Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Defensoria Pública e Fórum DCA apresentam relatório sobre a situação das unidades socioeducativas de Fortaleza

Publicado em

 

relatorio

A Defensoria Pública do Estado do Ceará, por meio do Núcleo de Atendimento dos Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei (Nuaja), e o Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA Ceará) divulgaram Relatório de Inspeção das Unidades do Sistema Socioeducativo de Fortaleza. O trabalho mostra a conclusão das inspeções realizadas durante os meses de abril e maio deste ano, em dez unidades, que abrigam aproximadamente 750 jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, em Fortaleza. Foi considerando as dimensões estruturais, de recursos humanos das unidades, as condições de salubridade e higiene, o direito à saúde, à alimentação, à educação e às condições de segurança das unidades.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece, em seu art. 112, seis medidas socioeducativas a serem aplicadas por jovens que tiveram conflito com a Lei: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional. A medida de internação, a mais restritiva de direitos, deve ser breve e em respeito à condição de desenvolvimento do adolescente, tendo um caráter eminentemente pedagógico.

A equipe técnica das inspeções, composta por defensores públicos e membros do Cedeca, verificou o aprofundamento de uma crise no sistema socioeducativo do Estado do Ceará, em situações que desrespeitam à integridade física e psíquica dos adolescentes e jovens submetidos às medidas socioeducativas. Nos seis primeiros meses do ano, já contabilizam-se, extraoficialmente (visto que os dados oficiais não são fornecidos pelo Estado do Ceará), mais de 75 episódios conflituosos nas unidades, dentre rebeliões, fugas e motins, além de mais de 400 fugas de adolescentes.

A metodologia utilizada nas visitas de inspeção baseou-se em entrevista com a direção das unidades, equipe técnica, socioeducadores (o que não foi possível em todas as visitas), e com os adolescentes e jovens internos.

Superlotação – Das dez unidades visitadas, cinco estavam com capacidade excedida: Centro Educacional São Francisco, Centro Educacional Aloísio Lorscheider, Centro Patativa do Assaré, Centro Educacional Dom Bosco e Centro Educacional São Miguel. Nesses três últimas, foram registradas as situações mais graves de insalubridade e infraestruturas danificadas. A falta de salubridade destas unidades, muitas vezes ligadas a manutenção diária de limpeza e preservação, é um dos pontos importantes porque prejudicam a habitabilidade dos Centros e acarretam doenças aos internos.

Socioeducação – Com relação à escolarização e à profissionalização, apenas duas unidades – Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota e o Centro de Semiliberdade Mártir Francisca – contam com atividades regulares. No Centro Socioeducativo do Canindezinho, os episódios conflituosos provocaram irregularidade na oferta de aulas, cursos e oficinas. Já no Centro Educacional Dom Bosco, a carga horária ofertada era muito limitada para ser considerada efetiva. Ainda assim, a escolarização dá-se exclusivamente na modalidade EJA no Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota e no Centro Socioeducacional do Canindezinho, inadequada para as faixas etárias atendidas nos referidos Centros. Nas demais unidades, de acordo com o relatório, o direito à escolarização encontra-se completamente violado. De acordo com o defensor público José Valter de Araújo, supervisor do Nuaja, “a violação desses direitos corrompe a medida socioeducativa que se transforma em mero encarceramento dos adolescentes, em nada contribuindo para o seu processo pedagógico”, destaca. “Infelizmente, percebemos que o local ainda deixa muito a desejar do que seria ideal para uma unidade socioeducativa de internação. Foram encontradas condições extremamente ruins. Há necessidade de uma posição imediata do poder público e estamos acreditando que, com a criação da Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, isso possa ser sanado de forma rápida e efetiva”, afirma o defensor público.

Violações de Direitos Humanos – Nas inspeções, foram registradas diversas demandas por atendimento médico, sobretudo, quanto a doenças mentais e dermatológicas, bem como inúmeras reclamações quanto à qualidade, quantidade e regularidade da alimentação servida nas unidades, além da restrição do fornecimento de água para ingerir e para banho.

A violência dentro Sistema Socioeducativo do Ceará chegou a níveis extremos. Em 6 meses, já se registram 75 (setenta e cinco) rebeliões, segundo dados contabilizados pelas instituições que fizeram o relatório. A maior preocupação dos técnicos que fizeram as inspeções diz respeito ao ingresso e a permanência da Polícia Militar nas unidades socioeducativas, o que pode acarretar vulnerabilidades aos adolescentes. Nas visitas, foram colhidas denúncias de maus tratos, com abertura de procedimentos de exames de corpo de delito e pedidos formais a direção das unidades para atendimento médico.

O direito a visita, fundamental para o reinserção social, por vezes, é negado. Foram identificadas irregularidades no Centro Educacional do Passaré, no Centro Educacional do São Francisco e no Centro Educacional Patativa do Assaré. Todo esse cenário acirra a tensão entre adolescentes e profissionais das unidades de internação.

Por fim, o relatório também indica um baixo número de socioeducadores e equipes técnicas, o que gera recusa no atendimento básico e revolta por parte dos adolescentes, desencadeando motins.

O relatório das inspeções será encaminhado à Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, Corregedoria do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, Tribunal de Justiça do Ceará, Ministério Público do Estado do Ceará, Comitê Estadual de Combate à Tortura, Assembleia Legislativa do Estado do Ceará – Comissão de Infância e Adolescência e Controladoria Geral de Segurança e Disciplina. “O objetivo é fazer com que todas instituições que fazem parte da rede de garantia de direitos a esses adolescentes sejam notificadas, tomem conhecimento dessa situação. Desejamos com este alerta que o Estado do Ceará possa dar um tratamento mais humano aos seus jovens e atender demandas básicas relacionadas ao direito à vida, à saúde e à dignidade dentro dos sistema socioeducativo”, finaliza o defensor público José Valter de Araújo.