Emoção e ancestralidade marcam a posse popular de novos defensores e defensoras do Ceará no terreio Ilé Ibá

Emoção e ancestralidade marcam a posse popular de novos defensores e defensoras do Ceará no terreio Ilé Ibá

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Localizado no Parque Dois Irmãos, a história do terreiro Ilé Ibá Possun Aziri se mistura com o desenvolvimento do bairro. Fundado em 1975, por Pai Deo de Oxum e Pai Xavier de Omolu, o terreiro é o mais antigo do estado do Ceará e nesta sexta-feira (17/11), entrou para a história mais uma vez, ao ser palco da primeira posse popular dos defensores e defensoras públicas do estado do Ceará.

Os 26 novos integrantes foram empossados pela comunidade, ao som dos tambores ativos e altivos da ancestralidade que ecoaram e emocionaram todos os presentes, em uma cerimônia de respeito, acolhendo todos os cidadãos sem distinção de fé, raça, gênero ou orientação sexual.

“Nós de Candomblé somos muitos carentes, órfãos de espaço. Nós não temos muito espaço para manifestar, explicar, para falar sobre nossos dogmas, o que nós cultuamos. E o que nós cultuamos é tão simples, nós cultuamos a natureza. Então, para nós é um motivo de muita satisfação, de muita gratidão, de poder estar com eles, de nos apresentarmos, eles conhecerem um pouco desse espaço religioso de Candomblé. É um espaço de resistência, é um espaço de acolhimento e de muita fé e nesse sentido, são valores que se integram à Defensoria e suas funções”, disse o babalorixá Shell ty Obaluaye, filho de Pai Del, atual dirigente do terreiro.

A posse popular já é uma tradição na Defensoria Pública do Ceará. Trata-se do momento de reafirmar o compromisso da instituição com os mais vulneráveis. Ao assumir o cargo, cabe ao defensor ou defensora pública promover a cidadania plena, garantindo a assistência jurídica e os direitos individuais e coletivos dos assistidos e assistidas, e para isso, é essencial conhecer a diversidade de culturas existentes na comunidade, como ressaltou a defensora pública geral do Ceará, Elizabeth Chagas.

“É preciso conhecer para defender. Entrem para entender a realidade para qual trabalham. A gente precisa que vocês se importem. É a oportunidade de transformar realidades e isso não tem preço. Vocês vão descobrir no dia a dia de vocês, a magia do defensorar, de encontrar soluções que não estão nos livros. Nós precisamos encontrar respostas e dar esperança, fazer justiça para os mais vulnerabilizados. Esse é o nosso papel”, destacou Elizabeth.

O momento foi de muita emoção para Diogo Alexandre de Freitas. Homem negro, natural do Rio de Janeiro, um dos defensores empossados no Ceará. “É a primeira vez que eu vejo uma posse popular em um território tão importante politicamente, religiosamente tanto aqui no Ceará, como no Brasil, em respeito às religiões de matriz africana. Foi de extrema importância receber essa bênção, em forma da religiosidade expressada aqui nesse terreiro de Candomblé. Eu que não sou daqui me sinto muito feliz e acolhido”, disse o novo integrante da Defensoria Pública do Ceará.

Entre os olhares que testemunharam a primeira posse popular realizada em um terreiro de candomblé, estava o da primeira secretária da Igualdade Racial do Ceará, Zelma Madeira. Em uma fala emocionada,a professora lembrou da potência da comunidade afro-brasileira. “ É muito importante estar aqui pra saber quais as demandas, quais as vulnerabilidades, mas eu não gosto de falar só de vulnerabilidade. Eu gosto sempre de falar de potência. Certamente o povo de terreiro enfrenta o racismo, o racismo institucional, o racismo religioso, mas aqui é potência. Aqui eles têm uma maneira de bem entender o mundo, que nós, que vocês, defensores, tem muito de estudar na antropologia para entender os modos de vida. Eu estou muito feliz que as pessoas tenham um pouco mais de aproximação com toda essa cosmopolidade. Só assim a gente pode construir um novo mundo e ele pode ser construído através de vocês”, destacou a secretária, que estava representando o governador do estado, Elmano de Freitas.

Na luta pelo reconhecimento e a preservação das culturas de raízes africanas no Ceará, o deputado estadual Renato Roseno, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, lembrou do processo de tombamento do terreiro Ilé Ibá que começou no primeiro semestre de 2021 e desejou boa sorte aos novos defensores. “Nós, que somos sociedades sérias, e que nesse momento estamos aqui, nesse arco de representação, numa posse popular, temos uma expectativa imensa sobre vocês e para a qual nós não queremos nos afastar. Que vocês possam, conosco, reescrever o tempo, que seja liberdade, dignidade, democracia, justiça social, ambiental, nacional, religiosa, felicidade.  Muito bom de vir com todas as pessoas.Parabéns a vocês”, disse o parlamentar.

Já a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, vereadora Adriana Geronimo parabenizou a Defensoria Pública pela iniciativa. “Eu desconheço uma solenidade como essa, em um solo sagrado e eu quero parabenizar a defensora geral, Elizabeth Chagas, pela iniciativa e agradecer a todos que compõem esse terreiro por terem abraçado essa ideia e dizer que esse passo da Defensoria é fundamental para o tipo de sociedade que a gente precisa construir, que combate todo tipo de racismo. É fundamental para que todas as instituições que compõem o sistema de justiça possam ver esse exemplo, já que muitas vezes são instituições que são muito afastadas da população”, ressaltou.

Participaram ainda da posse popular, a defensora pública e assessora de relacionamento institucional, Lia Felismino; a ouvidora externa da Defensoria Pública do Ceará, Joyce Ramos; além de representantes de movimentos sociais, familiares, defensores públicos e integrantes da Defensoria  e a comunidade do terreiro.