de quem ainda não chegou é um sentimento comum no processo de adoção. É onde os receios do desconhecido dão espaço à vontade de amar e à dedicação incomparável. É a maternidade e a paternidade como decisão, em uma gestação na qual não se conta os dias. Mauricélia explica que “esperamos o tempo necessário para receber a Rebecca em nossa casa. Passamos por todos os processos necessários do CNA, nas Varas de Infância. Fomos algumas vezes ao abrigo em que ela estava, conhecemos ela, ainda sem saber que ela seria nossa filha. Um dia nós ligaram e falaram que seria ela. Foi e têm sido dias de muita alegria”, emociona-se.

Audiência Pública – Em alusão ao mês da adoção, a Defensoria Pública do Estado do Ceará realizará no próximo dia 24, às 9 horas, uma audiência pública que irá debater a importância da equipe técnica (psicólogos, pedagogos e assistentes sociais) na Justiça da Infância e Juventude e os impactos nos processos de adoção. Pelo ECA, a participação desses profissionais é obrigatória.

“Enfrentamos um problema grande na Justiça da Infância e Juventude do Estado do Ceará, por conta da insuficiência desses profissionais. É uma demanda que recebemos constantemente dos pretendentes e que presenciamos no decorrer dos processos. Apesar de toda a disponibilidade do Tribunal de Justiça em tentar resolver o problema, infelizmente o mesmo ainda persiste”, explica Adriano Leitinho.

A audiência pública acontecerá no auditório da Defensoria Pública, localizado na Avenida Pinto Bandeira, 1111, bairro Luciano Cavalcante.