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#EmDefesaDelas: mulheres estão na linha de frente nos pedidos de saúde pela Defensoria

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Duas horas da madrugada: assim começou a terça-feira (28) da agricultora Maria Simone de Sousa Nunes, 33 anos, moradora do distrito de Canaã, zona rural de Trairi. O despertar, porém, não é para cuidar do roçado ou dos afazeres domésticos. Simone viajou até Fortaleza para ser atendida pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, onde quer ajuda para resguardar o direito à saúde do filho, que sobrevive com complicações após nascer com tumor medular.

Os cuidados do filho, de sete anos, ficaram sob responsabilidade do esposo, que aquele dia não irá até a cidade para trabalhar. Primeiramente, Simone faz o percurso do distrito até a zona urbana. Ao chegar na cidade, Simone vai até a Secretaria Municipal de Saúde, onde conseguiu um carro que a trouxe até Fortaleza, quilômetros depois. Com senha na mão, ela aguarda atendimento no Núcleo de Defesa da Saúde da Defensoria (Nudesa).

“Meu filho tem incontinência urinária e fecal, devido ao tumor medular logo que ele nasceu. Além de usar fralda direto, também precisamos comprar um medicamento para contrair a bexiga dele. Já pesquisei, cada caixa custa entre 150 e 170 reais, com 30 comprimidos. Como ele precisa tomar dois comprimidos por dia, seriam necessárias duas caixas por mês. Desde março ele devia já estar tomando, mas não temos condições de comprar”, desabafa.

Segundo ela, os direitos existem, mas ainda não estão assegurados para todos. “Tenho vontade e desejo de dar uma vida melhor pro meu filho. Mas me sinto frustrada, porque procuro meus direitos e tem toda uma dificuldade pra conseguir. Para garantir um direito da gente, temos que passar por todo esse sacrifício. Vi que todo mundo tem direito à medicação, mas quando a gente precisa, não acontece. Tô pedindo a Deus que, pela Defensoria Pública, dê certo”, diz a agricultora, minutos antes de ser atendida. A Defensoria não está presente no município de Trairi por estar em 45 cidades cearenses e muitas pessoas recorrem à Fortaleza, em  busca de apoio.

 

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Simone é uma das muitas mulheres que buscam a Defensoria pelo direito à saúde. Realidade evidente nos mais diversos núcleos de atendimento: as mulheres recorrem mais a Defensoria para ajuda. Segundos dados do Solar – sistema de atendimento em implantação na instituição -, só no mês de abril deste ano, o número de mulheres que procuraram o Nudesa representa 64% do total de atendimentos. Em breve, será possível mapear os assistidos por gênero de forma mais ampla, com a consolidação do Solar em todo o Estado.

A supervisora do psicossocial da Defensoria, Andreya Arruda, explica que isso se dá também por uma atribuição cultural que recai sobre a mulher. “Na sociedade é comum que a mulher traga para si o papel de cuidadora. Esta é uma atribuição cultural mesmo, que ainda não foi modificada. O que percebemos aqui é que embora ela venha atrás dos direitos – dela e de seus familiares – também chega aqui fragilizada. E sabemos que quem cuida também necessita de um olhar de cuidados. Ao chegar aqui, carregadas de angústias, ansiedades, medos, desgastes físicos e emocionais, buscamos ofertar a estas mulheres uma escuta qualificada, para que ela se veja como sujeito a ser cuidado”, afirma. A equipe psicossocial trabalha junto aos defensores públicos para detectar caso algum assistido precise de atenção especial além da demanda jurídica.

Outra que chega ao Nudesa é Sandra Mendes Pereira, 52 anos. Ela é costureira, mas deixou de linhas e agulhas desde fevereiro para se dedicar ao tratamento da mãe, de 79 anos, que sofreu um acidente vascular cerebral. “A luta já começou para transferir ela da UPA do Henrique Jorge para um hospital maior. Essa transferência consegui pela Defensoria, durante o plantão. Hoje estou aqui pra pedir a alimentação dela, que hoje está em casa, com a gente cuidando”, conta. Além dela, a irmã mais nova também ajuda nessa rotina. “Tenho meus filhos, já crescidos. Como minha irmã mais nova tem filho pequeno, eu pego pra mim essa responsabilidade. É uma correria, mas minha mãe precisa de mim”, explica.

 

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“O público que vem aqui diariamente é eminentemente formado por mulheres”, explica Karinne Matos, defensora pública titular do Nudesa. Para Karinne, outra característica importante é que são mulheres que estão ali buscando o direito de outras pessoas, antes mesmo de pensar nelas. “Já atendi uma senhora de mais de 70 anos e com problemas de saúde. Ela tinha demandas, mas procurou resolver, antes de tudo, as necessidades do marido, que precisava de fraldas. Isso é recorrente no Nudesa. Primeiramente, elas vão para buscar soluções para algum familiar ou conhecido, e depois elas cuidam de si. É um retrato social”, ressalta a defensora.

No meio de tantas mulheres buscando acessar direitos, há espaço também para a empatia entre elas. Aurilene da Cunha e Maria da Conceição são donas de casa e vizinhas. Chegaram juntas para tratar de uma demanda de Aurilene. “Vim buscar um direito da minha filha. Ela tem quinze anos e uma doença congênita, fica na cama o dia todo e precisa de fraldas. Ela é meu bem mais precioso, mas muito difícil para uma pessoa só dar conta de tudo. Graças a Deus tenho ajuda das minhas vizinhas, como a Conceição, ela veio comigo e me ajuda demais”, diz. A força nas palavras de mistura com sorriso para a amiga.

Assim como Aurilene, Conceição também tem rotina doméstica, cuidado dos filhos e todo o funcionamento da casa sob sua responsabilidade. Mas não hesita em encontrar um tempo para auxiliar a amiga. Para ela, o companheirismo é a chave para um mundo melhor. “Tudo melhora quando ajudamos uns aos outros. Eu sei que a rotina dela não é fácil, como mulher que precisa dar toda atenção. Então, o que eu puder fazer por ela eu faço, sem nenhum problema”, conta, arrancando lágrimas de Aurilene. As duas se abraçam e, naquele instante, a amizade se sobrepõe à luta difícil do dia a dia.