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“Não queremos ser tolerados, queremos ser respeitados!”

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povos de terreiro 7“Não existem jovens católicos, evangélicos, espíritas? Porque não posso ser de outra religião?”. Esse questionamento da estudante Yasmin Araújo Leite, candomblecista, foi trazido durante a audiência pública realizada nesta terça-feira (24) no Polo de Convivência Social Dra. Rosiane Limaverde, no bairro Frei Damião, em Juazeiro do Norte. Na ocasião, a Defensoria escutou as demandas das lideranças de vários terreiros do Cariri e discutiu liberdade e o direito à crença. A audiência integrou as ações do projeto Defensoria em Movimento, que durante os dias 23 e 24 esteve no bairro, promovendo atendimentos jurídicos e ações de educação em direitos.

Na casa de terreiro, Yasmin é a mãe Iyalorixá. “É muito difícil para nós, jovens, fazer parte de religiões de matriz africana, porque, de certa forma, somos excluídos, deixamos de participar de festas, ficamos calados quando fazem brincadeiras de mal gosto, sem saber como responder, além de não poder usar as nossas guias, o nosso pano na cabeça por medo e sem saber como as outras pessoas vão agir. Às vezes somos parados na rua por pessoas que fazem questionamentos constrangedores, perguntando porque a gente faz parte de uma religião afrodescendente, como se a nossa crença fosse uma coisa ruim”, complementou Yasmin.

povos de terreiro 2Durante a audiência pública, diversas lideranças exigiram respeito à tradição religiosa de matriz africana e questionaram a impunidade dos grupos que promovem a intolerância religiosa na região. Luana Laís de Morais Carvalho, 21 anos, estudante do curso de música na Universidade Federal do Cariri (UFCA), relatou práticas de intolerância religiosa dentro do espaço acadêmico. “Infelizmente, no espaço acadêmico você ainda encontra pessoas conservadoras que não aceitam outra verdade a não ser a delas. No meu caso, no curso de música, boa parte de professores e alunos é evangélica ou de outras religiões cristãs. E o que vejo são pessoas de matriz africana sofrendo repressão dentro da universidade, sendo proibidas de expor a sua fé e praticar o seu axé, acarretando até na evasão do meio acadêmico, onde não deveria acontecer isso. Eu realmente tenho muita esperança de que isso que aconteceu com o apoio da Defensoria Pública aqui no Cariri abra espaço e dê voz às pessoas do terreiro”, relatou.

povos de terreiro 6Este já é o terceiro encontro entre a Defensoria Pública e os povos de terreiro em 2018. Em maio, a defensora pública geral, Mariana Lobo, recebeu os integrantes de diversos grupos e entidades que lutam pela igualdade racial e liberdade de crença. No mês seguinte, em junho, a Ouvidoria da Defensoria organizou nova reunião com movimentos sociais e de mulheres do Cariri para novo diálogo sobre o tema. A audiência pública, articulada pela Ouvidoria Geral da Defensoria, é mais uma aproximação que busca suprir a escassez de políticas públicas que protejam as religiões de matriz africana.

De acordo com Merilane Pires Coelho, ouvidora geral externa da Defensoria, a audiência foi uma mais uma estratégia de aproximação, de forma que esses grupos vulneráveis apresentem a realidade de negação de direitos. “Foi um momento muito relevante porque estabeleceu uma proximidade com essa população e reafirmou a disponibilidade da instituição em atender o povo de terreiro, o povo de santo, e ouvir as suas demandas, estar próxima a essas populações de forma a lutar pelos direitos e garantir o pleno acesso às políticas públicas e a participação na construção de uma sociedade mais igualitária, mais inclusiva e o pleno respeito às religiões de matriz africana”, destacou a ouvidora.

Dentre os encaminhamentos da audiência, a Defensoria Pública irá intermediar novos diálogos entre Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública, e com as secretarias municipais de educação do Cariri, para discutir a questão da intolerância religiosa dentro das escolas e as abordagens policiais mal sucedidas. A Defensoria se comprometeu a encaminhar os relatos de denúncias de violência nos povos de terreiros para o próximo encontro do Ceará Pacífico, além de articular uma reunião com os representantes do comitê e as representações de povos de terreiros e movimentos negro do cariri.

Outro assunto discutido na audiência pública foi sobre a não implementação da Lei 10639/03, criada para o ensino da cultura afro-brasileira, que resultaria nos debates e na apresentação das religiões de matriz africana no ambiente escolar e reforçaria também a utilização da educação para o combate ao racismo e à intolerância religiosa. Este assunto também já foi pauta de reunião na Defensoria Pública, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac). “Todos esses retrocessos que têm acontecido em relação ao direito à manifestação religiosa nos estimulam a atuar cada vez mais próximos dos segmentos sociais para poder instrumentalizar os direitos”, explica a supervisora do Ndhac, Sandra Sá.

povos de terreiro1Como encaminhamento para esta demanda, foi solicitado que durante a reunião com as secretarias municipais de educação do Cariri sejam apresentados pelos municípios os planos políticos pedagógicos das escolas, os planejamentos e o registro das aulas ministradas periodicamente.

“Toda essa temática é realmente desconhecida mesmo até pelos próprios operadores do sistema de justiça e nós, da Defensoria Pública, por ser uma instituição que é porta de entrada das demandas da população mais vulnerável, precisamos difundir sobre esses direitos e promover ações para cessar com a discriminação. Entendo que a Defensoria Pública pode ajudar a promover políticas públicas para essas demandas apresentadas durante a audiência para que sociedade passe a olhar para isso de maneira diferenciada e com mais respeito”, destacou Amélia Rocha, assessora de Relacionamento Institucional e responsável pelo projeto Defensoria em Movimento.