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Após preso por dois anos, jovem é absolvido em Tribunal do Júri

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Defensoria identifica encarceramento ilegal de jovens socioeducandos

Absolvido. Inocente. Este foi o veredito que um jovem V.S., de 28 anos, ouviu no Tribunal do Júri depois de passar dois anos preso na Casa de Privação de Liberdade Provisória III, em Itaitinga, acusado de um crime que não cometeu. Em abril de 2016, nove pessoas estavam no cruzamento das ruas Rio Tocantins e Altaneira, no Jardim Iracema, quando foram surpreendidas por tiros efetuados por dois homens em uma moto. Três pessoas morreram e outras seis ficaram feridas e o crime ficou conhecido como “chacina do Jardim Iracema”. Na primeira fase do processo,  a acusação baseou-se no relato de uma testemunha, que teria reconhecido uma moto que fora de propriedade do então acusado, acreditando que este encontrava-se na garupa do veículo no dia da chacina. Ele foi a júri popular, na quinta-feira, dia 25 de outubro. A soma das penas que poderiam ser atribuídas chegariam a 85 anos.

A Defensoria Pública do Estado do Ceará passou a acompanhar o caso apenas em janeiro deste ano, já que anteriormente ele possuía advogado particular. “A família nos procurou bem aflita mesmo porque tinha certeza que ele era inocente, nos relataram possíveis provas que não foram apresentadas anteriormente no processo e que já não tinha mais da onde tirar o dinheiro para arcar com o custo de advogados. Era uma ação bem difícil, ele estava sendo acusado, os autos eram volumosos, tinham mais 1.200 páginas e quase 40 mídias de depoimentos gravados”, relembra a defensora Beatriz Fonteles Gomes Pinheiro, da 5ª Defensoria do Júri, onde tramita o processo.A defensora viu procedência nas afirmações da família e começava daí um trabalho para a defesa do acusado, levantando novas provas e testemunhas.

O réu explicava que a moto havia sido vendida quatro meses antes do crime, mas que não realizara a transferência devida para o novo comprador. A Defensoria Pública conseguiu localizar o comprador e anexou aos autos do processo os comprovantes bancários da transação, uma declaração relatando os termos da compra e uma testemunha da venda. A moto ainda possuía equipamento de rastreamento eletrônico feito por uma empresa de segurança privada, que enviou, a pedido da Defensoria, o mapa do rastreamento daqueles dias. “O mais emblemático é que no dia que o crime aconteceu, o réu não estava em Fortaleza. Ele estava no distrito de Castoré, na zona rural entre Umirim e Pentecoste, no interior do Estado, trabalhando na reforma da casa da mãe. Localizamos o eletricista e um pedreiro que comprovaram o dia de trabalho. Com tudo isso documentado, conseguimos provar a inocência do réu”, relembra a defensora pública Beatriz. Com os novos fatos apresentados pela Defensoria Pública, o Ministério Público pediu pela absolvição em plenário e o júri popular acatou o pedido por unanimidade.

A Presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo previsto pelo art. 5º, LVII da Constituição de 1988. A defensora explica as dificuldades sentidas no dia a dia dos defensores que precisam provar a inocência dos seus assistidos e não o contrário, quando a culpa é que deveria ser comprovada. “A Constituição Federal garante que a dúvida deve beneficiar o réu, mas isso na prática, especialmente no Tribunal do Júri, nem sempre acontece, porque mesmo no exercício da dúvida muitos réus são condenados. Esse discurso de encarceramento e a impunidade em alguns casos acabam gerando um medo na sociedade e, mesmo tendo possibilidades de comprovar a inocência de uma pessoa, ela acaba pagando pela deficiência investigativa. Muitas vezes é a defesa quem tem que fazer esse trabalho”, complementa a defensora pública.

De acordo com a defensora pública Patricia Sá Leitão, supervisora das Defensorias Criminais e do Júri, muitas vezes as instruções dentro dos processos são falhas, com erros de informações necessárias para o esclarecimento do crime. “Eventualmente, a falta de um laudo da perícia, a apresentação de uma testemunha contraditória ou mesmo em um detalhe importante que deixou de se dito ou não está inserido nos autos, pode mudar todo o contexto do crime. Estas informações são apresentadas ou trazidas pela própria família, novas testemunhas ou pelo acusado momentos antes da audiência. No Tribuna do Júri, a defesa tem ainda a oportunidade de expor e convencer as pessoas daquela nova versão, esclarecendo os fatos e dando os subsídios necessários para que os jurados tomem uma decisão justa. Essa a função da Defensoria: combater as injustiças, para que pessoas inocentes não sejam condenadas simplesmente por existir dúvidas ao longo do trâmite processual. Nosso papel enquanto defensores públicos é garantir o amplo direito à defesa, buscando a justiça e não a impunidade”, ressalta Patricia.

O Júri
Durante esse mês de novembro, os tribunais de Justiça de todo o país realizam um esforço concentrado para julgamento de crimes hediondos – homicídio e tentativa de homicídio. No Ceará, já estão pautados 362 processos, sendo 88 somente nas Varas do Júri de Fortaleza e 274 em comarcas do Interior. Desse montante, cerca de 80% são de assistidos pela Defensoria Pública do Estado do Ceará. No ano passado, em todo o país, foram realizados 4.112 júris em novembro. Desse total, 31,2% eram processos com réus presos. Os dados completos podem ser consultados no Relatório Estatístico Mês Nacional do Júri, estudo produzido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ.