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“O acesso à justiça tem na Defensoria Pública um protagonismo ímpar”

Publicado em

SADEK

O tema do acesso à justiça é recorrente no trabalho da professora Maria Tereza Sadek. Pós-doutora pela Universidade da Califórnia e na Universidade de Londres, com docência em Ciência Política pela USP, a pesquisadora enxerga na Defensoria Pública a instituição mais importante dentre as criadas pós-Constituição de 1988. Para ela, o motivo para tal afirmação está justamente na promoção do acesso à assistência jurídica gratuita à população em situação de vulnerabilidade, razão de ser da instituição. E vai além: “a Defensoria Pública tem o dever de orientar o cidadão, de esclarecer, de contar quais são os direitos que ele tem”, afirma, remetendo à função de educação em direitos.

São esses os motes da palestra ministrada por Maria Tereza Sadek na próxima terça-feira (8), às 14h, no auditório da sede da Defensoria Pública do Estado do Ceará (Avenida Pinto Bandeira, 1111 – bairro Luciano Cavalcante). Com o tema “A oportunidade e a responsabilidade de ser defensora e defensor público diante dos desafios do acesso à justiça”, a professora defende a importância de ter uma instituição forte e engajada no papel da garantia de direitos da população, comportamento que passa diretamente pela atuação dos defensores públicos. “As pessoas que estão ingressando na carreira devem ter muita consciência da responsabilidade, de qual é o dever e qual é a situação que vão enfrentar”, adverte.

Em entrevista exclusiva à Defensoria, por telefone, a professora fala ainda da motivação de vir ao público no Ceará, da necessidade de fortalecer a Defensoria Pública e da responsabilidade que a instituição deve assumir para reverter o atual cenário de negação de direitos. “Todas as instituições do sistema de justiça têm um grau de responsabilidade em relação a essa questão”.

Confira abaixo a entrevista.


A Defensoria Pública nasce a partir do pacto social da promulgação da Carta Cidadã em 1988. Que relevância a Defensoria adquire no que diz respeito ao acesso à justiça?

O acesso à justiça é o mais básico de todos os direitos. Se você não tiver acesso à justiça, todos os direitos são letra morta, é mera retórica. A Constituição de 1988 é absolutamente surpreendente porque, além de incorporar todos os direitos em uma magnitude extraordinária – muito maior que todas as demais Constituições, tanto no Brasil quanto fora do Brasil -, ela tratou de ter mecanismos e instituições para que esses direitos fossem concretizados. E entre essas instituições, sem dúvida nenhuma, a Defensoria é a mais importante. Porque ela foi concebida como uma instituição não apenas incluída no sistema de justiça, mas ela tem que prestar assistência jurídica, e não judiciária. Ou seja, isso faz uma grande diferença: ela tem que prestar assistência e orientação em todas as matérias, e não apenas quando se trata de entrar no Poder Judiciário. Então, a Defensoria Pública é uma instituição extremamente relevante.


Como o atual contexto social reverbera sobre o acesso à justiça?

Em um país em que os índices de escolaridade são tão baixos, as pessoas sequer conhecem os seus direitos. A importância da Defensoria Pública torna-se maior ainda. A Defensoria Pública tem o dever de orientar o cidadão, de esclarecer, de contar quais são os direitos. Uma vez que esses direitos possam vir a ser ameaçados, e eles não precisam, de fato, serem desrespeitados, a Defensoria Pública tem obrigação de atuar.


O tema da palestra que senhora vai ministrar é “A oportunidade e a responsabilidade de ser defensora e defensor público diante dos desafios do acesso à justiça”. Entre essas responsabilidades, está a missão da instituição de promover a educação em direitos. Em que medida esse propósito pode ser transformador?

Quando você olha todos os dados relativos ao Brasil, você vê que as pessoas não têm saúde, moradia, educação. De certa medida, nós não podemos dizer que a Defensoria não tem um grau de responsabilidade em relação a essa situação de claríssima de ausência de direitos. Ou seja: alguém não teve educação porque não teve acesso esse direito, que é um direito social de acesso à escola, possibilidade de estudar, de se formar. Sem educação em direitos, dificilmente as pessoas conhecerão os seus direitos. É isso que digo: não adianta dizer que o governo é responsável, todas as instituições do sistema de justiça têm um grau de responsabilidade em relação a essa questão. E isso vale para saúde, habitação, meio ambiente, para uma sociedade mais integrada, com menos preconceito, menos exclusão.


Na avaliação da senhora, como fortalecer a Defensoria Pública?

Existem os fatores internos e externos. Quanto aos internos, depende muito do que os defensores fazem, do grau de comprometimento que cada um deles tem com a sua instituição. Ou seja, toda e qualquer política corporativa vai contra a igualdade. Tem uma definição que me parece muito apropriada que é a seguinte: quem é defensor não está fazendo caridade, quem é defensor está atuando para que os direitos sejam concretizados. O que ele faz é dever, faz parte de suas atribuições. Se ele não cumpre, não está fazendo sua função. A questão da vocação é primordial, é a ideia de que você vai integrar indivíduos, que vão ser defensores para servir a sociedade, não a si próprio. Se eles estão mais preocupados com honorários, onde vão atuar, se terão um carro à disposição, está tudo errado de início. Não é para isso que a Defensoria foi criada.

Já os fatores externos são os obstáculos que vêm das demais instituições. Por parte do governo, é a quantidade de recursos que tem. Na parte do Legislativa, é se você não tem mais legislação que obrigue a ter um número suficiente de defensores. Eu não sei neste momento como é que tá, mas quando você compara o número de defensores, com integrantes do MP e da magistratura, a Defensoria Pública tem uma grande desvantagem. Então, deveria haver algum incremento.

O fato de a Defensoria Pública do Ceará estar com ingresso de novos integrantes, eu acho isso muito positivo. Agora, isso vai suprir a deficiência? E, certamente, a situação do Ceará não é a pior do Brasil. Então, as pessoas que estão ingressando na carreira devem ter muita consciência da responsabilidade, de qual é o dever e qual é a situação que vão enfrentar.


O direito à defesa pode considerado primordial para a democracia no Brasil?

Sem dúvida, sim. Mas que direito é esse? Daqueles que contam com advogados de primeiro time, capaz de livrá-los de toda e qualquer situação? Ou estamos falando do direito de defesa daqueles que são excluídos? Eu, por exemplo, visitei muitos presídios enquanto estava no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os presídios são desumanos, não há nada mais contrário à Constituição Brasileira do que os presídios. É com esses presídios que temos que nos preocupar, é ali que está a população carente. Nós temos inocentes nas prisões, mulheres que serviram de mulas, violência dentro da prisão, grupos que se organizaram nas prisões, não temos processos de ressocialização dos apenados. É preciso falar em direito à defesa para quem. Quando é a Defensoria que atua, ele (o direito à defesa) é bem feito, mas não temos defensores em toda parte. Então, a situação é muito complexa.


Qual a expectativa para a palestra e o diálogo com os participantes?

Estou muito empenhada em estar aí na Defensoria Pública do Ceará. Porque é uma instituição que quase que faz parte na minha vida, tenho trabalhado há muitos anos com a questão do acesso à justiça. E sei que o acesso à justiça tem na Defensoria Pública um protagonismo ímpar, que nós precisamos de uma Defensoria Pública de qualidade, atuante, que faça a diferença.