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Povos de terreiro pedem respeito e direitos garantidos em audiência pública

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As roupas características mostram toda a simbologia: são traços, cores e palavras presentes na tradição. Um reflexo da resistência religiosa e cultural de quem busca profetizar a fé como um direito humano. A luta dos povos de terreiro vem se consolidando a cada encontro e espaço de fala ocupado e visa ao livre exercício da religião no Estado. Cerca de 70 representantes do candomblé, umbanda e outras crenças compareceram à audiência pública sobre povos de terreiro na última quinta-feira (2), na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (ALCE). O momento foi articulado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado do Ceará (Ndhac) com a Comissão de Direitos Humanos da ALCE.

Mãe Tecla de Oxóssi descreve com orgulho os significados presentes em cada objeto trazido no corpo. “Temos o pano de cabeça, as vestes, temos também a guia envolta no pescoço, com cada cor trazendo a simbologia dos Orixás e nosso percurso dentro da religião”, explica. Mãe Tecla é vice-presidente da União Espírita Cearense de Umbanda, a mais antiga do Ceará, criada em 1967. “Nasci e me criei em terreiro, nossa luta por lá é antiga”.

Para o Pai André Guerra, o momento é de buscar acesso a políticas públicas para os povos de terreiro. “É trazer para nós a segurança, mais oportunidades no mercado de trabalho e respeito em geral. A falta de acesso a esses direitos têm trazido problemas de ordem psicológica para nossos membros, atrapalhando o caminhar ancestral da nossa espiritualidade”, explicou. Para ele, a reafirmação da umbanda se fortalece com a defesa dos ritos típicos da religião. “As pessoas ainda têm preconceito com os rituais. Não é violência, trata-se da sacralização dos animais que oferecemos aos nossos ancestrais para que eles possam nos trazer recompensas. Então, buscamos esse esclarecimento para gerar respeito”.

“Nossa luta é antiga. Sempre sofremos uma violência invisível contra nossas roupas, nossa livre expressão. Nós existimos, estamos aqui e queremos ser cidadãos com garantias”, disse o Babalorixá Cleudo de Oxum. Reunido com vários outros líderes dos povos de terreiro, pedia, com fala serena: “A nossa exigência é que possamos ser quem a gente é”, destacou.

WhatsApp Image 2018-08-03 at 15.18.39Encaminhamentos e articulação entre as instituições – Participaram também da audiência pública representações da própria Assembleia Legislativa, Ministério Público do Estado, Secretaria da Educação do Estado (Seduc), Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor), Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial e Coordenadoria de Direitos Humanos do Estado. “Essa audiência na Casa Legislativa foi um dos encaminhamentos de outra reunião já realizada com os povos de terreiro. Na ocasião, levantamos várias pautas trazidas pelos integrantes, e a ideia é inserirmos a classe política nesse grande debate, juntamente com outras instituições pertinentes. Nosso núcleo na Defensoria está à disposição para garantir o direito humano à liberdade religiosa”, explicou a defensora pública Sandra Sá, supervisora do Ndhac.

Esse é o quinta grande encontro da Defensoria Pública com representantes dos povos de terreiro. Em maio, a defensora pública geral, Mariana Lobo, recebeu entidades que lutam pela igualdade racial e liberdade de crença para conhecer as demandas do movimento. No mês seguinte, em junho, a Ouvidoria Externa da Defensoria também dialogou com movimentos sociais e de mulheres do Cariri sobre o tema. Em julho, a região do sul do Estado recebeu uma audiência pública para tratar de casos de violência religiosa. Em outubro do ano passado, a defensora pública Sandra Sá recebeu integrantes dos povos de terreiro em reunião, que resultou na articulação da audiência pública.

IMG_1577Após amplo debate, ficaram acertados encaminhamentos para avançar no direito à liberdade religiosa. Para a ouvidora externa da Defensoria Pública, Merilane Coelho, no caso dos povos de terreiro, é “uma demanda considerada urgente” devido aos relatos de violência frequentes em todo o Estado. “Não se trata de tolerar, mas sim de respeitar. Precisamos avançar em ações efetivas das instituições, e não ficarmos só no discurso. Estamos falando de injustiça, e quando se fala de injustiça com povos de terreiro, fala-se também de racismo”, pontuou.

Opinião compartilhada por Zelma Madeira, coordenadora para Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado. “É um racismo religioso, porque o racismo é uma herança da colonialidade que ainda se vê hoje. São credos de matriz africana e indígena, povos que passaram por um processo histórico de exclusão social. Suas práticas também foram desvalorizadas ao longo do tempo. Cabe a nós estarmos sensíveis a essas demandas e garantirmos as políticas públicas”.

Vários casos de discriminação e violação à liberdade religiosa foram relatados, junto a um pedido de garantia de que todos pudessem ter sua fé respeitada. Com um saravá fraterno, Pai Neto Tranca Rua deixou mensagem de paz aos presentes, pedindo respeito a todas as diferenças. “Nós todos somos a favor do respeito e da valorização da pessoa humana. Como o Estado Brasileiro pode garantir isso? Ainda somos muito perseguidos, é uma questão urgente de educação e também de política pública. Já passou da hora desse processo iniciar”.

Encaminhamentos da Audiência Pública dos Povos de Terreiro

– Criação de um Estatuto de Defesa dos Povos de Terreiro;
– Censo populacional dos povos de terreiro no Ceará;
– Regularização fundiária dos terreiros do Estado;
– Imunidade tributária, prevista em lei, estendida aos terreiros;
– Capacitação dos agentes de segurança, em face de abordagens violentas registradas;
– Inclusão do quesito “intolerância religiosa” entre as ocorrências registradas nas delegacias de Polícia Civil;
– Aprofundar diálogo com secretarias de Saúde e Educação, para tratar de casos de intolerância nas escolas e unidades de saúde;
– Implementação do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas, previsto na Lei 11.645.