Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Mulheres negras protagonizam conquistas sociais nos dez anos de existência da Ouvidoria Geral Externa da DPCE

Mulheres negras protagonizam conquistas sociais nos dez anos de existência da Ouvidoria Geral Externa da DPCE

Publicado em

Angela Davis ensina que “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. A sentença da filósofa e feminista negra norte-americana sintetiza bem os dez anos de existência da Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE). Porque foram elas, as mulheres negras, as responsáveis por diversas conquistas e parcerias com a sociedade dentro do funcionamento da instituição.

Em uma década, a DPCE só teve mulheres negras à frente da Ouvidoria. Todas eleitas por voto popular e oriundas de movimentos sociais. Algo necessário de ressaltar sempre, mas especialmente nesta sexta-feira (20/11), Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. A bibliotecária Ana Virgínia Ferreira Carmo foi a primeira a ocupar o cargo.

Ela assumiu meses após, em dezembro de 2010, a Ouvidoria ser instituída por lei. Foi fruto de uma candidatura articulada pela Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), atuou por dois anos (2011-2013) e conquistou a reeleição para novo mandato (2013-2015). “Como eu era a primeira ouvidora, tinha muita responsabilidade de ter que dar certo. Do contrário, poderia não haver espaço para outras. E nós éramos a terceira Ouvidoria Geral Externa do Brasil dentre as Defensorias. Nós entramos com o objetivo de consolidar o órgão e fazer o movimento social ser ouvido. Tanto que conseguimos pautas importantes no campo popular, com as comunidades ribeirinhas”, recorda Virgínia.

Os principais desafios, ela recorda, foram avançar em número de defensores no interior do Estado e ocupar espaços historicamente compostos por pessoas brancas. “Não é fácil estar em grupos que só têm homens brancos. Mas conseguimos avanços significativos, de ter uma Ouvidoria conhecida e ganhar espaço. Trabalhamos direto com catadores e ocupações, na tentativa de viabilizarmos leis na Prefeitura de Fortaleza. E conseguimos muitas vitórias, especialmente no tocante às ocupações. Quando a ouvidora seguinte foi eleita, a Ouvidoria já estava consolidada, acredito”, explica.

Também oriunda do campo popular, a socióloga Merilane Pires Coelho foi eleita com a missão de protagonizar novas conquistas e aproximar a Defensoria da sociedade civil organizada. Ela destaca a construção do projeto do Orçamento Participativo da Defensoria, fundamental para aprimorar as estratégias de interlocução e aproximação da instituição com as comunidades. Tanto na Capital quanto no Interior. Em termos de Sistema de Justiça cearense, uma iniciativa inédita.

Meiry esteve à frente do órgão de setembro de 2015 a agosto de 2019 e explica a missão que assumiu. “A sociedade é majoritariamente negra, enquanto o Sistema de Justiça é branco e encastelado. A Defensoria nasceu para representar a sociedade, a maioria das pessoas, que está em situação de vulnerabilidade. É a principal instituição para defender os direitos humanos no País e nasceu da reivindicação dos movimentos sociais”, pontua.

Ela fala da resistência da existência da Ouvidoria. “É preciso que se diga: existia uma resistência nacional para a criação das ouvidorias externas no Sistema de Justiça e aqui alguns defensores se colocaram a favor e encabeçaram a luta. A própria defensora geral atual [Elizabeth Chagas] levantou muito essa bandeira, assim como a Mariana [Lobo, do Núcleo de Direitos Humanos] e a Amélia [Rocha, presidente da Associação dos Defensores]. Elas apoiavam porque sabiam que a participação popular era fundamental para aprofundarmos o diálogo com a sociedade civil.”

A ex-ouvidora enaltece também a criação do projeto Territórios Vivos, que levou a Ouvidoria para as comunidades. “A gente sentava com a população e ouvia as principais lideranças. A população dizia quais eram os principais problemas, a gente produzia relatórios e apresentava aos núcleos e à gestão. Foi quando vimos nascer o projeto Defensoria em Movimento, que atuou em parceria com as comunidades.”

Atualmente, está à frente da Ouvidoria Externa a geógrafa Antônia Araújo, cujo mandato iniciou em agosto de 2019 e vai até o fim do primeiro semestre de 2021. A questão étnico-racial é uma das pautas trazidas pela nova gestão da Ouvidoria. Antônia frisa que as recentes conquistas alcançadas, inclusive, são fruto de debates e apontamentos historicamente feitos pela Ouvidoria, seja por demanda própria ou por reivindicação popular em audiências públicas.

No último dia 10, por exemplo, a DPCE anunciou a instituição de cotas raciais para todos os concursos e seleções públicas. De agora em diante, 20% das vagas serão destinadas exclusivamente a negros e negras. A medida vale para cargos de membros (defensores), colaboradores(as) e estagiários/as. Em 2020, a Defensoria também tem realizado uma série de eventos online com temática étnico-racial. Em parceria com a Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP), a Ouvidoria promove desde agosto capacitações mensais para todo o público interno.

“Esse foi um ano que favoreceu muito a pauta negra por conta do levante da população negra no mundo diante dos casos de morte por violência policial nos Estados Unidos. Mas, para além disso, nós tivemos uma atuação de provocação por parte da Ouvidoria para a temática estar na rotina da instituição e moldar uma parceria com a Escola Superior. Se fosse uma ouvidora branca não atenta à discussão antirracista e sem estar convencida da necessidade da discussão racial, talvez toda a discussão que aconteceu internamente não tivesse sido provocada”, pontua Antônia.

A ouvidora avalia a importância de mulheres negras, que estruturalmente são as que mais sofrem o impacto do racismo estrutural, estarem à frente do setor. Isso aproxima ainda mais a DPCE dos movimentos sociais e das pautas de direitos humanos. “O fato de a Defensoria só ter tido mulheres negras e eleitas para o cargo de ouvidora geral externa sinaliza a vontade de melhoria da instituição. Precisamos avançar ainda mais, em organização e estruturação, mas a pauta da negritude foi se intensificando com o passar dos anos. Hoje, nós podemos dizer que alguns passos precisavam ser dados: de formação, de parceria para cursos com novos defensores e pra população. Temos que fazer formação e trabalho, formação e serviço. Tudo o que já foi feito é essencial, mas vamos avançar”, sublinha Antônia.

Ela considera improvável o recuo da pauta racial tanto na sociedade quanto internamente, na estrutura da Defensoria. “Nossa ideia é fortalecer essa participação e a atuação da Ouvidoria. A Ouvidoria existe porque o controle externo é necessário. Com a participação dos movimentos e a pressão da Ouvidoria, é muito difícil esse tema arrefecer. Representatividade é importante. Ter pessoas negras na instituição é essencial. Por isso, é importante a gente qualificar todo mundo que chega para não reproduzirmos a lógica perversa do racismo nas relações de trabalho”, finaliza a atual ouvidora.