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Mulheres no Cárcere: “Mais de 60% das mulheres que atendi tinham sido presas em decorrência do tráfico de drogas”

Mulheres no Cárcere: “Mais de 60% das mulheres que atendi tinham sido presas em decorrência do tráfico de drogas”

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Falar sobre mulheres no cárcere é trazer diferentes cenários, identidade, gênero, maternidade. Esse foi o diálogo do #NaPausa, realizado na tarde dessa quarta-feira, 12, e contou com a presença da professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), Celina Lima, e da defensora pública do Estado do Ceará, Gina Moura.

Sobre o papel da mulher, Celina Lima trouxe um cenário discrepante entre as funções impostas ao decorrer dos anos. “Antes, tínhamos aquelas mulheres que de um papel social doméstico, uma mulher frágil. As mulheres começam a assumir ao papel que antes era do homem, ou seja, antes tínhamos mulheres envolvidas em crimes passionais, em roubo; hoje, temos mulheres no tráfico de drogas. Mulheres à frente ou com papéis relevantes nas facções. Então, a mulher começa a assumir papéis mais importantes, principalmente, no crime organizado”.

Essas novas atribuições têm relação direta com o cenário no sistema prisional. “No último Censo Penitenciário, feito em 2014, contávamos com pouco mais de 400 mulheres. Hoje, temos superlotação no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa”, destaca a professora. A desvinculação da imagem da mulher em relação ao homem também foi um diferencial para esse aumento populacional. “Haviam muitos casos de mulheres que acabavam sendo presas porque tentavam fazer algo pelo marido, entrar com droga no presídio, por exemplo. Hoje temos a mulher presa, porque ela mesma está comandando o tráfico, nesse papel de liderança, mas esse papel continua vinculado ao homem, porque, por vezes, ela ocupa um espaço deixado por ele, enquanto está recolhido”, explica.

A defensora Gina Moura trabalhou no IPF por sete anos e reforçou que o cenário de envolvimento com o tráfico carrega um contexto bem maior. “Levar a discussão para o espaço privado, no domicílio, traz principalmente a relação com as drogas. Mais de 60% das mulheres que atendi tinham sido presas em decorrência do tráfico de drogas. Mais do que vincular a mulher ao espaço que era preenchido pelo marido, há um envolvimento econômico daquela menina, que foi mãe precocemente, que não teve o apoio do pai da criança, não tinha como continuar os estudos e vê como um suporte econômico à sua realidade”.

A desigualdade de gênero pode ser inclusive constatada dentro do sistema prisional e é preciso considerar o impacto desse cenário, principalmente, quando elas são mães e/ou chefes do lar. “Aqui não é uma escusa de qualquer tipo de responsabilidade que precisa ser assumida, mas dentro de um contexto social não podemos desconsiderar o impacto de um aprisionamento feminino dentro de um contexto dessas mulheres”, destaca Gina Moura. Para ela, “as mulheres suprem essa necessidade de prover o lar e, ao ser aprisionada, este fator geram várias consequências para os filhos menores. A desigualdade de gênero vai até pro sistema prisional, afinal, elas não conseguem fugir do papel de ser mãe, não a mãe idealizada, mas a mãe que a realidade nos traz: a que precisa sustentar as pessoas de seu núcleo familiar”, concorda Celina Lima.

Um outro assunto abordado durante o momento foi em relação à maternidade. “Quem é essa mãe? Quem é essa criança? Um dos momentos dolorosos que tive que acompanhar foi a separação da criança com a mãe. Acompanhei casos de mães que não tinham familiares que quisessem ficar com a criança, isso agrava o cenário”, conta Celina. Ainda, a professora destaca que “criança não tem que estar em presídio, a frieza do cárcere torna impossível você pensar em criar uma criança nesse cenário. A desigualdade também se faz na seara econômica, a mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, por exemplo, teve o direito de ficar com os filhos menores garantido, a mulher que tem uma condição financeira baixa, pessoas pobres, não têm esse acesso”.

Habeas corpus coletivo – A Defensoria Pública do Estado do Ceará, uma das integrantes do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS), juntamente com outras 15 Defensorias do Brasil impetraram habeas corpus coletivo, com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja concedida a liberdade provisória ou prisão domiciliar durante a pandemia do novo coronavírus a todas as mulheres gestantes, puérperas e lactantes presas atualmente no país.

O documento traz informações sobre o cenário do sistema carcerário nacional, em relação às mulheres grávidas e lactantes. O texto também destaca que as mulheres presas têm apenas seis meses de convivência com seus filhos antes da interrupção do vínculo.