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Após seis anos respondendo a processo por furto, sem sentença, assistida da Defensoria sonha com um futuro de oportunidades

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Enquanto aguardava o atendimento no Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e Vítimas de Violência (Nuapp), da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Kátia Sales usa o tempo para recuperar os anos que ficou longe da família. Liga para a filha, que está no emprego, e pergunta como estão as coisas. A saudade de cada membro familiar é fruto da distância causada pelos três anos e três meses em que ficou presa preventivamente acusada de furto de bijuterias. O crime aconteceu em 2005, e a denúncia só veio oito anos depois. O caso ainda não foi encerrado, pois segue sem julgamento, mas Kátia pôde sair da prisão no último dia 17, após pedido de habeas corpus feito pela Defensoria Pública e acatado pelo Tribunal de Justiça.

Kátia foi processada em 2013 por furto qualificado, crime previsto no artigo 155 do Código Penal Brasileiro. A pena prevista nesse caso é de reclusão de dois a oito anos, além de multa. O defensor público Emerson Castelo Branco, titular do Nuapp, pondera que se trata de um delito “de baixa lesividade” e que, ao ser julgado, costuma resultar em penas alternativas. “Se a assistida tivesse sido condenada no processo, provavelmente o regime da pena seria aberto ou semiaberto. Outra possibilidade é que, no caso de condenação, ela provavelmente receberia como pena a prestação de serviços à comunidade. Isso significa não ter prisão, a pena seria substituída por pena alternativa”, explica.

O caso de Kátia foi acompanhado pela Defensoria Pública no decorrer do ação penal. Em março de 2018, o defensor público Marcelo Marques Moreira, titular da 3a Defensoria Criminal de Caucaia, apresentou pedido de relaxamento da prisão à 3a Vara Criminal da comarca. O argumento era de que a prisão preventiva, que até então durava um ano e sete meses, havia sido decretada sem a conclusão da instrução criminal, também com excesso de prazo. O pedido foi recusado mais de um ano após pelo juízo de primeira instância e levado ao TJ em setembro de 2019. O pedido de habeas corpus da Defensoria foi acatado pelo desembargador Mário Parente Teófilo Neto.

Poucos dias longe do cárcere, Kátia dedica o dia também a acompanhar o processo de perto. Uma das primeiras providências foi ir até o Fórum de Caucaia, onde precisa assinar um documento, mensalmente, comprovando o endereço fixado pela Justiça. Ela não pode deixar a cidade até que o processo seja julgado. O caso dela segue sendo acompanhado pela Defensoria Pública, por meio do Nuapp.

Emocionada, a assistida relembra o dia em que recebeu o alvará de soltura no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa (IPF), em Aquiraz. “Em uma quarta-feira, eles disseram que meu alvará chegaria em poucos dias. Na sexta-feira, me chamaram e disseram que meu alvará tinha chegado. Passei mal quando soube, mas ainda tive que esperar o fim de semana para finalmente sair. Na segunda-feira, às 9h30, me chamaram pra valer. As meninas internas vibraram, balançando os portões, elas conheciam minha história”, conta emocionada.

História que, para o defensor público Emerson Castelo Branco, foi ainda mais prejudicial pela falta de celeridade processual. “É um absurdo que um fato que ocorreu em 2005 ainda perdure. Não é possível, sobretudo, por causa da motivação: um furto de bijuterias. Um caso como esse tinha que se encerrar em menos de um ano e já demora mais de 14 anos. Ela já foi prejudicada, passou mais tempo presa do que deveria. E a Defensoria Pública vai agora correr para encerrar esse processo. Quer queira, quer não, um processo em aberto na vida de alguém é muito cansativo e abala a pessoa psicologicamente”.

O defensor público afirma ainda que casos assim são comuns de serem encontrados nas unidades prisionais do Ceará, o que exige uma atenção conjunta dos atores do sistema de justiça. “Existem muitos casos como o da Kátia e precisamos identificá-los. A prisão preventiva não pode ser pior que a condenação. O que também precisa ser mencionado é que não podemos mais aceitar que pessoas permaneçam presas por delitos que não tenham ofensividade. Os presídios têm que ser para pessoas que cometeram crimes graves. É preciso racionalizar o sistema penal”, defende.

Sobre a passagem pelo IPF, Kátia diz aliviada que não teve faltas disciplinares e aproveitou para aprender. “Presídio não é bom, mas aproveitei o aprendizado. Aprendi a fazer comidas diferentes, salgados, bolos, participei de cursos e voltei a estudar”, conta, sem esquecer, porém, da parte que considera mais dolorosa. “Foi muito triste, muito doloroso ficar quase três anos e meio sem ver minha família. Ficar esse tempo todo sem saber quando será julgada é uma experiência que não desejo pra ninguém”, dispara.

Aos 45 anos e desempregada, o futuro agora está aberto às oportunidades e ela sonha em encontrar um lugar no mercado de trabalho. “Eu só queria que a sociedade me ajudasse com trabalho. Preciso me manter, ajudar minha mãe, uma senhora de mais de 70 anos, e minha família. Meus filhos trabalham, graças a Deus. Mas quero me reconstruir, sabe? O que eu fiz é coisa do passado, que eu nunca imaginaria que daria nisso. Sei cozinhar, tenho experiência em serviços gerais. Daqui para frente, quero que a sociedade me dê uma oportunidade para eu me manter e crescer”, almeja.