Conheça o Comitê de Promoção e Defesa da Igualdade Étnico-Racial da DPCE

Conheça o Comitê de Promoção e Defesa da Igualdade Étnico-Racial da DPCE

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Foi nessa sexta-feira, 13 de dezembro, dia de Oxalá para as religiões de matrizes afrobrasileiras, que a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) realizou a primeira formação do Comitê de Promoção e Defesa da Igualdade Étnico-Racial, um marco na luta antirracista da instituição. O subdefensor público geral do Ceará, Leandro Bessa, presidiu a solenidade e relembrou a  trajetória construída pela instituição até a instalação do Comitê. São 15 membros, publicados em Diário Oficial que terão a missão de repensar as ações de letramento racial para dentro da instituição. O evento, que consolidou a Defensoria Pública como um agente ativo no combate ao racismo estrutural, reafirmando seu compromisso com uma sociedade mais justa e inclusiva, foi realizado no auditório da sede administrativa da DPCE, em Fortaleza. 

“A Defensoria Pública tem, ao longo do tempo, construído uma trajetória que se aproxima dessa luta antirracista. Mais do que um discurso, mais do que ideologicamente colocada como uma Defensoria Pública antirracista, nós pretendemos apresentar práticas dessa postura. A Defensoria Pública do Ceará é uma das pioneiras na promoção da igualdade racial e em políticas afirmativas que vão além do discurso e geram impacto real na sociedade. Nossa instituição é uma das pioneiras em ter uma Ouvidoria Externa e todas as ouvidoras e o ouvidor que nós tivemos foram pessoas negras que vieram dos movimentos sociais. Todas elas e ele representativos dessa luta antirracista”, explicou.

Leandro Bessa destacou ainda a política de cotas da instituição, que traz essa representatividade negra e indígena. “A primeira turma que ingressou na instituição em 2023 só foi possível a partir de uma luta que se iniciou em 2011, encampada pela então ouvidora, Antônia Araújo e  abraçada pela Defensoria Pública Geral, que encampou essa bandeira, trazendo essa discussão e reforçando a necessidade. Assim, temos a primeira turma de cotistas negros e indígenas, trazendo toda a sua força, toda essa potencia que melhora nossos serviços e direciona ainda mais para uma política antirracista”, pontuou.

O Comitê foi anunciado pela defensora geral Sâmia Farias em 20 de novembro último, em alusão ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, data na qual também foi publicada no Diário Oficial da DPCE a Instrução Normativa nº 187/2024, que formaliza a existência o grupo. Caberá aos membros do comitê a elaboração de políticas de educação para capacitar defensores e colaboradores da DPCE, bem como a produção de dados científicos sobre a temática. 

Integram o Comitê: Leandro Bessa, Lara Teles Fernandes Falcão, Lia Cordeiro Felismino, Camila Vieira Nunes Moura,  Joyce Ramos De Brito, Jaerbeth Correia, Bruno De Castro Brito, Daniela Melgaço Veloso, Eduarda Paz E Sousa, Francisco De Assis Carvalho Júnior, Mayara Dos Santos Rodrigues Mendes, Mike Douglas Muniz Chagas, Raul De Sousa Neves, Rayssa Cristina Santiago Dos Santos, Taiane Ferreira Peixoto, Jorge Bheron Rocha e Álice Vivianny Vieira Pereira Lima. 

A ouvidora geral externa da instituição Joyce Ramos celebrou a criação do Comitê. “Toda a nossa história foi invisibilizada. Hoje, o que a Defensoria do Estado do Ceará está fazendo é mais do que uma reparação, é um compromisso. E isso não vai se resumir apenas num peticionamento, mas vai significar sobretudo uma retaguarda para nós que, no dia a dia, temos a difícil missão de existir e resistir. O Comitê é mais um instrumento de fortalecimento da luta antirracista e, especialmente, para contribuir com a formação e o letramento racial de todos os membros da instituição”, destacou Joyce. . 

