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Quando o dia a dia se mistura com barulho, cimento e poeira de obra

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Entulho, rachaduras, poeira de construção e barulho de obra descrevem a rotina relatada pelas comunidades impactadas pelas obras do Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT. Após várias reuniões em que relatam estas e outras violações de direitos, o Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham) da Defensoria Pública do Estado do Ceará visitou nesta terça-feira, 29, mais cinco comunidades João XXIII, Pio XII, Lagamar, Aldaci Barbosa e Caminho das Flores que ficam no trajeto da obra. No total, estima-se cerca de 1500 famílias que já sofreram consequências das obras que se iniciaram em 2012 e tinham previsão para finalizar em 2014, mas que ainda seguem sem conclusão.

A “caravana do VLT” contou com a presença do defensor público e supervisor do Nuham, Lino Fonteles, do advogado representante do escritório de Direitos Humanos Frei Tito, Miguel Rodrigues, da representante do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará, Janaina de Brito. Juntou-se ao grupo, ainda, a moradora da comunidade do Aldaci Barbosa, Socorro Sales.

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João XXIII – Maria de Oliveira Fabrício, 77 anos, equilibra-se entre os restos de material de construção na comunidade do João XXIII, no bairro São João do Tauape. A senhora vive no local desde os 17 anos e, agora com mudanças por causa do VLT, os acessos estão estreitos e o trajeto é dificultoso. “Quando cheguei aqui era só mato. Comprei esse pedacinho onde moro e nele construí dois compartimentos. Aí com todas essas mudanças eu fico assim, tem horas que fico toda me tremendo quando eu olho esses buracos que têm aqui. Só tem aquela beiradinha da calçada que é bem estreitinha e eu consigo passar”.

A localidade não passará mais por modificações devido as obras, no entanto, é seu entorno que preocupa os moradores. A comerciante Daiane Ferreira, 32, explica que a reforma prevê um beco que dá acesso às casas. “Meu comércio já ficou quase totalmente impossibilitado por causa dessas obras. Não há acesso.O que parece é que eles querem isolar a gente, para chegar em casa, eles vão colocar um beco apertado. Além de me prejudicar financeiramente, como é que a gente vai vir da outra rua pra cá? Eu quero que resolva, que fique uma rua mesmo, eu não quero tipo um beco, quero uma rua mesmo porque o beco desvaloriza. Parece que tudo que é de ruim tão jogando pra cá, entendeu? Aí não tá certo”, desabafa.

“Encontramos muito entulho, obras sendo feitas ainda, muita poeira que vai direito para as casas, pessoas reclamando de indenizações e muita falta de informação em relação ao que ficará após a obra”, diz Lino Fonteles. A Secretaria da Infraestrutura foi chamada para acompanhar a visita, mas não mandou representante nos dois dias em que a Defensoria e os escritórios de direitos humanos da Assembleia estiveram nas comunidades.

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Pio XII – No bairro Pio XII, que se localiza próximo a Avenida Pontes Vieira, várias casas ainda estão sendo demolidas e ainda há bastante entulho para ser retirado. Maria da Penha Souza, 45, recebeu a indenização e hoje está morando em um apartamento de um cômodo, pagando aluguel, mas sonha em reconstruir a casa que morava. “Essa é a minha casa. Amanhã eles vem derrubar e eu vou construir no que ficou. O dinheiro não deu pra comprar casa em outro canto, em outro bairro, nem aqui mesmo. Antes eu acolhia quatro famílias, não são quatro pessoas. São quatro famílias. Eu, meus filhos, minhas noras, meus netos. Quase 40 anos que eu moro aqui. Então, não tem dinheiro que compre”, lamenta.

Lino Fonteles diz que nessa comunidade a situação se repete como nas demais visitaras pelo trajeto da obra. “Muito entulho, as pessoas desinformadas quanto ao que ficará estabelecido, onde será colocado o muro, a via pública, passarelas e passagem de nível”.

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Lagamar – A comunidade do Lagamar, no bairro São João do Tauape, também passa por mudanças devido as obras.

Adriana Gerônimo é representante da comunidade. “As obras já estão bem avançadas e o projeto já está bem consolidado. As problemáticas que estamos sofrendo agora é, por exemplo, de passagem. A mobilidade da própria comunidade está sendo afetada, pois não se consegue mais andar nas ruas que davam acesso”, afirma. Segundo a moradora, a obra é mais um projeto que não teve a participação da comunidade no seu planejamento. Os moradores da região estão com dificuldades de acessar os serviços públicos que ficam no bairro vizinho, o São João do Tauape, que tem escolas e posto de saúde. Demandas como o problema de lixo e os valores das indenizações também foram questões pontuadas. “Desde 2010 que não temos nenhum container de lixo no trilho”, reitera.

Das comunidades visitadas, o defensor destaca que a comunidade do Lagamar é a que mais, aparentemente, está caminhando. “Diferente das outras visitadas, essa comunidade já tem estabelecido onde estarão as passarelas, as passagens de níveis, onde ficará a via pública, mas, mesmo assim, continua muito entulho para ser removido e muito lixo, também. Ela precisa também de uma solução do poder público”.

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Aldaci Barbosa – Localizada no Bairro de Fátima, em frente a Avenida Borges de Melo, a comunidade Aldaci Barbosa, depois de muita resistência dos moradores, conseguiu transferir a estação para o outro lado da avenida, diminuindo assim o impacto direto às famílias. De 250 famílias a serem desocupadas, foram apenas 20.

As construções, todavia, prejudicaram as estruturas das casas da proximidade, gerando rachaduras e problemas de infraestrutura. Uma delas foi a da dona de casa Maria das Dores Correia, 70. A moradora chegou na comunidade com 20 anos e construiu a sua casa de quatro cômodos. “Eu fico com medo de acontecer algo mais grave com essas rachaduras. Quando a minha vizinha lava roupa, a parede toda fica molhada e mofando”, diz.

Será construído um conjunto habitacional no local, entretanto, a existência de várias casas com rachaduras traz preocupação. “Ainda não há passarela e tem entulho sem ser retirado há meses, prejudicando a saúde das famílias”, relata o defensor.

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Caminho das Flores – Quem mora na Comunidade das Flores tem a vista tomada pelo viaduto do VLT. Localizada no bairro Parangaba, 45 famílias deixaram suas casas, mas reergueram os imóveis remanescentes na rua de trás. Eles agora reclamam que a rua ficará mais estreita do que o previsto, passando de cinco para três metros. “No projeto inicial, haveria uma rua que passaria paralelo às casas. No entanto, não foi construída rua nenhuma e ainda colocaram postes de iluminação, inviabilizando mais ainda a passagem dos carros, meu carro, por exemplo, já acabou a suspensão e ele era novo”, lamenta o professor de história, Thiago de Souza.

Segundo o professor, as condições de acesso para os moradores estão difíceis durante as obras. “Até um mês atrás, a gente tinha que descer um barranco para chegar às casas. Tem idoso aqui. Não tem pavimentação na rua, muita areia”, reclama. “Esta localidade está em total abandono. Há postes fixados no local onde é via pública, muitos buracos e esgoto a céu aberto”, diz Lino Fonteles.

Encaminhamentos – “A partir dessas verificações, constatamos ainda muito lixo, materiais de construção acumulados e violação de direitos de várias ordens. Nós faremos um relatório de tudo que foi verificado e a partir dele, realizaremos uma audiência pública que reunirá autoridades e comunidade com intuito de que sejam tomadas as providências cabíveis administrativamente”, explica Lino Fonteles. Caso não sejam solucionadas, ações podem ser judicializadas em favor das comunidades.