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Defensoria questiona na Justiça remoções violentas – 68% ocorreram sem ordem judicial

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moradia

Cerca de 30 famílias foram removidas de uma ocupação no bairro Cajazeiras, sem ordem judicial e com violência, pela Prefeitura de Fortaleza. A retirada, que ocorreu no fim de outubro, foi mais uma abordagem do município que “desrespeita o direito social à moradia”, segundo o defensor público Eliton Meneses, do Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham). “Havia uma disputa que a Defensoria já estava acompanhando entre os ocupantes e o particular do condomínio vizinho ao terreno. Para nossa surpresa, a Prefeitura entrou neste imbróglio de forma peremptória, sem notificar a remoção. As famílias chegaram a fazer a defesa administrativa na Regional VI, mas não tiveram resposta e foram surpreendidas com o trator no terreno sem nem ter tempo para tirarem dos barracos seus poucos pertences. Em mais este caso não se observou o processo judicial”, explica Eliton Meneses.

De acordo com o Observatório das Remoções, do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará (UFC), só este ano em Fortaleza foram 17 remoções em 11 comunidades. Em 68% dos casos não houve ordem judicial, nem administrativa para a retirada das famílias e em 55% das remoções a ação ocorreu com violência. Ainda segundo o estudo, que reúne dados até setembro, só este ano 1.885 famílias foram atingidas em Fortaleza e cerca de 2.240 na Região Metropolitana. Para o levantamento, a UFC utilizou como fontes de informações o Escritório Frei Tito Alencar de Direitos Humanos, da Assembleia Legislativa, e o Nuham, da Defensoria Pública do Ceará.

Eliton Meneses defende que quando a questão trata de moradia o município não pode usar seu poder de polícia, porque há outros interesses envolvidos como os direitos à intimidade e à privacidade. Neste sentido, a Defensoria Pública ingressou com Ação Civil Pública contra o município de Fortaleza sobre as ocupações violentas, sem ordem judicial, pedindo ao Tribunal de Justiça que seja observada a necessidade de uma ordem judicial para as remoções ou, caso não se entenda assim, que estabeleça critérios para que estas retiradas aconteçam dentro do devido processo administrativo.

“Nestas remoções violentas não observamos só a falta de ordem judicial mas o total desleixo procedimental com relação a estas pessoas carentes. Quando são construções mais elaboradas o município tem um cuidado maior, mas quando são pessoas mais humildes há quase um prazer sádico nesta remoção, inclusive dos tratoristas e da capatazia das Regionais querendo passar por cima de tudo, barracos, animais, sem respeitar idosos, crianças, mães amamentando”, denuncia Eliton Meneses.

O defensor público critica também a falta de um encaminhamento, pela Prefeitura de Fortaleza, de um aluguel social para as famílias ou de seu cadastro em programas como o Minha Casa, Minha Vida. “O que observamos nestas retiradas é que não há preocupação com o destino das famílias. O direito social à moradia é uma obrigação do próprio município e, ainda que houvesse um interesse ambiental, como alegaram neste caso das Cajazeiras, há outro interesse igualmente grande, para nós ainda mais importante, que é a moradia. Claramente há um desvio de prioridade”, afirma o defensor.

A atuação do Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública tem mostrado que nos casos de ocupação em áreas valorizadas de Fortaleza os particulares têm a seu favor a especulação imobiliária. “Há muitas ocupações em lugares mais afastados e periféricos da Capital que ainda não despertaram o interesse de especuladores, não sofrem normalmente esta pressão e nenhuma ação da Prefeitura”, comenta Eliton Meneses.

Ele ressalta que diante da grave crise de moradia em Fortaleza as ocupações são cada vez mais frequentes e feitas, em sua maioria, por pessoas bem carentes. “Não se vai para uma ocupação para brincar. São barracos tão precários com condições tão desumanas que talvez representem a última alternativa antes de ir pra rua”, comenta o defensor público. De acordo com o observatório, mais de 160 mil famílias em Fortaleza estão cadastradas na Habitafor para receber uma unidade habitacional.

Pesquisas
Para o arquiteto Renato Pequeno, que coordena o laboratório na UFC, “dentro de Fortaleza existem outras Fortalezas”.
“No diálogo com as comunidades em encontros reunindo mais de 200 pessoas percebemos como era forte a queixa sobre as remoções e isso nos causou estranheza. Quando estudamos o tema da favelização verificamos que nunca os agentes buscavam urbanizar as favelas mas remover as comunidades”, comenta.

O Lehab faz parte de redes de pesquisa nacional e internacional sobre habitação e formalmente existe desde 2012. Há dois anos as pesquisas cearenses passaram a contribuir com o mapeamento do Observatório de Remoções de São Paulo. “Buscamos estudar a moradia considerando que ela, em suas diversas formas, representa as condições desiguais de uma população. Com nossa pesquisa percebemos a violação do direito à cidade e avaliamos a precariedade das políticas públicas, com o objetivo de contribuir para sua melhor formulação. Além disso, trazemos as questões para a sala de aula para que os problemas sejam resolvidos pelos alunos de Arquitetura em seus projetos”, explica.

O trabalho do Lehab reúne dados desde 2009. Mesmo ainda em andamento, como ressalta Renato Pequeno, o estudo já aponta algumas algumas características destas remoções: estão concentradas nas fronteiras da expansão do setor imobiliário, ocorrem em áreas valorizadas de Fortaleza, estão associadas à falta de políticas públicas e às grandes intervenções urbanas realizadas na cidade nos últimos anos. “Esta é uma prática de segregação involuntária e de exclusão territorial. Contabilizamos que de 27 mil famílias ameaçadas, 12 mil foram removidas. Muitas ações violentas com depoimentos terríveis”, comenta Renato Pequeno.

Audiência pública
No próximo dia 1o de dezembro, de 14h às 18h, a Defensoria Pública, através do Nuham, e juntamente com outras instituições participa de audiência pública sobre política habitacional na Câmara Municipal de Fortaleza (Rua Thompson Bulcão, 830).