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Tenho um familiar preso. E agora?

Tenho um familiar preso. E agora?

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O homem estava preso tempo suficiente para deixar a prisão e seguir a vida junto da família. A esposa, uma dona de casa como tantas outras moradoras de periferia à espera do marido, sabia disso. Os dias foram contados ansiosamente, um a um, para rever o companheiro. O que ela não imaginava era deparar-se com o pedido de progressão de regime do marido já feito pelo Núcleo Especializado em Execução Penal (Nudep) da Defensoria Pública do Estado (DPGE) quando buscou ajuda justamente para tratar disso.

“Liguei pra saber se precisava fazer alguma coisa, se era pra levar algum papel… Mas recebi a notícia de que toda a documentação tava ok e faltava só o juiz assinar pra ele sair. Era pra ficar aqui fora ainda com a tornozeleira e sabendo que a pena dele ainda não tinha acabado e ele precisava andar na linha. A diferença é que a gente ia poder recomeçar junto”, comemora a mulher.

Até a soltura do marido, foram meses de contato com as equipes do Nudep. Quase mensalmente. Frequência essa intensificada por conta de uma pandemia que aumentou a expectativa pelo reencontro. Como medida profilática ao novo coronavírus, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) proibiu visitas aos presos.

“Quando a gente vê que é necessário, entra em contato com a família e informa que precisa de alguma documentação a mais. Mas o contato maior é da família com a gente. Em geral, as famílias já nos procuram por conta própria. Elas são sempre muito articuladas; muito proativas”, detalha o supervisor do Nudep, defensor Leandro Bessa.

Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), do Governo do Estado, o Ceará tem hoje cerca de 22,5 mil pessoas em 30 unidades prisionais, a maioria na Região Metropolitana, Sobral e Cariri. Desse total, 95,5% são homens e 4,5% são mulheres. A Defensoria faz defesa da maioria destas pessoas, estima-se que 80% da demanda nas unidades prisionais seja assistida da Defensoria.

Quando uma pessoa é presa, por determinação do Conselho Nacional de Justiça, ela deve ser apresentada ao juízo para confirmar sua prisão. É a chamada audiência de custódia. Em Fortaleza, o Núcleo de Assistência ao Preso Provisório (Nuapp) acompanha estas audiências. “Entre a prisão em flagrante e a audiência de custódia [que deve acontecer em, no máximo, 24 horas para haver apresentação do detento ao juiz], a família pode juntar documentos importantes para a avaliação do juiz com relação à possibilidade ou não de soltura da pessoa”, informa o supervisor do Nuapp, defensor Nikolai Araújo.

 

 

Confira o vídeo sobre o tema

 

Ele refere-se a uma documentação básica: documento de identificação com foto, comprovante de residência e declaração de estudo ou trabalho (se houver). Tudo isso pode ser encaminhado à Defensoria, mesmo no atual cenário de atendimento remoto decorrente do isolamento social imposto pelas autoridades sanitárias e de saúde, por meios remotos como e-mail ou whatsapp.

O principal documento analisado na audiência de custódia, porém, é a certidão de antecedentes criminais, algo que o próprio Judiciário emite e anexa aos autos. Se o detento for diagnosticado com alguma doença grave ou dependência química, é fundamental que a família apresente o quanto antes atestados e laudos médicos ou exames recentes comprovadores dessa condição. Se a pessoa presa for uma mulher com filhos, também é importante que sejam apresentadas as certidões de nascimento das crianças.

“O caminho até a liberdade pode ser duro. Então, quanto mais documentação a família tiver, melhor. É fundamental que a gente demonstre ao juiz que a prisão naquele momento é desnecessária. E fazemos isso através de comprovante de vínculo empregatício, de que a pessoa tem residência fixa etc. Mais documentos podem ser solicitados dependendo da peculiaridade do caso. Mas tudo o que a gente solicita é fundamental para fazer o pedido com mais elementos de convencimento”, acrescenta o defensor Delano Benevides, integrante do Nuapp e titular da Vara de Custódia de Fortaleza.

Os autos de prisão em flagrante são avaliados pelos defensores públicos, inclusive aos fins de semana, nos chamados plantões criminais. Independente de a pessoa ser ou não liberada na audiência de custódia, o processo continua existindo e é distribuído para varas especializadas conforme o crime. Por isso, as Defensorias Criminais podem vir a atuar nos casos.

“O auto de prisão em flagrante vai pra alguma das varas, que analisam o mérito da prisão. Ou seja: se a pessoa teve culpa ou não do que está sendo acusada. Aí, nós podemos pedir a revogação da prisão (incide na prisão legal que deixa de ser necessária) ou relaxamento da prisão (incide na prisão ilegal). Muitas vezes, a gente só consegue a liberdade da pessoa quando tem documentos que ajudem no convencimento do juiz. A colaboração da família é fundamental”, reforça o supervisor das Defensorias Criminais de Fortaleza, defensor Manfredo Rommel.

Saindo a sentença definitiva e verificando-se que ainda há pena a ser cumprida, o caso vai para a Vara de Execução Penal. Dessa forma, a família do assistido passa a ter contato com a Defensoria que atua na Execução Penal. Em Fortaleza, esta demanda é suprida pelo Nudep, que tem grande fluxo de atendimento. Entre as principais demandas do Núcleo estão as consultas processuais (solicitadas pelas famílias), pedidos de progressão de regime e o livramento condicional.

A colaboração da família é ainda mais necessária diante do tamanho do sistema prisional cearense, que nos últimos anos tem ganho contornos cada vez maiores, e do contexto atual de atendimentos feitos exclusivamente por meios eletrônicos (ligação, e-mail e mensagens de Whatsapp). Ao total, o Nudep realizou 5.179 atendimentos remotos. “Durante o regime de teletrabalho, recebemos diversas demandas diariamente. A população está procurando o Nudep, principalmente, em decorrência de preocupações em relação aos familiares que se encontram no sistema prisional e acabam por ficarem expostos ao coronavírus”, explica Bessa.

Sistema prisional – Como as famílias estão sem adentrar o sistema prisional com a suspensão das visitas, há mais ansiedade em relação à notícias e a situação processual dos parentes.

O assessor de desenvolvimento institucional Victor Montenegro compõe o grupo que monitora o sistema prisional cearense e diz que a Defensoria está preparando as inspeções das unidades, mas que tem atuado de forma remota tanto nos processos judiciais como no monitoramento das unidades por meio do Comitê do Sistema Penal contra a Covid-19, no qual são apresentados as ações e procedimentos para evitar a propagação do coronavírus nos espaços de confinamento.

O defensor público Victor Montenegro, que integra o Comitê, aponta que, desde o início da pandemia, a Defensoria vem peticionando, junto ao poder judiciário, coletiva e individualmente, todos os casos dos presos dentro do grupo de risco de contaminação e que isso ajudou significativamente a diminuir a superpopulação carcerária do Estado. “É obrigação do Estado garantir a proteção à vida e à saúde dentro das unidades do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará e este trabalho depende de um soma de ações entre as instituições. Por meio do Comitê do Sistema Penal contra a Covid-19, acompanhamos, juntamente com outros órgãos, a execução das medidas preventivas e debatemos sobre as providências a serem tomadas pelos órgãos colegiados, e as ações da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará (SAP)”, pontua.