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Motorista de aplicativo é inocentado após atuação da Defensoria Pública

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Após 530 dias respondendo por um crime que não era de sua autoria, Rubem da Mota Duarte foi impronunciado, ou seja, a Justiça apontou que não existe indício de autoria do crime, que ele não cometeu

O ditado “no lugar e na hora errada” pode até se aplicar a vida do músico e motorista de aplicativo, Rubem da Mota, 23. Ele prefere crer que “Deus não permite o que não se pode suportar”. Foi assim que Rubem encarou a vida quando se deparou, no último ano, com o maior trauma da sua vida: ser acusado, preso e penalizado por um crime que ele nunca cometeu.

uberNo dia 14 de janeiro de 2018, por volta das 18h30, o motorista de aplicativo Rubem iniciou uma viagem no bairro Lagoa Redonda, a primeira corrida realizada naquele domingo. Na rota, três passageiros. Na época, ele realizava cerca de 20 viagens diárias para complementar o sustento como músico na noite fortalezense e auxiliar em casa. Naquele domingo, foi a sua única corrida. Durante o trajeto, uma viatura sinalizou para que o carro parasse, porém, os passageiros sacaram armas. “Quando a polícia abordou o carro, eu fui encostando no mesmo instante. Os passageiros viram essa movimentação e deram ordem para eu não parar e cada um sacou sua arma. Nessa hora, as pernas começaram a tremer e falei que eles podiam levar o carro, só me deixassem. Eles falaram: dirige e não fala nada. Então, não dei fuga, continuei dirigindo normal e eles me ameaçando. Depois disso, eu não sabia se parava o carro e corria o risco de levar um tiro de fora ou de dentro ”, conta.

A troca de tiros começou momentos depois da ordem de continuar a dirigir, vinda dos passageiros. “Nesse momento eu abaixei minha cabeça e tentei manter o carro na reta da pista, mantive até que o pneu foi atingido por uma bala, o carro já estava balançando. Eu não sabia nem onde eu estava, só tinha medo das balas me acertarem e da possível explosão do Gás Natural Veicular, o GNV, no porta-malas do carro”. Com o pneu furado, o carro foi diminuindo a velocidade e a viatura se aproximando, os três passageiros fugiram, deixando Rubem sozinho no local. “Eu fiquei pensando: será que eu continuo no carro ou eu saio? Pensei em sair, porque fiquei com medo do GNV ser atingido e explodir. Sai com as mãos pra cima, dizendo que eu era inocente. Era muita bala, lembro como se fosse hoje”, conta”.

Ferido na perna, Rubem nunca imaginou a possibilidade de ser indiciado pelo crime em que ele mesmo foi vítima. Mas aconteceu. “Após ser atingido, me levaram pro hospital pra fazer a remoção da bala e, em seguida, me levaram para Delegacia. Meu carro ficou no mesmo canto, todo cheio de marca de bala. Lá na delegacia, me interrogaram e fiquei preso na cela. Agora imagine a cena: uma cela que cabe quatro a cinco pessoas, mas tinham 12 presos, eu recém-baleado, com a ferida aberta e sem saber o que aconteceria em seguida”. Preso no domingo, 14 de janeiro de 2018, Rubem teve que aguardar cinco dias para a audiência de custódia.

O defensor público titular da 5a Defensoria do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência de Fortaleza, Delano Benevides, atuou na defesa do motorista. “O caso todo demonstra uma ação fracassada da Polícia, onde uma pessoa inocente, de forma injusta e que exercia seu trabalho de forma honesta, foi incriminada. Na audiência de custódia, o Ministério Público pediu a prisão preventiva, no entanto, na defesa aleguei a primariedade, os efeitos deletérios que o cárcere traz, além do impacto social não só para ele, mas para a sociedade. Estaríamos jogando um jovem trabalhador em um ambiente hostil e, eventualmente, poderíamos estar fornecendo mão de obra gratuita para as facções criminosas. Felizmente, a juíza Adriana da Cruz Dantas, da 17a Vara Criminal, de forma sensível e humana, colocou ele para responder o processo em liberdade”. A decisão da juíza determinou que Rubem permanecesse com a tornozeleira eletrônica por seis meses, além “recolhimento domiciliar das 22 às 06 horas, salvo para exercer atividade laboral lícita”.

Investigação – Foi aí que começou o trabalho da investigação defensorial, termo cunhado pelo defensor público titular da 4a Defensoria do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência de Fortaleza, Emerson Castelo Branco, quando é preciso reunir provas em favor do réu. “A investigação defensorial é um direito da pessoa indiciada ou acusada, porque possibilita o efetivo exercício da ampla defesa e do contraditório. A defesa tem o direito de pesquisar os fatos para demonstrar a inocência de um investigado, evitando todos os danos de um processo penal instaurado de forma precipitado, sem cautelas. Se a pessoa já se encontra na posição de acusado, a defesa tem o direito de realizar investigação por meios lícitos e legítimos para provar a sua inocência e ainda para contraditar provas que porventura lhe sejam desfavoráveis”, explica.

Durante a investigação, o defensor informa que conseguiu reunir as provas para que a denúncia contra o rapaz fosse retirada: prints do aplicativo naquele dia, depoimento de testemunhas sobre a sua idoneidade, um estudo aprofundado do processo onde só se tinha a palavra policial contra a vítima. “Em síntese, a investigação defensiva possibilita um contraditório dinâmico e contribui para aproximar o processo da realidade e, por conseguinte, possibilitando absolvição de pessoas inocentes ou uma condenação justa. Como se pode notar, promove a igualdade no processo, possibilitando um equilíbrio de forças para uma decisão justa e legítima”, complementa Emerson.

Finalmente no dia 28 de junho de 2019, 530 dias depois do ocorrido, Rubem obteve de volta aquilo que um sujeito acusado injustamente mais prima: sua liberdade e honra reestabelecida. O juiz da 1a Vara do Júri de Fortaleza, Eli Gonçalves Júnior, determinou a impronuncia de Rubem, que significa a extinção do processo.

Tempo perdido e tempo a recuperar – Durante mais de um ano, Rubem precisou usar a tornozeleira eletrônica. Foram exatos 18 meses. Ele relatou algumas dificuldades, principalmente pelos olhares e preconceitos vivenciados. “Eu só podia andar de calça jeans, não gostava de perceber que as pessoas estavam com medo de mim, ou algo assim. Na hora de trabalhar, eu fazia de tudo para o passageiro não ver, porque a pessoa já ficava com medo de mim”, lamenta.

Hoje, Rubem projeta o futuro e valoriza essa conquista, 18 meses engavetada pela angústia da não solução. “Eu sequer conseguia fazer planos para o futuro. Preso você não tem perspectiva de futuro, você não se planeja, você é só mais um. Como tantos outros que, todo dia, aguardam uma decisão, um cumprimento, uma chance. Não tenho palavras para agradecer à Defensoria Pública. Os defensores que atuaram no meu caso trouxeram minha vida de volta. São anjos e serei eternamente grato”, relata. “Agora tenho tantas possibilidades, quero continuar trabalhando. Essa experiência me fez ter mais ainda um olhar sensível às pessoas que tanto precisam de ajuda e perceber que somente cada um sabe da sua luta diária”, se emociona.