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Por falta de condições de pagar fiança, réu permanece preso mais tempo do que deveria

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Homem é indevidamente preso por erro no sistema de mandados de prisão

“Foi um tormento o que vivemos durante quase dois anos. Eu não tinha condições de visitar meu filho no presídio e a mãe dele só podia ir quando também conseguia dinheiro, porque ela mora muito longe e gastava com transporte. Foi uma angústia muito grande saber que ele estava preso, de forma errada, e sofrendo lá dentro”. O relato é de José Messias da Silva, de 49 anos, pai de um do jovem Mike Helder de Lima Rodrigues, preso em setembro de 2015 por suposta infração ao artigo 147 do Código Penal, um delito de ameaça em situação de violência doméstica, sujeito à Lei Maria da Penha.

Mesmo frente a todas as dificuldades, a família contratou um advogado particular para acompanhar o processo que teve o pedido de revogação de prisão acatado pelo juiz, em setembro de 2016, condicionado ao pagamento de fiança fixada em dois salários mínimos e ao cumprimento de outras medidas cautelares. No entanto, Mike ficou preso 3,5 vezes a mais que a pena máxima prevista no Código Penal brasileiro para o crime de ameaça. “Sem condições de pagar fiança, ele continuou preso. Assim Mike Helder e seu processo permaneceram no esquecimento”, relata Gina Moura, defensora pública do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência (Nuapp).

Foi assim que a pena prevista para, no máximo seis meses de reclusão ou ao pagamento de multa, se estendeu por um ano e nove meses em regime fechado na Unidade Prisional Irmã Imelda, em Aquiraz, sem que tenha sido iniciada a instrução criminal. “Periodicamente realizamos atendimentos com toda a equipe do Nuapp dentro dos presídios e, em outubro do ano passado, eu atendi o Mike nessa situação. Inicialmente, por dispor de advogado particular constituído e pedido de liberdade proposto que aguardava ser analisado, a Defensoria Pública não interviu no processo. No entanto, passados oito meses, em um novo mutirão, Mike foi novamente atendido e estava na mesma situação, mesmo após constatarmos o arbitramento de fiança. Frente à situação de tamanha ilegalidade, foi necessária a intervenção da Defensoria Pública considerando o seu papel de fiscalizador do correto cumprimento da pena e  para contornar a situação de vulnerabilidade de Mike Helder que, preso, estava relegado ao abandono”, destacou Gina.

A Defensoria Pública do Ceará entrou no processo como custos vulnerabilis, uma vez que é função institucional do órgão exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos de grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. O pedido foi apresentado pelos defensores públicos Gina Kerly Pontes Moura e Jorge Bheron Rocha.

O Tribunal de Justiça do Ceará já havia admitido a intervenção custos vulnerabilis da Defensoria Pública em processo com advogado regularmente constituído, reconhecendo a missão de órgão interveniente na execução penal para a defesa em todos os graus e instâncias das pessoas encarceradas, que se configuram vulneráveis e com dificuldade de mobilizar recursos para a sua defesa. “Nós somos constitucionalmente habilitados e temos a responsabilidade de defender as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade e este reconhecimento mostra que nossa atuação transcende a litigância individual, tratando também do coletivo”, informa a defensora.

Para a família de Mike é um recomeço. “Estamos reaprendendo o que é liberdade. Nunca pensei que passaria por essa situação. Vamos ainda ver com a defensora como podemos exigir que o Estado seja punido pelo o que meu filho passou lá dentro. Mas hoje o que vale a pena nesse momento é algo muito mais simples. É chegar em casa e ver meus filhos, jantando, todos juntos. Isso é o sonho realizado todos os dias”, desabafa o pai.