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“A nós cabe falar mais alto para que nos escutem pelo menos do lado de fora da audiência”, disse José Eduardo Cardozo

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O ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ministrou nesta sexta-feira (31) palestra sobre “A Crise do Estado de Direito”, na sede da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Cardozo demonstrou preocupação com o enfraquecimento de princípios como legalidade e separação dos poderes no Brasil. “Temo que esse modelo de Estado de Direito que temos no nosso país passe por profundas crises no século XXI. Ou iremos à barbárie completa de retrocessos ou migraremos para a radicalização democrática, com espaços de discussão social e reflexões”. Sobre as duas hipóteses, o ex-ministro refletiu que é preciso lutar pelas conquistas históricas. “Sinto-me angustiado, mas sempre há esperança de que os valores humanísticos não sucumbam”, defendeu.

José Eduardo Cardozo é advogado, mestre em Direito e professor. Atualmente, é doutorando na Universidade de Salamanca, na Espanha. Ganhou projeção nacional como ministro da Justiça, além de ter sido Advogado Geral da União.

A palestra foi concebida pela Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) e contou com a participação da defensora pública geral do Estado do Ceará, Mariana Lobo e dos defensores públicos estaduais Eliton Menezes e José Vagner de Farias como debatedores. Na plateia, estavam defensores públicos, advogados, estudantes de Direito, psicólogos, assistentes sociais, colaboradores da Defensoria Pública e interessados em geral.

IMG_3543Para chegar a ideia de crise do modelo de Estado adotado no Brasil e vários outros países liberais espalhados pelo mundo, José Eduardo Cardozo fez um retrospecto histórico da organização de poderes, relembrou Montesquieu filósofo famoso pela teoria da separação dos poderes e discorreu sobre a organização dos regimes totalitários. O ex-ministro relembrou que regimes totalitários, como nazismo e fascismo, também adotaram a expressão “Estado de Direito” para legitimar o exercício do poder.

No contexto brasileiro, o ex-ministro destacou o desrespeito ao princípio da legalidade e à separação de poderes, que, enfraquecidos, desencadeiam as crises. Cardozo chamou atenção especial para o Poder Judiciário. “A imprudência de alguns magistrados me parece de uma gravidade brutal para o nosso sistema. O ativismo judicial produz um descalibramento do sistema, diante de algumas decisões que não obedecem aos anseios da população”.

Fortalecimento das instituições democráticas – “Vocês, defensores públicos e advogados, que estão na ponta, precisam ser parte relevante na luta pela legalidade”, complementou José Eduardo Cardozo.

IMG_3502A fala foi endossada pela defensora pública geral, Mariana Lobo. “O sistema de Justiça vive uma crise. Nós ousamos acionar esse sistema diante da negação de políticas públicas, e percebemos que o ativismo judicial, de viés subjetivo e, muitas vezes, ideológico, ocorre há bastante tempo. A Defensoria é uma resistência na medida em que luta contra as desigualdades na sociedade”, afirmou.

O defensor público Eliton Menezes, da 7a Defensoria Cível, valorizou o papel social da Defensoria e atentou para decisões que saem do terreno da legalidade. “Quando se tem um precedente de caráter político ou subjetivo, sem amparo legal, não se sabe o que virá futuramente. Preocupa bastante”. Citando a Revolução Francesa, que influenciou na queda do absolutismo de monarquias do século XVIII, Eliton questionou com preocupação as ditas soluções prontas que apontam para uma nova organização de Estado, distante da população.

“De quem é o interesse de acabar com a democracia?”, indagou o defensor José Vagner de Farias, da 2a Defensoria da Infância e Juventude. Ele alertou para os abusos de poder diante da fragilidade de valores democráticos. “E esse abuso não se dá só pelos agentes políticos ou do Estado. O mercado financeiro também é passível de interferir nisso”.

Após as explanações, a plateia também pôde contribuir com experiências. A ouvidora externa da Defensoria, Merilane Coelho, destacou a redução de terras indígenas demarcadas na última década. “Os direitos estão escassos, precisamos falar de Estado de Justiça, algo negado às populações excluídos historicamente de privilégios”.

Mesmo diante do contexto atual, a defensora pública do 2o grau, Mônica Barroso, disse acreditar que o país tem tudo para superar as crises que abalam os fundamentos democráticos, através da participação ativa e individual de cada cidadão e instituição. “Estou otimista. Há muito tempo não discutimos esses assuntos em ampla escala social. Esse é o lado bom da crise. Hoje sabemos o nome do deputado, senador, ministro do STF e suas práticas. A partir daí, cada um também deve fazer sua parte. O Brasil vai sair dessa melhor”, opinou.

IMG_3736Por falar em contribuição individual em prol da coletividade, a estudante de Direito, Regina Couto, deu depoimento de desânimo sobre sua graduação em Direito. Nascida na Barra do Ceará, a jovem confessou que as injustiças fizeram-na duvidar do próprio futuro. “Já pensei em desistir do curso por ver que nosso Judiciário tomar decisões que não atendem a maioria. Mas ouvir essa palestra hoje me motivou a continuar no curso. Um dia, serei defensora pública”, desabafou, atraindo aplausos dos presentes.

José Eduardo Cardozo parabenizou a estudante afirmando que é preciso acreditar no papel desempenhado pelos que acreditam na democracia. “Se durante uma defesa, existe a crença de que não nos ouvem, a nós cabe falar mais alto, para que nos escutem pelo menos do lado de fora da audiência”.