Soraia Mendes e Alice Bianchini explicam as inovações legislativas sobre violência doméstica. Debate está disponível no Youtube da DPCE
O 2º Ciclo de Debates, realizado pela Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) em celebração aos 25 anos da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), aconteceu nesta sexta-feira (11/03). O momento foi uma alusão ao Dia Internacional das Mulheres, comemorado no dia 8 de março, e trouxe a temática “Violência doméstica e inovações legislativas”, contando com a presença das juristas Alice Bianchini e Soraia Mendes. Juntas, elas promoveram um amplo leque de mudanças – que vem sendo impressas no Brasil e que pretendem o enfrentamento sistêmico da violência de gênero.
“Todo mundo sabe que o Brasil é o quinto país que mais mata suas mulheres. Nosso estado do Ceará é o 7º do País. A cada dois minutos uma mulher é vítima de violência. São dados aterrorizantes e a gente precisa realmente desse espaço para debater, para que as mulheres realmente entendam a gravidade e possamos mudar o rumo das coisas”, destacou Jeritza Braga, mediadora e supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica sobre como se deve novas políticas públicas para prevenir esses altos índices de violência que nós temos.
A defensora pública geral Elizabeth Chagas abriu o evento com uma fala engajada de quem atuou oito anos no Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e relembrou fatos da vida pessoal na qual convive ainda com rastros da violência em âmbito familiar. “Minha vida é uma constante luta. Ainda estamos lutando. Ainda estamos mostrando a necessidade de empoderamento das mulheres. Ainda estamos passando por situações em que as mulheres são subjugadas. As mulheres passam por vários percursos para chegar até o momento de pedirem ajuda. E é nesse pedir ajuda, é importante saber ouvir e transformar as demandas em algo ativo no qual elas sintam que podem sair daquele ciclo de violência, entender o que está acontecendo para poder agir da melhor forma. Por isso, a gente enquanto Defensoria e eu, enquanto defensora pública geral, vem assumindo posturas que são necessárias para que avancemos nesta pauta”, disse.
A palestrante Alice Bianchini trouxe de forma didática as inovações legislativas mais recentes em relação às mulheres. Leis como a de nº14.164, que vai incluir nos currículos da educação básica a prevenção e o combate à violência contra mulheres; e também a de nº 14.310/22, em que as medidas protetivas em prol de mulheres vítimas de violência devem ser imediatamente registradas no banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela cita também as atualizações das normas que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher em 2021, como por exemplo: a lei de perseguição; a lei de violência psicológica contra a mulher; duas leis relacionadas à violência política contra a mulher, que alteram o código eleitoral e o código penal, e a lei de lesão corporal contra a mulher, entre outras.
Ao apontar as diversas inovações legislativas no ano de 2021, Alice dá destaque à uma recomendação do CNJ, que segundo ela, é de extrema importância para o momento. “De uma forma bem geral eu trouxe as leis do ano passado, mas o que eu queria destacar é que ao lado dessas leis, mais recente, nós tivemos uma retomada finalmente de uma coisa muito importante que é o “Direito Internacional dos Direitos Humanos”. Não consigo deixar de falar das leis sem falar também dessa retomada da ideia do Direito Internacional dos Direitos Humanos e a partir, inclusive, dessa recomendação do CNJ que é também deste ano. O CNJ, na recomendação 123, ‘recomenda aos órgãos do Poder Judiciário brasileiro a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos’.”
“Então, nós tivemos aqui também esse incremento porque eu não quis trazer só a legislação, eu quis trazer tudo a mais que nós temos de novidade em relação a este ano. Então nós tivemos legislações, nós tivemos normativas, nós tivemos decretos. Nós temos um mundo que está mudando em relação a isso”, complementa Alice.
Já Soraia Mendes, também expoente sobre a violência de gênero e uma das maiores criminalistas do País, discorreu sobre o feminismo como uma teoria crítica e o papel do movimento na sociedade para mudar a vida das mulheres. “Nós somos agentes de transformação e propomos ações que são transformadoras, porque esta é a função de uma teoria crítica. Isso é o feminismo. O feminismo é um movimento que se coloca nas ruas, que levantava já há muitos anos o cartaz ‘Quem ama não mata’ e chegou em forma de debate jurídico. ”, argumenta a palestrante.
Neste debate jurídico, ela traz reflexões a respeito das leis criadas para combater a violência contra a mulher, mas levanta questionamentos em relação a quem essas políticas estão de fato atingindo. “Nós já falamos muito a respeito de violência contra a mulher normalmente reduzido ao âmbito da violência doméstica e familiar, o que não é de menos importância. Mas é importante que se diga que ao longo de todos esses anos e esta profusão de leis que nós percebemos hoje se dá, por de alguma forma, assimilação confortável em termos legislativos para a questão da violência doméstica e familiar sem contextualizá-lo no âmbito das diversas violências de gênero existentes no nosso país. É importante que nós tenhamos em mente que esses marcadores todos avançam, mas eles precisam avançar para os 70% de violência e de mortandade de mulheres que não estão abarcados ali. Nós falamos das mortes de mulheres como feminicídios, esse dado tão terrível que nos coloca no 5º lugar do ranking mundial de mortes de mulheres, mas que nós estamos falando apenas de 30%, de um terço da morte de mulheres nesse país. Nós não falamos ainda com a maior seriedade que merece, a respeito do transfeminicídio, a respeito do lesbofeminicídio, do feminicídio que vem em decorrência da violência política”, destaca Soraia Mendes.
A defensora pública Noêmia Landim, titular do Nudem, conclui o momento dando ênfase às leis criadas nos últimos anos em defesa da mulher, mas para ela, as dificuldades para implementar essas legislações ainda são muitas. “Os direitos das mulheres vêm constantemente passando por uma evolução. Não só em termos de legislação, mas até mesmo em relação às decisões do judiciário. Então, desde que a Lei Maria da Penha foi publicada, nós tivemos a colocação do crime de feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio. Nós tivemos em 2018, que também foi um ano muito rico em relação a essas inovações, a criação do crime de descumprimento de medidas protetivas. Nós tivemos também a criação do crime de importunação sexual. Tivemos em 2018 também a criação do crime de violação da intimidade sexual. Em 2020, nós tivemos uma ampliação das medidas protetivas. Todas essas inovações, elas não são suficientes para modificar a situação dessa cultura sexista, dessa cultura patriarcal. Nós precisamos disso sim porque o direito precisa ser instrumento de modificação, mas a gente sabe das dificuldades de termos apenas uma legislação que favoreça isso se não temos uma estrutura. A gente relembra que aqui no Ceará, por exemplo, nós temos apenas 10 delegacias especializadas na defesa da mulher. Além disso, aqui no estado, de mais de 170 municípios, apenas 38 contam com estrutura especializada de amparo a essas mulheres que sofrem violência doméstica”, conclui a defensora.
Quem não pode conferir, o vídeo ficou disponível no canal do youtube da Defensoria Pública do Estado do Ceará.