A  secretária de Igualdade Racial, Zelma Madeira, estava na solenidade representando o governador Elmano de Freitas. “Esse Comitê é de grande valia, até porque nós temos uma função grande de monitorar a política de cotas e ela não pode ser entendida só como porta de entrada, mas é preciso que tenha ações que garantam a permanência”, ponderou. Para ela, o Comitê será “um espaço em que vai lidar sobre a importância de ter a equidade racial, de fazer com que existam mil possibilidades das políticas de ações afirmativas, fazendo uma desmontagem desse sistema que é tão perverso para com os grupos racializados de forma subalterna, como é a população negra, os povos originários, povos e comunidades tradicionais que reivindicam a identidade étnica, como os quilombolas, povos de terreiro e ciganos”, destacou. 

Estiveram presentes ainda à mesa: Juliana Alves, secretária dos Povos Indígenas e cacika do povo Jenipapo-Kanindé; André Costa, desembargador e presidente da Comissão de Igualdade Racial do Tribunal de Justiça do Ceará; Manuela Cândido, diretora de Planejamento e Gestão Interna da Perícia Forense; Amélia Rocha, diretora da Escola Superior da DPCE; Joyce Ramos, ouvidora-geral externa da DPCE; Kim Lopes, coordenador do Movimento Negro Unificado no Ceará; Franciane Santos, da Rede de Mulheres Negras do Ceará; Régis Alves, secretário de Combate ao Racismo da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal; e Antônia Araújo, ex-ouvidora externa da DPCE.

“Por uma Defensoria Pública antirracista”

Após a formação do Comitê de Promoção e Defesa da Igualdade Étnico-Racial, foi realizada a palestra “Por uma Defensoria Pública Antirracista”, ministrada pelo professor Adilson Moreira, referência nacional no campo do direito antidiscriminatório. Mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, uma das instituições mais prestigiadas do mundo, Adilson é autor de obras fundamentais como “Racismo Recreativo”, em que analisa o impacto social de falas racistas disfarçadas de humor.

Na ocasião, Adilson também lançou seus dois livros mais recentes: “Letramento Racial: Uma Proposta de Reconstrução da Democracia Brasileira” e “Mulheres, Raça e Direito: Feminismo Negro como Política Constitucional Transformadora”. 

Durante sua palestra, destacou o papel central da Defensoria Pública na construção de uma sociedade democrática e igualitária. “A função da Defensoria Pública, assim como o papel dos defensores públicos, é essencial para a consolidação de uma democracia verdadeira. Isso exige o enfrentamento de fatores que impedem a realização plena dos direitos, como a discriminação direta, indireta e institucional, além dos estereótipos que perpetuam a ideia de que algumas pessoas são mais merecedoras de direitos do que outras. Com uma abordagem sólida sobre o direito antidiscriminatório e as relações raciais, é possível fortalecer a contribuição da Defensoria Pública para o avanço da democracia de forma mais equitativa e eficaz”, afirmou.

Ele explicou a motivação por trás de “Mulheres, Raça e Direito”, que busca estabelecer um diálogo entre teoria constitucional e feminismo negro. Segundo ele, a obra reflete sobre a liberdade como mais do que a simples capacidade de agir, mas como o controle sobre as condições que permitem essa ação.

Ressaltou ainda a importância de uma Constituição que funcione como um sistema de proteção de direitos, defendendo a necessidade de um “constitucionalismo negro” e conceitos afrofuturistas. Ele criticou o perfilamento racial, que coloca pessoas negras como alvos preferenciais, e a interpretação judicial que frequentemente trata desigualdades estruturais como falhas individuais. “O feminismo negro nos ensina que ser livre não é apenas agir, mas ter controle sobre as condições que permitem agir. Contudo, o sistema judicial insiste em culpar os indivíduos por desigualdades que são fruto do racismo estrutural. A interseccionalidade, proposta por mulheres negras, é uma ferramenta essencial para reimaginar o direito e construir uma defensoria pública verdadeiramente antirracista”, concluiu.