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Identidade de gênero: a luta por respeito que acontece também nas redes sociais

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Ela/dela, ele/dele. Para pessoas transgêneros, a afirmação identitária ultrapassa o universo das relações interpessoais chegando ao mundo online. Se declarar e ser reconhecido como você se autodenomina é o grito de reafirmação também nas redes sociais, legitimando direitos e amplificando vozes. No Twitter e no Instagram, duas das redes sociais mais populares do País, já se tem marcadores de gênero para serem utilizados para indicar como a pessoa trans quer ser tratada. A descrição também pode ser usada por pessoas cisgênero, igualando a prática de identificação.

A utilização errônea do pronome de tratamento é um dos entraves para que as relações evoluam. Pabllo Vittar, cantora brasileira, é exemplo. Ela fez até um vídeo para explicar qual o pronome que deve ser chamada. Mas há casos de pessoas que não têm isso respeitado. É o caso de Ariel Luna Alves, 25. Após solicitar uma informação pelo inbox do Instagram no perfil de um profissional, o rapaz a tratou no gênero masculino, mesmo sabendo que ela é mulher trans, sabendo seu nome e sua identidade de gênero. “O nome é pertencimento. Não acho que devem questionar quem eu digo que sou. Quando eu me apresento para alguém e falo meu nome e, por questão de respeito, a pessoa tem que me chamar daquela forma. Nesse caso específico, eu conheci ele de manhã e de noite, pela rede social, ele me tratou no masculino. Foi humilhante. Parece que, por estar em uma rede social, ele não precisava me tratar como eu me apresentei”, relata a vendedora.

Se na vida “real” a transfobia é muito presente, nas redes sociais ela se amplifica. São cotidianos os casos de usuários ofendidos e perseguidos na internet por sua identidade de gênero e/ou orientação sexual, tanto que um dos alvos mais famosos, o ex-deputado federal, Jean Wyllys, chegou a afirmar: “não se deixe impressionar pela quantidade de xingamentos. Há muito mais gente amorosa, mais gente que gosta. O fato é que o amor é silencioso e o ódio, diligente”, disse.

O anonimato das redes sociais ou a falta de punição dá a impressão de que estes “linchamentos públicos” ficarão sem respostas. No entanto, é na existência do direito à expressão que essas ilegalidades podem ser contestadas e confrontadas, como explica a defensora pública Amélia Rocha, titular da 14a Defensoria Cível. “Há uma garantia fundamental: cada pessoa deve ter uma existência plena e essa existência implica em ela se identificar e se colocar no mundo como ela é e assim ser tratada. É a premissa para que ela possa exercer toda a sua liberdade de expressão e sua participação no mundo. Não é admissível qualquer forma de restrição da identidade de ninguém. Antônio Augusto Cançado Trindade (jurista e magistrado brasileiro) diz que ‘a sorte de cada um está inexoravelmente ligada à sorte dos demais’. Deste modo, é preciso que todas as pessoas, sejam, nos espaços virtuais ou reais, respeitadas em sua identidade e individualidade, podendo exercer todos os demais direitos, inclusive o de liberdade de expressão”, destaca.

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Retificação e reconhecimento – Em novembro deste ano, Ariel procurou o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Ceará para dar entrada na retificação de nome e gênero no seu registro de nascimento. A necessidade veio a partir das oportunidades de trabalho que surgiam. “Entender que, mesmo sem a retificação, as pessoas têm que me tratar como eu me identifico, é imprescindível para a minha existência. Sejam artigos, formas de tratamento ou mesmo o nome social. Optei por entrar com a retificação, porque estava tendo alguns problemas na hora da vinculação trabalhista, mas estou certa de que as pessoas que eu tenho maior respeito me chamam pelo nome que as digo”, retruca. Mesmo com a possibilidade do nome social mais difundida entre organizações e na sociedade, Ariel afirma que já foi questionada sobre falsidade ideológica na hora de apresentar a documentação pessoal.

Para ela, o processo de autopercepção começou ainda na infância e, muita certa de como se vê, sabia que caminho trilhar, apesar das dificuldades. “Desde pequena eu sabia que havia algo diferente em mim, eu me olhava no espelho, sabia que não estava completamente encaixada ali. Na adolescência foi quando iniciei a transição, a primeira vez que saí na rua, eu achei que fossem falar algo. Ninguém falou e eu me firmei naquilo. Dentro de casa, claro, houve dificuldade, mas sempre estive certa de que quem realmente me ama, permanece comigo”, desabafa.

