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#EmDefesaDelas: a luta de mulheres por melhores condições de habitação

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O direito à moradia, apesar de assegurado na Constituição Federal, não é realidade concreta na vida de milhões de brasileiros. Quando se leva em conta a estrutura familiar comumente organizadas em torno da figura feminina, é possível constatar que são, em maioria mulheres, que encabeçam e luta por uma habitação digna. Embora não haja uma pesquisa nacional que recorte a luta por habitação por gênero, o último Censo do IBGE já apontava um dado crescente: das 67.393.921 habitações particulares no Brasil mais de 26 milhões já eram lideradas por mulheres. Embora os chefes da casa ainda tenham – nas pesquisas – a maioria masculina, o que se detecta, no cotidiano da Defensoria Pública, são mulheres, mães, avós, chefes de família, trabalhadoras e donas de casa que colocam a vida em prol de um benefício  comunitário, com objetivo do bem comum: melhorias nas condições de moradia.

O papel social de luta por melhores condições de moradia ou mesmo por uma habitação digna se reflete nos atendimentos da Defensoria. Segundo defensor público Lino Fonteles, supervisor do Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham), duas em cada três pessoas assistidas no núcleo são mulheres. “Nós tivemos grandes obras em Fortaleza antes, durante e depois da Copa do Mundo. A urbanização do Rio Maranguapinho, do Rio Cocó, o projeto Dendê e as obras do VLT. Toda essa caminhada que acompanhamos, geralmente, tem uma mulher à frente”, afirma Lino.

Para o defensor, os longos processos de desapropriação ou remoção trazem consequências graves, principalmente, para as mulheres envolvidas. “Nos territórios e comunidades, há muitas mulheres chefes de família. Na desapropriação ou na remoção, a mulher geralmente é quem mais sofre. Ela fica sem habitação, recai sobre ela a obrigação de cuidar dos filhos, da família. Isso ainda não é dividido, então ela acumula mais essa responsabilidade”, observa.

Lino Fonteles lembra que já existem legislação que rege políticas habitacionais reconhecendo o papel da mulher nos grupos familiares. Em 2015, por exemplo, a titularidade de 89% das casas do programa federal Minha Casa Minha Vida (MCMV) pertencia a elas. Além da preferência feminina na escritura das unidades, a segunda etapa do MCMV também permitia que mulheres separadas pudessem adquirir um imóvel mesmo sem a assinatura do cônjuge, quando o divórcio ainda não havia sido oficializado.

“A legislação, inclusive a federal, diz que o imóvel dos programas habitacionais devem ser entregues à mulher, colocados no nome dela. É até um critério de pontuação no sorteio de unidades habitacionais. O que eu acho é que talvez aquela mulher que tem filhos pequenos deve se ter uma prioridade específica. Por exemplo, destacar uma porcentagem das casas para esse público. Mas seria necessária uma mudança legislativa para contemplar isso”, defende Lino Fonteles.

Apresentamos a história de duas Marias, bravas guerreiras por moradia digna, de comunidades distintas e que tiveram o destino afetado pelo mesmo motivo: uma obra pública. Mesmo com o impasse se arrastando até hoje, elas não desistiram de lutar, por elas e por outros.

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“Maria do Mucuripe” – A resistência de Maria das Graças Silva, 66 anos, pela moradia iniciou em 2010. Naquele ano, chegava até a comunidade do Mucuripe a notícia do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O transporte integrava o pacote de mobilidade urbana do Governo do Estado para a Copa do Mundo de 2014. Mas a novidade veio acompanhada de funcionários, anunciando que em pouco tempo as casas viriam ao chão para que passassem os trilhos.

“Eles marcavam as casas com números, pediam nossos documentos. Ali já começou a mobilização para que ninguém fizesse nada até que alguém explicasse o que era aquela obra, mas que respeitassem nosso direito de moradia”, relembra Maria das Graças. Ainda em 2010, os moradores do Mucuripe procuraram o Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Estado do Ceará (Nuham). “Queríamos apoio para a luta e não sabíamos até onde isso ia dar”, explica.

