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Após um ano do Marco Legal da Primeira Infância presas provisórias ainda lutam pelo direito de estar com os filhos na domiciliar

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No início da manhã, a defensora pública se aproxima de um grupo formado por mães reclusas no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, em Aquiraz, no Ceará, que participa de um atendimento psicossocial. O assunto é justamente o cuidado com os bebês, que nasceram no ambiente carcerário e permanecem ali. No momento apropriado, a defensora pública pergunta se as presas pensam no dia que os filhos tiverem que ir para casa, uma vez que só podem permanecer na unidade com a mãe até o 6º mês de vida. O silêncio é absoluto e o choro imediato.

Em março deste ano, a Lei nº 13.257, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, completou um ano de vigência. Ela alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal e passou a permitir que toda mulher presa provisoriamente que seja gestante ou que tenha filhos de até 12 anos tenha o direito à prisão domiciliar. A regra também vale para homens que sejam “o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos”.

De acordo com o relatório de 2014 do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), vinculado ao Ministério da Justiça, o Brasil tem cerca de 37 mil mulheres no sistema penitenciário, sendo que quase a metade (45%, ou 16 mil) ainda não passou por julgamento e está presa provisoriamente. Outro dado importante é que 68% delas (25 mil) foram presas por envolvimento com o tráfico de drogas, um sistema organizado de crimes em que as mulheres costumam ocupar posições coadjuvantes, como transporte e comércio de pequenas quantidades. Como são crimes cometidos sem violência ou ameaça física, isso justificaria ainda mais a aplicação de punições alternativas.

No Ceará, o Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa recebe detentas de todo o Estado. A unidade tem capacidade para 374 presas, mas, atualmente, 774 mulheres cumprem medidas. Desse total, 621 são presas provisórias e quase todas são mães. Na unidade, mulheres grávidas e com os bebês são acomodadas na Creche Irmã Marta. Hoje, são 4 grávidas e 12 bebês, acompanhados de suas mães na creche. Em todo o presídio, existem 19 grávidas, mas só vão pra creche quando estão perto de parir.

Ficar com a mãe em casa, sobretudo quando ela não cometeu um ato grave que justifique o encarceramento e quando ela ainda sequer foi julgada, é um direito de milhares de outras crianças e adolescentes Brasil afora. Mas na prática, a luta é grande para fazer valer esse direito. A defensora pública Gina Kerly Pontes Moura realiza atendimento no Auri Moura Costa e acompanha de perto as solicitações de prisão domiciliar. “Buscamos sempre propor pedidos de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar nestes casos, mas enfrentamos muitos desafios neste percurso: o primeiro deles é o documental, já que precisamos demonstrar a condição de gravidez e a existência formal dos filhos. Em casos de gravidez, buscamos obter o laudo médico na própria unidade. Já no caso de mães, isso é mais delicado, já que o familiar ou amigo que pode ajudar a interna, muitas vezes, não tem como se deslocar à Defensoria para fornecer a documentação comprobatória, uma vez que se encontra cuidando das crianças – e aí o ciclo de exclusão persiste”.

Segundo a defensora pública, vencido o primeiro obstáculo, há ainda a lentidão da justiça. “O segundo desafio é a demora na análise dos pedidos, notadamente no caso de mulheres grávidas, as quais muitas vezes dão a luz aos filhos sem que seus pedidos tenham sido analisados judicialmente. No entanto, o que mais me preocupa é o argumento em favor da segurança arguido para negar um direito tão claro na legislação e conclamado em tratados internacionais, nos quais o Brasil é signatário. A lógica da vigilância prevalece sobre a do cuidado”, explica.

Andrea Maciel de Lima está há quatro meses presa por dano e desacato, mas ainda não há sequer uma acusação formal. Ela tem cinco filhos, dentre eles uma bebê de 1 ano e 6 meses com hidrocefalia e o mais novo com 2 meses recluso no presídio. A Defensoria Pública fez o pedido para prisão domiciliar no dia 5 de janeiro de 2017, mas o juiz da 16ª vara criminal ainda não apreciou o pedido. “Antes eu dava assistência a todos os meus filhos, acompanhava o tratamento da minha bebê especial. Ela precisa muito de mim, já passou por duas cirurgias, mas não pude acompanhar. Preciso muito estar em casa para cuidar dos meus filhos porque hoje é o meu pai que está com as crianças, mas ele não pode dar o cuidado que a mãe dá. Mãe é mãe, ninguém substitui a nossa presença”, falou com os olhos marejados.

Outro caso urgente é o da detenta Jéssica Maria Jovino Mendonça, grávida de sete meses e com fixador externo na perna direita decorrente de uma lesão de disparo por arma de fogo. O processo dela tramita na 1ª vara criminal de Maracanaú e ainda aguarda o relatório médico para ser anexado nos autos do processo. “O caso da Jéssica é muito semelhante com o de outras detentas porque precisamos anexar aos autos do processo o relatório médico e é sempre uma dificuldade em ter acesso a esses documentos. Além de estar grávida, tem outros três filhos pequenos e está com dificuldades de locomoção devido ao grave ferimento, ainda com uma bala alojada na perna, e precisa de atendimento médico urgente”. De acordo com a defensora pública, ainda que precariamente, ela recebe atendimento médico na unidade, mas o problema é o cuidado necessário antes, durante e depois do parto, com uma pessoa que não pode se locomover normalmente. “Estou em articulação com o colega de Maracanaú e no aguardo do laudo médico sobre a gravidez dela urgente. Como a prisão é muito recente, ainda não podemos apontar mais dados”, explica a defensora pública.

Além da morosidade da Justiça, as mães do presídio enfrentam grandes dificuldades no dia a dia. De acordo com a defensora pública, a sala de incentivo à amamentação e coleta de leite, inaugurada recentemente, permanece fechada. O berços disponibilizados para as crianças não cabem nos quartos e as crianças acabam tendo que dividir as camas com as mães. “Duas grávidas de 9 meses dormem em colchões no chão porque não há camas para todas, o mato no entorno da creche está alto e é comum a presença de mosquitos e animais peçonhentos. O Governo do Estado não fornece fraldas e nem pomadas de assaduras para os bebês, além de outros produtos de higiene fundamentais para a primeira infância. O material que existe lá é adquirido pela família ou oriundo de doações. É uma triste realidade, mas essas mulheres e os bebês vivem na invisibilidade”, denuncia a defensora pública Gina Kerly Moura.

Saiba Mais – o que diz a Lei

Em 2011, a Lei n. 12.403 alterou o Código de Processo Penal, incluindo a possibilidade de prisão domiciliar para presas provisórias: (1) grávidas a partir do 7º mês ou sendo esta de alto risco; (2) qualquer um (homem, mulher, avô, avó, curador etc.) cujos cuidados são imprescindíveis a pessoa menor de 6 anos ou com deficiência.

Em 2016, a Lei 13.257 (Marco Legal da Primeira Infância) aplicou essas possibilidades para todas as gestantes e para mulheres com filhos até 12 anos, sem impor qualquer condição. Para o homem, isso também é possível, desde que demonstrado que seja o único responsável pela criança. Permanece o inciso III que continua a valer para outras pessoas diversas de pais e mães e que abrange também filhos deficientes.

Serviço

Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP

Rua do Rosário 199 – Centro. Fone: (85) 3101-7394 / 6933

Av. Virgílio Távora 2.184 – Aldeota. Fone: (85) 3101-1263 / (85) 3101-1267