Trancamento de ação penal de réu foi deferida no STJ por entender ilegítima a invasão de domicilio
“Caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de flagrante, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento do morador” (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/03/2021)
O grifo da jurisprudência vem da decisão do desembargador Olindo Menezes, convocado do TRF 1a Região, para atuar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decisão proferida no dia 30 de agosto para trancamento de ação penal de homem preso na Unidade Adalberto Barros Leal, conhecida como Carrapicho.
O recurso foi feito pelo defensor público de segundo grau, Antônio Coelho, em favor do réu que foi preso em Aracati, em março de 2022, por acusação de tráfico de drogas. Nos autos da prisão, a polícia alega que encontrou em sua casa: uma arma, 75g de maconha, dividida em três pacotes, uma balança e R $17. No inquérito, os policiais militares informaram que o réu “concedeu autorização para entrada em sua residência”. A decisão de trancamento de ação penal foi dada com base neste quesito: não há autorização judicial de entrada no domicílio, nenhuma investigação prévia da atividade ilícita e que provoque o flagrante delito e nenhuma prova nos autos de que o réu deu autorização de entrada em casa.
Segundo o defensor Antônio Coelho, a violação de domicílio precisa ser precedida de autorização seja ela: judicial, espontânea, por escrito, audiovisual ou em caso de flagrante delito. “Uma denúncia não justifica essa conduta, além de mandado expedido pela Justiça, o que não aconteceu. Entrar no domicílio dessa forma caracteriza uma ilegalidade da prisão em flagrante. Precisamos prezar pelo cumprimento das normas da lei e infelizmente essa é uma prática recorrente a qual temos que ter atenção para reverter”, destacou.
“Ilegítima, portanto, a entrada dos policiais no domicílio indicado, porquanto não demonstrada a existência de elementos concretos que evidenciam a situação de flagrância, tampouco o consentimento do morador quanto ao ingresso, motivo pelo qual são ilícitas todas as provas obtidas por meio desta medida, bem como todas aquelas que delas decorreram”, discorreu o julgador.
O trancamento da ação penal, explica o defensor público do caso, Raphael Estrela de Castro Alves, titular da Defensoria Criminal em Aracati, dá-se quando é solicitado, preliminarmente, à autoridade judiciária, que não dê seguimento à persecução criminal, seja durante o inquérito policial ou já em curso a ação penal interposta pelo Ministério Público. “Grosso modo, é encerrar a pretensão acusatória sem adentrar ao mérito do que se pretende pôr em julgamento”, explica.
Para ele, a decisão do STJ apenas confirma o entendimento que vem se consolidando nas Cortes de Vértices. “Embora, infelizmente, os juízos de primeiro grau insistam em manter o viés punitivista, numa ilusória e equivocada pretensão de combate ao crime, que leva a decisionismos pautados pelas mazelas que assolam a sociedade. Em situações em que a ilegalidade nas operações policiais, e mesmo nos procedimentos inquisitoriais, soa evidente, mas que o juízo de piso chancela os abusos havidos, a via do habeas corpus é o remédio constitucional para pôr fim às arbitrariedades do sistema de (in)justiça”, frisa.
“É inadmissível o réu ter sido preso, processado e submetido a uma futura e certa condenação já pré-estabelecida desde o início da intenção policialesca. Lamentavelmente, ainda se perduram costumes judiciais afeitos ao encarceramento em massa, notadamente de brasileiros que moram em comunidades pobres do Brasil. Nessa parte marginalizada do nosso país, o Estado só entra com balaclava no rosto e fuzil na mão, impondo um lamentável ‘salve-se quem puder’… Ou que ‘seja amigo do rei’, lamenta Raphael Estrela.


