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Abuso financeiro é uma forma de violência contra a mulher. Denuncie.

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Mônica Alves*, 30, tem, aproximadamente, 50 mil reais em dívidas em seu nome. Os débitos acumulados reúnem compras de eletrodomésticos, materiais de construção, alimentação e lazer, serviços de carro e compra de peças automobilísticas. Nenhum desses gastos, no entanto, foram realizados por ela e sim pelo seu ex-companheiro, uma relação tumultuada que durou três anos. O retrato da sua situação financeira representa um crime comum entre mulheres vítimas de violência doméstica: o abuso financeiro.

Durante os três primeiros meses de união, Mônica viveu tudo que sonhou. “Ele era cuidadoso, carinhoso, amoroso. Me tratava bem, sabe? Mas, a gente estava se conhecendo ainda, sei que no início tudo são flores, mas ele parecia um cara legal. Pelo menos foi assim no início”, conta. Depois desse período, o ex-companheiro foi preso. O motivo? A falta de pagamento da pensão alimentícia dos filhos de outros relacionamentos. “Quando ele saiu da cadeia, veio transformado. Foram três meses preso e quando ele voltou, bem dizer, o satanás. Agressivo, me tratando mal, me xingando, muito ciumento e possessivo. E ele saiu porque cumpriu o tempo da cadeia e não porque efetuou o pagamento da pensão”.

Começaram com pedidos do tipo “me empresta um dinheiro”, “pode deixar que eu guardo seus cartões de crédito”. Em uma determinada semana, após a saída da cadeia, Mônica teve de ficar uma semana no hospital com a filha mais velha, motivo que deu o estopim para que ele a endividasse. “Eu tinha cinco cartões de crédito, desses que você faz em loja, sabe? Ele estava com todos para caso tivesse qualquer dificuldade, eu falei pra ele ficar com um deles, usar à vontade já que o limite era de 450 reais. Só que, mal sabia eu, enquanto eu estava no hospital, ele estava estourando todos os cinco cartões com farra, favor pra amigo, comprando coisa pra ele”.

As faturas começaram a se acumular e cada tentativa de falar sobre os pagamentos, era uma briga, uma ofensa, uma agressão. A defensora pública e supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Jeritza Braga, explica que casos como o de Mônica são recorrentes. “Existem muitos casos, a grande maioria, por sinal, eles têm o nome sujo e acabam utilizando o crédito da companheira, da esposa, às vezes até o próprio cartão da mãe da companheira. Já recebemos casos em que mãe e vítima foram prejudicadas por dívidas que o homem efetuou e nunca pagou, empréstimos feitos com agiotas até. Acaba o relacionamento, ele sai sem pagar e a mulher permanece com as dívidas e com nome negativado. O homem argumenta que o gasto é para qualquer finalidade e a mulher, se preocupando, empresta o que pode e o que não pode. Às vezes elas relatam que é difícil negar, porque isso já pode gerar uma briga, um grito a mais, uma violência física”, explica.

O abuso financeiro é um dos tipos de violência patrimonial, situação descrita na Lei Maria da Penha (artigo 7º – Lei nº 11.340/2006), como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos. Segundo um levantamento da Allstate Foundation Purple Purse, campanha estadunidense que procura acabar com a violência doméstica por meio do empoderamento financeiro, o abuso financeiro ocorre em 99% dos casos de violência doméstica. O estudo traz ainda, que, pouco mais da metade das pessoas entrevistadas afirmaram que elas próprias ou alguém que elas conhecem foram vítimas de violência doméstica ou abuso financeiro, mas somente 44% falaram do assunto com parentes ou amigos.

Não existem estatísticas nacionais sobre a incidência de violência patrimonial, mas o Dossiê Mulher 2018 – com dados do Rio de Janeiro – mostra que ele atinge mais mulheres do que homens no âmbito da violência doméstica e familiar, com elas representando até 70% das vítimas. O principal tipo de violência patrimonial contra mulheres foi o crime de dano (50,4% dos casos), seguido da violação de domicílio (41,8%) e supressão de documentos (7,8%).

O abuso financeiro pode acontecer também quando o agressor detém a renda da casa e a mulher depende financeiramente dele. Mônica está com o nome sujo até hoje e isso a lesou não só financeiramente, como profissionalmente. “Eu trabalhava como revendedora de cosméticos, daqueles que a gente vende o produto da revista. Mas, quando meu nome ficou sujo por causa das dívidas que ele contraiu, fui removida da empresa, impossibilitada de retirar mais produtos para vender. Tudo virou uma bola de neve”, se entristece.

Grávida de gêmeos, ela procurou o Nudem e, além de solicitar a medida protetiva, a partir da Lei Maria da Penha, deu entrada na ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável com compartilhamento de dívidas. “Pelo menos colocando as dívidas no nome dele eu acredito que posso ter alguma paz. Eu não estou podendo trabalhar porque estou com gravidez de risco, tenho duas filhas grandes, uma de 8 e outra de 11, e todo dia recebo ligações de cobrança, cartas chegando na minha casa e eu sem um tostão para realizar meu pré-natal, por exemplo. Só quero paz”.

Como identificar o abuso financeiro – Muitas vezes, a violência patrimonial não é facilmente identificada, como uma agressão verbal ou física. Perceber comportamentos de forma prévia, no entanto, pode viabilizar a saída de relacionamentos abusivos. A Defensoria Pública reuniu algumas dicas de como identificar o abuso financeiro contra a mulher:

Definindo seu acesso ao dinheiro ou controlando suas finanças
Ter uma poupança ou uma reserva financeira, muitas vezes, pode ser necessário para sair de um relacionamento abusivo. Fique alerta se o seu companheiro ou marido te obriga a entregar o salário, fazer uma conta conjunta ou fornecer a senha das contas do banco. Também é comum o desprezo de sua capacidade de administrar, com frases do tipo “você não sabe usar seu dinheiro”. Manter a mulher vulnerável, inteiramente dependente dos gastos necessários, aponta uma tentativa de controle e é sim violência patrimonial.

Prejudicar seu trabalho
Sua autonomia financeira está diretamente ligada ao seu trabalho e um homem agressor pode tentar limitar sua capacidade de ter rendimentos próprios em tentativa de controle. Frases como “não há problema em faltar o trabalho” ou “você está sempre cansada, porque trabalha demais”, já mostram uma posição que se antagoniza com sua autonomia. Outros sinais é o ciúme abusivo de colegas ou situações no trabalho, que podem gerar violências, estar na porta do seu trabalho antes mesmo do seu horário de saída e até mesmo alguma conduta que mostre uma sabotagem quanto ao seu emprego.

Prejudicar seus créditos e contrair dívidas
Estourar o limite do cartão, prometendo que irá pagar, deixar de pagar contas em seu nome. Pegar dinheiro emprestado. É importante perceber os sinais no início. Aquela pessoa vive reclamando que está endividada? Não paga suas contas pessoais e pede sua ajuda? Já demonstra alguma desorganização financeira? São sinais de que ele, algum dia, pode pedir exigir ‘ajuda’ para resolver os problemas financeiros.

Em Defesa Delas – Este ano, a Defensoria Pública realiza a campanha “Em Defesa Delas: defensoras e defensores públicos pela garantia dos direitos das mulheres”, projeto nacional dos defensores públicos, encabeçada pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep). O objetivo é apresentar à população o trabalho da Defensoria Pública em favor da garantia de direitos para as mulheres. A ação acontece em parceria da Defensoria Pública do Estado do Ceará com a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará (Adpec).

*O nome da assistida foi alterado para preservar sua identidade.