A Resolução nº 270/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assegura a possibilidade do uso do nome social “às pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, aos magistrados, aos estagiários, aos servidores e aos trabalhadores terceirizados do Poder Judiciário, em seus registros funcionais, sistemas e documentos […]”. No âmbito estadual, desde o dia 30 de julho passou a vigorar no estado do Ceará a lei nº 16.946 que garante o uso do nome social a travestis e transexuais nos serviços públicos e privados, em áreas de ensino, saúde, relação de consumo e outros, como fichas cadastrais, prontuários, formulários, documentos, correspondências, e também no tratamento usual. De autoria do deputado estadual Renato Roseno, a Lei foi sancionada e publicada no Diário Oficial do Estado após ser aprovada na Assembleia Legislativa no dia 4 de julho de 2019 e sancionada pelo governador do Estado, Camilo Santana. De acordo com a nova legislação, a identidade social da pessoa deve vir por escrito, em campo destacado, junto ao respectivo nome civil, que poderá ser utilizado apenas para fins internos da administração do serviço em questão.

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Solicitação da mudança – Para dar entrada em uma solicitação de mudança de registro pela Defensoria do Ceará, a pessoa deve procurar, em Fortaleza, o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a identidade de gênero como direito humano, e que se dá pelo reconhecimento do direito pela autodeclaração, não sendo mais necessário apresentar tratamento hormonal, laudos médicos ou comprovante de cirurgias para pedir a adequação do nome e gênero. Basta ir diretamente ao cartório de registro para realizar essa modificação. Quem não pode custear as taxas, que são cobradas pode buscar a Defensoria. “Nós avisamos para que a pessoa interessada possa ser encaminhada, mediante ofício, ao cartório onde foi registrada, ocasião em que a Defensoria Pública vai representá-la administrativamente. Como é a Defensoria atuando, não há custos a pagar. Lá, ela dá entrada no procedimento que vai retificar o prenome e gênero. Embora alguns cartórios ainda tenham resistência em fazer retificação de forma gratuita, este é um direito assegurado e a Defensoria tem buscado auxiliar todos que nos procuram”, explica a defensora titular do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública, Sandra Sá

Em 2018, a Defensoria realizou 77 atendimentos de retificação de nome e gênero no NDHAC. Em 2019, o núcleo recebeu 109 casos.

Um desses casos é de Sharpey Cordeiro, 22. A manicure procurou o NDHAC em fevereiro deste ano para realizar a mudança. Com a nova certidão em mãos, ela diz que o documento representa a finalização de uma vida com um nome que não a pertencia. “Representa um sonho. Um sonho que foi realizado! Hoje me sinto quem realmente sou. É o sonho de ter todos me chamando pelo nome que eu realmente me identifico”, diz Sharpey. A percepção também veio durante a infância. “Sentia como se eu estivesse vestida errada, com roupas de meninos, não me reconhecia. As maiores dificuldades durante a transição foram justamente as formas de tratamento, até quem me conhecia me tratava no masculino, mesmo eu estando toda feminina e me apresentando como mulher”, relembra.

O NDHAC atua em ações ações e atividades relativas à proteção dos Direitos Humanos, envolvendo especialmente a preservação e reparação dos direitos de grupos sociais vulneráveis e de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência.

Confira a documentação para entrar com procedimento de retificação de nome e gênero pelo NDHAC:

Certidão de nascimento atualizada; (A Defensoria Pública requisitará no Ofício)
Certidão de casamento atualizada, se for o caso;
Cópia do registro geral de identidade (RG);
Cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso;
Cópia do passaporte brasileiro, se for o caso;
Cópia do cadastro de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda;
Cópia do título de eleitor;
Cópia de carteira de identidade social, se for o caso;
Comprovante de endereço;
Certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (Solicitar no Fórum Clóvis Beviláqua)
Certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (Solicitar no Fórum Clóvis Beviláqua)
Certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (http://www.jfce.jus.br/jfce/certidaointer/emissaoCertidao.aspx)
Certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos; (Será solicitada pela Defensoria Pública)
Certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos; (http://www.tse.jus.br/eleitor/certidoes)
Certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos; (http://www.tst.jus.br/certidao)
Certidão da Justiça Militar, se for o caso. (https://www.stm.jus.br/servicos-stm/certidao-negativa)
Certidão do Serviço de Proteção ao Crédito – SPC
Certidão da Centralização de Serviços dos Bancos – SERASA
Autodeclaração de Identidade de Gênero

Serviço:
Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas – Ndhac
Av. Senador Virgílio Távora, n°2184, Dionísio Torres
(85) 3264.4409