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ORGULHO LGBTI+ é poder ser quem se é

ORGULHO LGBTI+ é poder ser quem se é

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Para celebrar o Dia do Orgulho LGBTI+, comemorado no próximo domingo (28/6), a Defensoria narra quatro histórias de retificações de nome feitas com auxílio da instituição. Quatro mulheres que podem agora, de fato e de direito, ser quem são. Quem nasceram pra ser. Na inteireza de cada uma

 

Foram quase 30 anos até Dafny Sully nascer. É bem verdade que, de fato, ela já habitava desconfortavelmente o corpo de um garoto dentro de uma heteronormatividade imposta pelo mundo. Um tempo no qual sequer dava a si mesma esse nome, parido apenas aos 18 e que só agora, após décadas de maturação a fórceps, tem cidadania reconhecida.

Uma cidadania feminina. Uma mulher trans. Uma mulher, com direitos assegurados e deveres estabelecidos, como qualquer pessoa.

“Troquei de nome porque não me sentia bem. Nunca me vi como homem. Meu universo era outro. E eu não pedi pra ter o nome que me deram. Eu sentia que estava no corpo errado. O corpo tinha uma fisionomia, mas a mente era diferente. Receber minha certidão de nascimento nova foi um sonho realizado. A sensação é a de que eu existo, que essa sou eu”, comemora a estudante.

Dafny conquistou a retificação do nome no começo deste ano, após ser assistida pela Defensoria Pública do Estado (DPCE). Até isso acontecer, diversos direitos foram negados, até no mais corriqueiro dos atos. Uma simples chamada de colégio era um tormento. O nome antigo esteve lá uma vida toda.

Não está mais. “Fui na secretaria da escola com o registro novo e pedi pra trocar. Meu certificado de conclusão vai sair com o nome que eu escolhi pra mim. É direito meu”, sentencia Dafny. E é mesmo. Qualquer pessoa pode solicitar alteração sem a necessidade de ingressar com ação judicial. Inclusive e principalmente indivíduos LGBTI+, cuja vulnerabilidade é ainda maior – a começar pelo trauma de serem chamados de algo que não lhes representa na inteireza.

Desburocratização – Há até bem pouco tempo, judicializar o caso era quase obrigatório para esse direito ser assegurado. Burocracias, tempo, laudos e taxas. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e um provimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinaram que isso seja feito administrativamente.

“A gente requisita certidões e outras a gente encaminha para a pessoa providenciar. Com tudo pronto, a gente entra com procedimento junto ao cartório”, detalha a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da DPCE, defensora Mariana Lobo.

De janeiro de 2019 a março deste ano, 153 pessoas buscaram esse serviço do NDHAC, que pode ser solicitado mesmo agora, durante a pandemia do novo coronavírus, período no qual a Defensoria está em atendimento remoto. Parte das pessoas chega encaminhada de outros equipamentos públicos especializados no público LGBTI+.

A DPCE acolhe os casos independente de onde o/a assistido(a) venha. “Identidade de gênero e prenome são direitos inerentes à personalidade da pessoa. É um direito fundamental, previsto na Constituição: o direito à personalidade. É você ser quem você é”, acrescenta Mariana Lobo.

 

PATRÍCIA: SENSAÇÃO DE LIBERDADE
No Brasil, uma pesquisa aponta que 90% da população admite existir preconceito contra LGBTI+, mas 70% dessa mesma população não se considera preconceituosa. Nesse cenário, a vida de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e todos mais que cabem na sigla é uma (auto)afirmação constante. Sensação que a atriz Patrícia Alves (ou Dawson, no mundo artístico) conhece bem.

Outros marcadores tentam limitá-la há 34 anos. Além de mulher trans, ela se autodenomina preta e gorda. “A gente se sente não pertencente a muitas coisas. Me reneguei, achando que podia ser uma fase [o desejo de ser mulher], mesmo tendo consciência de que desde criança meus desejos não eram de menino. Me fortaleci, mas também fraquejei.”

O encorajamento veio da vivência do teatro. Foi num ambiente livre, no grupo “As travestidas” que Patrícia experimentou pela primeira vez o gosto de ser quem se é. Era 2009, ano da primeira “montaria”. Vestiu-se de mulher e teve a certeza: aquela no espelho era quem ela desejava ser. Em definitivo.

Maquiagem e peruca não alcançavam o tamanho da vontade de também mudar corpo e nome. O primeiro passo foi o tratamento hormonal, em 2013. O mais recente, em 2019, conseguir uma nova certidão. Nascer de novo. Juntou a papelada e buscou a Defensoria.

