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Parentalidade socioafetiva considera vínculos de afeto e amplia conceito de família

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O conceito tradicional de família com um núcleo formado por pai, mãe e filhos há tempos já não retrata a realidade da sociedade brasileira. O último Censo realizado pelo IBGE, em 2010, já sinalizava essas mudanças ao detectar que em 50,1% dos lares habitam novos arranjos familiares: casais sem filhos, pessoas morando sozinhas, casais homossexuais, mãe ou pai que vive sozinho com os filhos, amigos que dividem apartamento, avós que cuidam dos netos, familiares que abrigam filhos de criação, entre outras possibilidades. Essas transformações tem desafiado aqueles que trabalham com o Direito, na hora de decidir sobre pensão alimentícia, direitos sucessórios, guarda, entre outros temas relevantes para a Família, abrindo-se então o caminho para a construção de novos conceitos como o da parentalidade socioafetiva, por exemplo, quando se considera o vínculo de afeto na hora de aferir a relação familiar.

Sempre existiram situações que não eram legitimadas pelo Direito, mas que aconteciam de fato. A questão do filho de criação, por exemplo, se encaixa perfeitamente na parentalidade socioafetiva, quando a pessoa é tida como um filho por toda a sociedade, participa do núcleo familiar, mas não tem os seus direitos sucessórios e de pensão alimentícia garantidos, ou seja, antes desse entendimento ela ficava à mercê da bondade e da caridade das pessoas, caso acontecesse alguma eventualidade. Outra situação de parentalidade socioafetiva, que sempre existiu e que pra ser legitimada muitos utilizavam a expressão ‘adoção à brasileira’, se remete ao filho que não era seu, mas você ia lá no cartório e registrava como se fosse”, explica a defensora pública Michele Camelo, que é titular da 13ª Defensoria de Família, em Fortaleza, e ministra disciplina em curso de Pós-graduação sobre o tema.

Segundo ela, desde o fim da década de 1970, esta modalidade de parentesco e de filiação tem sido aceita pela jurisprudência, tanto no Superior Tribunal de Justiça como nos tribunais estaduais. “A gente tem uma tendência no Brasil a primeiro mudar o entendimento dos tribunais para só depois mudar a legislação”, acrescenta a defensora. Ela destaca que por meio do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, filhos não biológicos passam a ter os mesmos direitos e deveres dos biológicos, inclusive em relação a alimentos e a questões previdenciária e sucessória.

Para que a parentalidade socioafetiva exista é preciso que haja uma publicidade, que a sociedade conheça aquela relação como de pai e filho ou de mãe e filho, que ela identifique se havia carinho, cuidado, se houve a convivência, já que a afetividade que justifica esta relação tão forte vem da convivência. É preciso que seja uma via de mão dupla, tem que haver reciprocidade: que o filho entenda que aquela pessoa é seu pai ou mãe e que o pai ou a mãe também entenda que aquela pessoa é seu filho”, esclarece Camelo.

Tem sido assim na família da profissional liberal B.C.F., cujo o pai do filho mais velho já faleceu e, há 10 anos, eles moram com o segundo marido dela, que é padrasto do jovem.

Com o apoio da Defensoria Pública, B.C.F. pretende estabelecer garantias ao menor, para que ele tenha os mesmos direitos dos irmãos. Minha tentativa é que os irmãos sejam tratados como já são no afeto, em pé de igualdade também nos direitos”, assegurou. Ela dará entrada na ação de reconhecimento da parentalidade socioafetiva e, com isso, espera resolver contratempos cotidianos e consolidar direitos.

“Quantos pais e mães possuem o vínculo afetivo de verdade mas não está formalizado – seja uma vó que cria os netos ou uma madrasta que há muito assumiu o papel da mãe – acontecem dificuldades cotidianas. Por exemplo, levar ao cinema, viajar, pode ser um transtorno. As pessoas envolvidas nesta situação tem até receio de um acidente, por exemplo, e de seu filho ficar completamente desassistido. Por isso, a consolidação desta figura no registro é tão importante e isso, de forma alguma, desconsidera a presença dos pais biológicos e sim só garante mais direitos à criança”, atesta. 

Embora a jurisprudência exista, o tema ainda gera polêmica e controvérsias nos Tribunais, porque como não está positivado na Lei acaba dependendo do entendimento de cada juiz e muitas vezes a filiação biológica ainda se sobrepõe ao vínculo de afeto.

Uma situação muito triste e comum de parentalidade socioafetiva é quando a mãe tem um filho de um relacionamento extraconjugal e o marido registra a criança por achar que é seu filho biológico. Daí, depois de algum tempo, ele percebe que o filho não é seu, faz o exame de DNA e, mesmo com a convivência de 12 anos, entra com ação negatória de paternidade. Em um caso como esse, somente se o pai quiser é que ele poderá ser considerado pai socioafetivo. Apesar de toda a relação de afeto construída, a justiça entende que ela teve como base uma informação omitida e o biológico se sobrepõe.”

Michele Camelo explica ainda que com o reconhecimento legal da parentalidade socioafetiva, a pessoa pode solicitar a inclusão no registro de nascimento do nome de dois pais ou duas mães, por exemplo, o que também é chamado de multiparentalidade. “Já há uma regulamentação do Conselho Nacional de Justiça para que os cartórios não mencionem mais pai ou mãe na certidão de nascimento, mas tratem da filiação, desta forma podem constar três mães, dois pais, da forma que se compõe a família, desde que seja real, por isso o processo inicial é avaliar se existe uma realidade que justifique o reconhecimento da parentalidade” afirma.

Como reconhecer uma filiação com base no vínculo afetivo?

O Estado precisa declarar que a relação existe, para isso é necessário entrar na Justiça com uma ação declaratória de parentalidade socioafetiva. Para comprovar os fatos narrados, será preciso anexar aos autos do processo provas como: testemunhos, fotos , agenda de colégio, entre outras formas de demonstrar o cuidado e afeto gerado pela convivência, além da relação pública.

A Defensoria Pública do Estado do Ceará atende esse tipo de caso. Em Fortaleza, para dar entrada basta procurar o Núcleo Central de Atendimento. Horário: 8h às 17h – com distribuição de senhas das 7h às 14h. Endereço: na Rua Nelson Studart s/n, bairro Luciano Cavalcante.