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Jovem consegue na Justiça direito à continuidade do tratamento de uma síndrome rara

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“Kassinho, nós vamos vencer essa”. A frase, que mistura afeto, esperança e coragem, foi dita por Rosilda, tia de Kassio Vilano Vilarouca de Sousa, quando o jovem de 23 anos, diagnosticado com uma síndrome rara, viu-se desamparado pelo plano de saúde no início deste ano. “Em 2015, começamos a perceber que ele estava perdendo os movimentos, ficando mais rígido, com espasmos e depois de muita luta descobrimos que ele é portador da Síndrome de Wilson. Conseguimos começar o tratamento pelo plano da empresa em que ele trabalhava, mas depois de uma mudança de operadora eles negaram o serviço e a alimentação que ele precisa”, relata a tia (na foto à direita).

A doença de Wilson, também denominada degeneração hepatolenticular, tem origem genética e leva ao acúmulo de cobre no organismo, especialmente nos tecidos encefálicos e hepáticos, comprometendo principalmente o cérebro e o fígado. A doença degenerativa começou a ser diagnosticada em Kassio após uma ressonância magnética do crânio e foi confirmada após exames da ceruloplasmina (uma proteína sintetizada no fígado) e do Anel de Kayser-Fleischer (pigmentações na circunferência da íris do olho). Estes exames só foram feitos por insistência da tia. “Sempre ouvia dos médicos que o problema dele era psicológico ou resultado da sobrecarga de trabalho. Eu nunca me conformei com isso porque via ele piorando a cada dia. Nem conseguia amarrar os sapatos, comer. Emagreceu muito e diziam que era gastrite. Teve que deixar o emprego, o curso de rede de computadores. A vida dele mudou totalmente”, relembra.

A quebra repentina na continuidade do serviço de saúde, vital para Kassio, aconteceu no começo de 2018. A tia Rosilda tentou uma solução conciliada com a Bradesco Saúde, mas, sem sucesso, precisou internar o sobrinho no hospital para que ele recebesse a alimentação enteral, por meio de sonda flexível direcionada ao estômago.

Depois de três dias internado, a operadora informou por telefone ao hospital que não continuaria o atendimento. “Fui procurar a Defensoria Pública, mas como eu não tinha esta negativa da Bradesco Saúde por escrito não foi possível ingressar com a ação. O plano não queria de jeito nenhum formalizar isso. Aí foi o jeito voltar a internar meu sobrinho de novo e eu disse que só saíamos de lá com a negativa formalizada ou com o atendimento em casa assegurado pelo plano”. E neste ínterim foram mais 23 dias no hospital.

Quando a Bradesco Saúde voltou a negar a continuidade do serviço, Rosilda insistiu para que eles formalizassem essa negativa. Com o papel em mãos, ela deu entrada no pedido na Defensoria Pública e conseguiu assegurar na Justiça o tratamento de Kássio em casa, que atualmente é acompanhado por fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista e enfermeira, além de receber a alimentação por via gástrica.

“Requerer que a nova operadora de saúde mantenha a prestação da anterior era um procedimento que ainda não tinha sido feito no Núcleo de Defesa da Saúde da Defensoria (Nudesa). Um passo extremamente importante para a solidificação do Núcleo. Essa decisão judicial abre leque para outras demandas semelhantes ou que se enquadrem na mesma situação. Estas pessoas poderão procurar o Nudesa neste socorro. A decisão representa um novo olhar para casos assim, uma visão mais humana do Poder Judiciário, pois a manutenção do tratamento evita que haja uma progressão desta doença que é muito rara”, comenta a defensora pública e supervisora do Nudesa, Karine Matos.

Em sua decisão, o juiz Antonio Francisco Paiva, da 17a Vara Cível, ressaltou que, segundo consolidada orientação jurisprudencial, é o médico quem decide sobre o tratamento do doente, não podendo o plano de saúde restringir o tratamento, e nem o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta. “Entendo pela obrigação da operadora do plano de saúde de custear o tratamento médico indicado pelo assistente, sendo altamente recomendada em face das peculiaridades do paciente que é portador de doença degenerativa e é completamente dependente de terceiros”, escreveu o magistrado.

A lei 9656/1998, que regulamenta os planos de saúde, assegura ao consumidor de planos coletivos com vínculo empregatício permanecer com o plano em caso de demissão sem justa causa ou aposentadoria. No caso de afastamento do trabalho por doença as condições do serviço devem ser mantidas. “Foi o caso do Kássio. Pela lei ele tem direito de permanecer com o plano porque adoeceu durante a vigência do contrato de trabalho. Como essa garantia foi descumprida, ensejou a atuação da Defensoria”, explica Karine Matos.

A decisão foi um alento para a tia Rosilda e para a mãe de Kassio, Dona Vilani. “O ano para mim só começou depois do Carnaval, com esta decisão do juiz”, diz a mãe. As duas deixaram de trabalhar para cuidar do jovem que perdeu a fala, toma cerca de 20 comprimidos diferentes por dia e tem movimentos bem limitados. “Fazemos tudo: dar banho, remédio, ajeitar a sonda, levar para consultas, ir no posto pegar medicamento. Hoje entendo porque ao me formar não consegui arrumar emprego. Era porque eu tinha esta missão: cuidar dele”, emociona-se a tia, formada em Recursos Humanos, que se comunica com o sobrinho por gestos e olhares. “É o convívio e o amor que me fazem entender o que ele quer dizer”, traduz.

Embora os atendimentos médicos sejam cobertos pelo plano, Rosilda conta que os gastos com transporte, compra de materiais para a fisioterapia, entre outros, são altos e sempre ultrapassam o valor recebido com a aposentadoria por invalidez do rapaz, que sempre sustentou a casa. Para arcar com as despesas, eles contam com doações de vizinhos, parentes e amigos da igreja.

Agora a luta de Vilani e Rosilda é para oferecer melhor qualidade de vida ao rapaz, providenciando consultas médicas que são anotadas cuidadosamente num quadro na sala, conforto mínimo no quarto que é limpo diariamente e a companhia do Snoop, um poodle que Kassio ganhou de presente dos amigos durante o difícil mês de janeiro que passou. Uma meta que inclui ainda o sonho de terminar a reforma da pequena casa no bairro Curió, em Fortaleza.

 

 

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