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#OrgulhoLGBTQ+: Mães saem do armário para enfrentar LGBTQfobia

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pauta maes266

Como leoas na linha de frente. É desta forma que Rosângela Braga, 57, Ângela Marta, 57, e Mirtes Silva, 60, se posicionam quando se trata dos filhos. Não diferente do que a maternidade traz, há cuidado, preocupação e muito amor. E é nesse último que elas se baseiam, especialmente na militância em favor dos filhos, pelo direito de amar e de garantir que eles sejam quem realmente são. Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer ou mais. Muito mais.

Não são poucos os relatos de mães e pais que, ao terem suas expectativas frustradas com relação ao seus filhos, os rejeitam e os impõem uma censura, às vezes, tão maior que a própria sociedade. A Organização não governamental Mães pela Diversidade é um grupo de mães e pais que divergem desse cenário de exclusões. A ONG de alcance nacional se coloca como rede de apoio para jovens LGBTs. Formada por mães e pais, a associação trabalha politicamente pelo direito de ser ouvida, além da organização de eventos e mediação em que pais – e filhxs – possam conversar sobre sexualidade.  O objetivo é acolher e conscientizar outras mães e pais que ainda não dão conta de lidar com a sexualidade ou identidade de gênero de seus filhos e filhas.

No Ceará, cinquenta mães fazem parte do grupo que se reúne mensalmente para compartilhar experiências, conselhos e dificuldades. O grupo é a rede de apoio delas que, assim como dxs filhxs que ainda passam pelo processo de (re)conhecimento da identidade de gênero e orientação sexual. O receio em comum de todas é a violência. Afinal, as estatísticas são bastante cruéis no universo LGBTQ+ e o mantra “o meu filho não será estatística” não sai das falas de todas elas que se entrelaçam em uma intensa rede de afetos e cuidados. Em 2019, o Ceará já registrou pelo menos, sete casos de homicídios que vitimaram transgêneros, conforme levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Os dados apontam o Ceará como o segundo Estado brasileiro com o maior número absoluto de assassinatos de travestis e transexuais. Fica atrás apenas de São Paulo, com 11 crimes do tipo.

Para a defensora geral Mariana Lobo, que é titular do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, a recente aprovação no Supremo Tribunal Federal (STF) da criminalização da homofobia e transfobia é uma grande vitória, mas ainda terão outras grandes batalhas na luta por direitos. “A homofobia é uma violação do direito humano, de liberdade de expressão, um comportamento discriminatório. Até então, as leis em vigor no Brasil não preveem o crime de homofobia, mas em junho, a maioria dos ministros do STF passou a considerar que a homofobia equiparada às penas previstas na lei contra o racismo (Lei  7.716)”, explica. Ela aponta que o marco passa a proteger  também este grupo e evitar sua exclusão ficando proibido, por exemplo o impedimento de acesso a qualquer estabelecimento comercial, a expulsão de pessoas de locais públicos, o preconceito, a discriminação e prevê, até a regulamentação final pelo Congresso Nacional, punições que poderão ir de um a cinco anos.

Apesar de comemorarem o fim da “invisibilidade” para este tipo de crime, as Mães pela Diversidade Rosângela, Marta e Mirtes vieram até a Defensoria e conversaram sobre seus medos, além dos encontros e desencontros de uma batalha que parece só ter começado.

IMG_2870“Ele lutou por mim primeiro” – Rosângela Braga é dessas mães que sonha com uma casa cheia de netos no almoço de domingo. A empolgação da sua fala preenche o recinto quando o assunto é família, em especial, quando fala de seu filho Wesley, 28. “Ele é lindo, alto, inteligente, compreensivo, generoso e tem o dom da empatia”, se orgulha. Durante um tempo, no entanto, o relacionamento com o filho passou por dificuldades devido sua orientação sexual. “Eu era cega, eu sabia e não queria enxergar que algo poderia ser diferente no meu filho e evitei falar sobre isso por muito tempo”.

Eram diversas tentativas dele de conversar sobre isso, ela relembra. “Eu sabia quando ele queria me contar, abrir o coração, mas quando ele começava algo nesse assunto, tentava me mostrar vídeos para me conscientizar, tentava conversar, eu me fechava e não queria ouvir. Ignorava, mudava de assunto. Fui muito dura”, lamenta.

O mundo de Rosângela virou outro há 9 anos. Do preto e branco, ao colorido, exatamente como a faixa que colore seu penteado. Foi durante uma conversa com o marido que eles decidiram perguntar à Wesley sobre sua orientação sexual. “Nós apenas perguntamos. Na minha cabeça, quando meu marido falou – Wesley, você é gay?, é claro que ele ia responder o que eu queria que ele respondesse – não. E não foi assim”, conta. Os medos tomaram conta dela. “Nesse momento, eu não aceitava ter que lidar com isso. Meu mundo caiu, mas era o mundo que eu havia construído para ele em mim”, lamenta.