“Mudar o nome me deu uma sensação de liberdade. Esse documento cala a boca de muita gente. Por mais que alguém seja contra, a lei me garante esse direito. Minha mãe fica feliz, entende que é uma conquista. Ela não me nega. Mas ainda existe resistência de algumas pessoas. Eu que não bato mais de frente. Vejo que é um confronto desnecessário. Gostaria que fosse diferente porque também é uma agressão, um desrespeito. Mas eu tento construir mecanismos. Quando menos esperar, todos vão se acostumar”, deseja Patrícia.

 

SHARPEY: TRANS SÃO PESSOAS POSSÍVEIS
Aos 22 anos, a designer de unhas é taxativa: o nome de batismo ficou no passado. E ela vive de futuro. Sharpey Lêlidô quer se especializar na profissão e ajudar amigas trans a também terem uma certidão de nascimento cujo nome seja reflexo do dono ou dona.


“Antigamente, não se tinha o entendimento de hoje de que trans são pessoas possíveis. E nós somos pessoas possíveis! Posso dizer que mudar meu nome melhorou minha vida em muita coisa. Era ruim ir ao médico e ser chamada como homem. Eu sempre esperava alguns minutos pra me levantar e ir pra consulta. Mudou também no meu trabalho. Com minha documentação, eu sou ela. Sou mulher. E é assim que eu me sinto desde pequena. Sei quem sou desde os 12 anos”, recorda a jovem.

Na família, o entendimento predominante é o do respeito. O sentimento de mãe já sabia e o das irmãs foi de acolher. Abraçar e agradecer, ainda mais após o começo da transição, cinco anos atrás, quando os primeiros hormônios femininos começaram a fazer efeito no corpo.

A mudança do nome foi outro grande passo na autoafirmação feminina. “Fiz questão de trocar meu nome em tudo. Até no cartão de crédito. Passei quase um dia pra conseguir um RG novo. Mas consegui. E é isso mesmo. A gente tem que lutar pelo que quer. Nada vem fácil. Por isso que quero ajudar as amigas. Sempre indico a Defensoria. Ainda tem muita gente que nem sabe que pode. Se soubessem a emoção que é ser chamada pelo nome de verdade…”, garante Sharpey.

 

ARIEL: NOME CONSTRÓI IDENTIDADE
Ariel Luna descobriu aos 26 anos essa emoção. Começou a transição tarde, aos 21, e agora mudou o nome nos documentos. “Eu não me via homem, mas minha família não favorecia um ambiente propício para uma conversa desse tipo. São muito religiosos e com uma concepção estereotipada do que é ser trans. A retificação foi uma questão de luta e persistência. Porque o nome constrói a identidade da gente.”

A jovem chegou a usar nome social (algo também previsto em lei), mas o sonho mesmo era passar por uma mudança definitiva. Um posicionamento. Ela é, então, o próprio agente de transformação dessa perspectiva negativa. “Como eu não me encaixo nesse estereótipo de promiscuidade que as pessoas associam ao que é ser trans, minha família está conhecendo por mim uma outra face dessa existência. Porque, pra muita gente, é como se a gente fosse uma coisa maligna. Ou como se tudo o que é ruim a gente fez ou vai fazer. Isso incomoda. Incomoda bastante.”

Os sonhos, ela espera só a pandemia acabar para torná-los reais. “Agora, com meu nome de registro modificado, eu sinto que as pessoas vão me respeitar. Mas foi muita luta. A gente se depara com muita atitude transfóbica e com muitas pessoas que não enxergam nosso direito como algo relevante. Meu caso mesmo só andou porque a Defensoria auxiliou. Quero fazer história com esse nome. Agora tem que valer a pena. Porque posso ser quem eu de fato sou.”

 

SERVIÇO*


DOCUMENTAÇÃO SOLICITADA NO NÚCLEO PARA MUDANÇA NO NOME

Certidão de nascimento atualizada; (A Defensoria Pública requisitará no Ofício)
Certidão de casamento atualizada, se for o caso;
Registro geral de identidade (RG);
Identificação civil nacional (ICN), se for o caso;
Passaporte brasileiro, se for o caso;
Cadastro de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda;
Título de eleitor;
Carteira de identidade social, se for o caso;
Comprovante de endereço;
Certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (Solicitar no Fórum Clóvis Beviláqua)
Certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (Solicitar no Fórum Clóvis Beviláqua)
Certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (http://www.jfce.jus.br/jfce/certidaointer/emissaoCertidao.aspx)
Certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos; (Será solicitada pela Defensoria Pública)
Certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos; (http://www.tse.jus.br/eleitor/certidoes)
Certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos; (http://www.tst.jus.br/certidao)
Certidão da Justiça Militar, se for o caso. (https://www.stm.jus.br/servicos-stm/certidao-negativa)
Certidão do Serviço de Proteção ao Crédito – SPC
Certidão da Centralização de Serviços dos Bancos – SERASA
Autodeclaração de Identidade de Gênero

* No Interior, busque o núcleo da Defensoria da sua cidade. Confira os contatos aqui.