Tudo ficou parado até 2012, quando novos funcionários – agora de outras empresas – foram novamente ao território para informar da necessidade de desapropriação. Foi aí que Maria conheceu o Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM) que somava os esforços de comunidades para que as desapropriações não ferissem seus interesses. Eles&elas pediam diálogo com o poder público, respeito ao direito fundamental de moradia e indenizações mais justas. Em 2019, as obras do VLT ainda continuam e segue o impasse quanto às remoções.

Segundo Maria das Graças, cerca de 70 famílias foram afetadas diretamente. Algumas aceitaram indenizações já no início do processo, “mesmo por valores muito abaixo do valor por metro quadrado da região”, frisa a aposentada. Outras negociaram, outras resistem. Desses grupos, muitos são chefiados por mulheres. “A minha casa é um exemplo, eu sou a chefe de família”, diz orgulhosa. Há quase uma década unindo força com outras comunidades do Mucuripe, Maria destaca a luta de mulheres nesse tema. “Veja a luta de nós, mulheres, como muito importante. A mulher é forte, ela vai fundo. É uma capacidade natural de força e esforço que só ela tem. Por isso estamos nessa luta e continuamos nela”, completa.

“Maria do Aldaci Barbosa” – São 37 anos dedicados à defesa de um teto para todos, de políticas públicas, de dignidade. Assim é a militância de Maria do Socorro Sales, 52 anos. Ela é identificada como liderança na comunidade Aldaci Barbosa, em Fortaleza, onde residem centenas de pessoas. Sua luta é por todo tipo de direito envolvendo a comunidade, que a procura tanto para gerenciar conflitos, como para buscar soluções para demandas.

Com cinco anos de idade, ela chegou com a família ao território que hoje abrange a Aldaci Barbosa. “Naquela época, era tudo taipa. Só depois, com autorização da Prefeitura e ajuda financeira, é que todo mundo começou a construir com tijolo”, recorda Maria do Socorro. Em 1997, teve a primeira experiência em manifestações por moradia. “Participei da ocupação de um terreno ocioso dentro da nossa comunidade. Teve reintegração de posse, fui detida. Mas importa é que manifestei minha opinião por terra para quem precisa”. De lá pra cá, não parou mais.

Ela vive com auxílio de aluguel social há dois anos, após sua casa ser desapropriada para passagem do VLT. Aguarda a conclusão de conjuntos habitacionais pelo Estado, mas enquanto isso não ocorre, segue fazendo o que julga ser vocação: na sua bicicleta, de forma voluntária, vai percorrendo a comunidade para entender os anseios, participando de reuniões em associações e audiências públicas. “Vejo que tem muita conquista para nós ao longo desses anos, mas ainda tem muitos interesses de outras pessoas em excluir quem mais precisa. Isso causa conflitos e anula os avanços”, analisa.

Sobre ser uma mulher, líder da militância reconhecida em outras comunidades, Maria do Socorro assume a linha de frente no quesito motivação. “Nosso diferencial é a garra, a coragem. Trazemos isso no sangue. Deixei de trabalhar para militar. Me sinto uma águia, ninguém coloca prisão em mim. A injustiça me dá mais garra, porque acredito que a terra é para todo mundo, e não isso que vemos hoje acontecendo com os mais pobres, excluídos e sem voz. Vamos à luta”, conclama.

#EmDefesaDelas – Em 2019, a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) e o Colégio Nacional de Defensores Gerais (Condege) encampa a ideia do “Em Defesa Delas”, em alusão às mulheres que precisam do acesso à Justiça para terem seus direitos assegurados. No Ceará, a Defensoria Pública do Estado lançou a campanha no último dia 7 de maio, em alusão ao mês em que se comemora o Dia do Defensor Público (19 de maio).

Confira o calendário de atividades da campanha

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