Foi após a comoção que Rosângela conseguiu analisar melhor a situação. “Me acalmei, fui ao quarto dele e encontrei ele de bruços aos prantos na cama. Aquilo me doeu tanto. É meu filho e eu deixei ele daquela forma! Tudo que eu sempre quis foi o melhor pra ele. Pedi perdão e disse que aceitava aprender com ele sobre o que tudo aquilo significava”. Depois desse dia, Rosângela, pacientemente, caminhou junto ao filho para entender o seu mundo. “Ele lutou por mim primeiro, não desistiu, me ensinou e ensina todos os dias”, diz.

IMG_2875“Era meu filho ali e ele estava lindo!” – Aos 57 anos, a assistente social Ângela Marta vivenciou novos aprendizados com o filho Vinicius, 18. Da sua sexualidade até sua vontade de se montar drag queen. “Desde pequeno ele foi uma criança sensível, nunca achei que aquilo fosse algo muito diferente. Ele foi crescendo, tivemos algumas dificuldades quanto ao colégio, aos coleguinhas que não respeitavam seu jeito, ele passou por algumas mudanças. Então, um dia, na adolescência, cheguei e perguntei se ele era gay e tive a confirmação”, conta.

Priorizar a felicidade do filho sempre foi um ideal de Marta. “Nunca me meti nas escolhas dele, seja o rumo profissional, de estudo. Sempre deixei claro que as escolhas dele é que irão definir sua vida. E isso não ia ser diferente quanto à orientação sexual dele, nada muda e eu respeito ele por inteiro”.

Coração de mãe é lugar-seguro, assim como a casa. É o ambiente que ela sabe que poderá proteger seu filho de tudo, e assim o fez. “A única coisa que pedi é que ele, quando fosse namorar, viesse namorar em casa. Apoiei, dei toda segurança de que está tudo bem. Não posso controlar o que acontece lá fora e isso me dá medo. Não sei que tipo de violência ele pode passar, seja física ou verbal”, lamenta.

O medo da exposição, das agressões e preconceitos não é por acaso. O Disque 100, canal oficial do governo, recebeu 1.720 denúncias de violações de direitos de pessoas LGBT em 2017, sendo 193 homicídios. No entanto, a limitação do alcance do Estado é admitida pelos próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação. Por esse motivo, os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, até maio de 2018, 153 pessoas foram mortas no Brasil vítimas de preconceito contra identidade de gênero e sexualidade.

O processo de se descobrir e aceitar pode ter várias vertentes. Não é algo certo, linear. A trajetória de Vinícius também foi mudando, ao se identificar como pansexual. “Eu não sabia o que era, realmente eu só sabia o básico. Pan é a pessoal que se relaciona por qualquer pessoa, independente da orientação sexual. Ele se apaixona pela pessoa, independente do sexo, ele flutua. E aí, eu tive de me acostumar com essa nova realidade”, conta.

Em 2018, mais uma novidade: a vontade de se montar, com todos os adereços possíveis, de drag queen. Mas para Marta, foi nesse momento que o medo bateu mais forte. “Foi chegando a época da Parada Gay e ele disse dá vontade de fazer drag. Até então, aceitar a sexualidade dele para mim era tranquilo, ele continuava no padrão de homem, usava roupas normais. Quando a gente acha que não tem mais o que aprender, nós mudamos nossa perspectiva. E ele me ensina muito, todos os dias”.

Na Parada Gay, o filho brilhou como uma estrela. O amor de mãe latente e o orgulho mais ainda. “Quando eu vi ele lá, se divertindo, eu esqueci qualquer medo. Ser gay, pan ou drag é motivo de orgulho e isso não vai prejudicar em nada na vida das outras pessoas. Eu olhava pra ele e me orgulhava, sua beleza irradiava. Era meu filho ali e ele estava lindo”, se emociona.

IMG_2888“Você passou por isso sozinho, por quê?” – Desde criança, Ariel sempre gostou mais da sessão masculina. A mãe Mirtes Silva, 60 anos, percebia que ele não era como outras crianças, não tinha o mesmo interesse nas “coisas de menina”, como dita a regra, que não passa de uma convenção social equivocada. Mas, para ela, “tudo bem”.

