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Mulheres sufocadas pela violência doméstica e que chegam ao extremo em legítima defesa

Mulheres sufocadas pela violência doméstica e que chegam ao extremo em legítima defesa

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Era 2012. Uma mulher era sufocada com uma vida de violências das mais diversas. Um companheiro extremamente agressivo andava armado com uma faca, violências físicas, tentativas de estupros e a ameaças de morte. Um dia, uma briga mais intensa e ela pegou a faca e, após luta corporal, ela desferiu sete facadas nele. Estava ali o começo de uma saga que só teve fim em 2019, quando a mulher foi absolvida pelo Tribunal do Júri, em Maranguape, por quatro votos a zero.  

A defensora pública Priscilla Holanda, da 1ª Defensoria de Maranguape, relembra deste julgamento. “Diferentemente do que faço normalmente, naquele momento, afastei-me da técnica e deixei o meu coração falar, para contar a história de vida da minha assistida. Questionei como um Estado que não tinha dado a assistência de que ela precisara  – sim, pois ela havia, em 2008, procurado ajuda, representando o companheiro por ter cometido ato de violência doméstica contra ela – agora queria punir e colocar na cadeia aquela mulher por ter realizado a defesa com as próprias mãos, fazendo cessar anos e anos de tanto sofrimento”, escreveu ela, sobre um dos júris que considera mais emocionantes na sua carreira como defensora. 

Ela explica que não é tão comum de acontecer casos assim. “Na maioria das vezes, essa situação de violência doméstica termina com um feminicídio, o homicídio da mulher em razão da sua condição de gênero”, contextualiza a defensora. “Não existe uma estatística contabilizando a legítima defesa da mulher vítima de violência doméstica, até porque não existe um tipo penal próprio, como o feminicídio”. Nos casos em que mulheres chegam a tal ponto de matar o agressor é extremo e denota uma situação de bastante sofrimento físico e emocional, observa Priscilla. 

“Percebi que todos ficaram meio em choque quando a senhorinha de meia idade, com o semblante abatido, adentrou a sala e apresentou-se como a ré do processo que iria a julgamento naquele dia. Ela andava devagar e demonstrava uma intensa fragilidade. Como aquela mulher, aparentemente tão vulnerável, teria matado o companheiro com 7 facadas?”, relembra. 

O artigo 25 do Código Penal prevê a legítima defesa quando uma pessoa, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente. O defensor  e o supervisor das Defensorias Criminais, Manfredo Rommel Candido Maciel explica que “a legítima defesa se configura em um situação em que a pessoa pratica uma conduta descrita como crime, mas que, por ser praticada num contexto de defesa (que pode ser própria ou alheia) não é considerada crime”, costura.

“O conceito de legítima defesa é uma excludente de ilicitude”, complementa a defensora pública Lara Teles, atuante na Rede Acolhe. “Não podemos criminalizar as mulheres que chegam a esse ponto para protegerem as suas vidas, se o próprio Estado não foi capaz de fazê-lo”, comenta a defensora. Ela também atuou em um caso similar, 2018, quando atuava diante das Defensorias do Júri, em Fortaleza. 

Nele, a mulher passou por sucessivas agressões físicas, verbais, sexuais e psicológicas por parte do companheiro. Ele não a permitia, por exemplo, ingerir um medicamento de uso sistemático, proibindo o tratamento e agravando o estado de saúde da vítima, que ainda vivia em cárcere privado. “Por uma questão de ciúmes excessivos, ele não a deixava sair de casa, ter uma vida social amarrava a perna dela ao pé da mesa quando ele saía de casa. Em determinado dia, ele chegou de uma maneira mais exaltada em casa, partiu para a agressão, ela precisou se defender e matou o marido”, narra. A legítima defesa, acredita Lara, foi uma autotutela, a forma que aquela mulher encontrou para conseguir sobreviver. “Era a situação posta ali: uma mulher que precisou chegar a um ato extremo, porque não contou com as outras ferramentas que a protegessem”, afirma. 

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, entre 2019 e meados de 2020, no Brasil, a cada dois minutos, uma mulher sofreu violência doméstica. Foram 266.310 registros de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica, no período, um crescimento de 5,2%. O documento mostra que foram 1.326 vítimas de feminicídio em 2019, sendo 66,6% mulheres negras e 89,9% foram mortas pelo atual ou ex-companheiro. 

A defensora reforça a necessidade de denunciar as agressões e buscar ajuda. “A mulher vítima de violência doméstica conta com o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem), em Fortaleza e no Cariri, que pode intentar as medidas cíveis e criminais para a proteção da mulher vítima de violência, desde medidas, como afastamento do lar e, em casos mais extremos, pedido de prisão preventiva e inserção desta mulher em abrigos”. Todos os casos de violência precisam ser cientificados, noticiados ao Estado, que tem o dever de assegurar esta proteção como imputa o artigos 5º “caput” e 144 da Constituição. 

Serviço
Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher

Fortaleza
Contatos: (85) 98650-4003 – 8h às 10h40
(85) 3108-2986 – 10h40 às 13h20
Celular: (85) 99856-6820 – 14h às 16h40
E-mail: nudem@defensoria.ce.def.br

Atendimento Psicossocial
E-mail: psicossocial@defensoria.ce.def.br
Celular: (85) 98560-2709 – 8h às 14h
Celular: (85) 98948.9876 – 11h às 17h

Cariri
Contatos: (88) 9 9934-8564 – 8h às 14h
(88) 9 9680-8667 – 8h às 14h
(88) 9 8842-0757 – 11h às 17h

Email: psicossocial@defensoria.ce.def.br