Da passagem da infância para a adolescência, Mirtes percebia algumas mudanças no filho, e achava que fazia parte do processo de puberdade. “Ai, um dia, ele apareceu com uma namoradinha e tudo bem, também. Eu entendi que, à época, minha filha era lésbica. Mesmo sem entender muito dessas nomenclaturas, eu lidei com isso e assumo que não foi um grande susto pra mim”.

Em meados de 2016, mais algumas mudanças. Mirtes conta que Ariel começou a se isolar, passava o dia no trabalho, estava recluso e ela desconfiou que algo estava acontecendo. “Certo dia eu estava em casa e chegou um correio. Quando li, vi que o endereço era nosso, mas era endereçado a alguém que eu não conhecia: Ariel, estava escrito. Mas eu não conhecia nenhuma pessoa com esse nome, foi então que eu comecei a encaixar as coisas”, diz.

O confronto veio a partir da mãe. “Fui encontrá-lo para saber do que se tratava e o questionei quem seria Ariel. Nesse tempo, ele já se vestia com um aspecto mais masculino, mas nunca me preocupei com isso. Quando perguntei, ele me contou tudo, e mesmo sem eu entender nada, procurei abrir meu coração para receber aquela informação. A única coisa que falei foi: “Você passou por isso sozinho, por que?”.

Hoje, Mirtes milita em favor dos direitos do filho e de tantas outras pessoas trans. “Esses dias meu filho disse que a estimativa de vida de uma pessoa trans é de 30 anos, ele tem 25, isso me doeu tanto e ainda me dói, principalmente no contexto do país hoje”, lamenta. A aposentada reforça a importância da luta e dos aprendizados diários com o filho. “Uma das coisas mais difíceis no início é aprender o uso dos artigos, mas ele me ajuda, me alerta e me explica como as coisas devem ser. Além disso, ele abriu meus olhos pra vulnerabilidade de pessoas LGBTQ+, principalmente no que diz respeito ao apoio da família. Hoje, por causa da forma como ele me ajuda a observar o mundo, abrigas e ajudamos pessoas trans em nossa casa. Ele é uma pessoa que me empodera todos os dias”, se alegra.

Frases de orgulho

“Me orgulho da oportunidade que eu tive de ter um filho gay e eu ter, hoje, me transformado. Antes eu era uma pessoa homofóbica, preconceituosa e hoje sou uma pessoa melhor, que compreende que não é uma escolha. Meu orgulho é de lutar que todos tenham direitos iguais”,
Rosângela Braga

“Me orgulho, em primeiro lugar, do filho que eu tenho. Da oportunidade que Deus me deu de gerar um filho pan, um filho lindo, maravilhoso, cheio de virtudes. Tenho orgulho de mim, também, por ter aceitado ele da forma como ele é, do apoio que eu dou a ele e pela oportunidade de estar no coletivo lutando não só pelo meu filho, mas por todos os filhos”,
Ângela Marta

“Cada dia eu me orgulho mais de ter um filho trans e todos os dias eu agradeço a Deus por essa oportunidade, de ter tido um filho que as pessoas acham diferentes mas eles são como todos nós. E eu gostaria que todas as mães percebessem que seus filhos gays, trans ou qualquer outra orientação, são seus filhos e merecem todo amor e respeito”,
Mirtes Silva

10 Dicas de Segurança LGBTQ+

1. Evite andar sozinhx à noite. Procure estar em grupos de amigxs e pessoas que você conheça.

2. Sempre que possível, marque o encontro em local público.

3. Evitar abusar de álcool e drogas se estiver sozinhx.

4. Avise para alguém de confiança caso vá marcar um fervo com alguém. Passe o local e horário para que a pessoa monitore sua segurança.

5. Use apps que marcam sua localização em tempo real quando estiver fora de casa ou em lugares que sejam estranhos ao seu trajeto usual. Eles necessitam de internet móvel e que seja habilitado o acesso à sua localização.

6. Fique atentx em espaços públicos, ônibus, toaletes, etc, para o caso de situações de violência.

7. Evite entrar em embates ou reagir a provocações, xingamentos e insultos. Não deixe de pedir ajuda caso se sinta insegurx.

8. Caso presencie alguma situação de violência, tente prestar apoio, desde que sua segurança não seja ameaçada.

9. Se possível filme ou peça para alguém filmar a situação, facilitando a identificação dos agressores.

10. Caso vá pegar táxi ou transporte por aplicativo na saída de baladas e fervos, divida com alguém sempre que for possível. Tentem pegar carona umxs com as outrxs, mesmo que seja a pé, e fiquem juntxs.

Caso passe por alguma situação de violência, assalto, discussão ou briga, procure uma delegacia e faça o registro. Sempre! Se necessário, vá à delegacia com alguém de confiança.

(reproduzidas da Rede Nacional de Operadores de Segurança LBTI)