Abandono afetivo. Quando a negligência emocional pode se transformar em indenização
O abandono afetivo atende justamente o significado da palavra: quando os pais deixam de prestar o afeto necessário aos seus filhos, causando danos irreparáveis a ela. Amparado pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), o desenvolvimento psicológico e emocional de crianças e adolescentes é sim um direito protegido e assegurado.
O abandono afetivo pode ser caracterizado de diversas formas e manifestado a partir da ausência de afeto aos filhos, omissão, discriminação, falta de apoio emocional, psicológico, social, e que possam gerar problemas psicológicos às vítimas. O sofrimento causado por esses danos podem gerar inclusive indenização às vítimas. Assim, o reparo jurídico em razão aos impactos emocionais pode ser realizado por meio de ação judicial proposta pela Defensoria.
Assim, a tutela do abandono afetivo não é material e sim sentimental: deixar de atender as necessidades emocionais dos filhos, seja na convivência ou até pelo abandono do direito de visitação. A defensora pública titular da 13a Defensoria de Família de Fortaleza, Michele Camelo, enfatiza que o amor é opcional, mas o cuidado é obrigatório. “O dever de cuidar não é uma opção do pai ou da mãe. Dar atenção, cuidado e ter responsabilidade é uma obrigação e, a partir do descumprimento dessa obrigação, é preciso reparar um dano moral que essa criança, esse adolescente sentiu por essa ausência paterna e/ou materna. Por essa ausência de quem deveria e teria o dever de estar presente para que o crescimento seja saudável dessa criança e do adolescente”.
Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça condenou um pai ao pagamento de indenização por abandono afetivo. A garota processou o pai, que foi condenado a pagar R$ 30 mil pelos danos morais causados pelo abandono familiar quando ela tinha 6 anos. A ministra Nancy Andrighi considerou que os traumas e prejuízos emocionais decorrentes da parentalidade irresponsável podem ser quantificados e qualificados como qualquer outra espécie de reparação moral indenizável.
Daí em diante, veio a discussão e se tornou projeto de lei que nunca foi aprovado no Congresso Nacional. No entanto, há muita jurisprudência e condenações neste sentido tribunais a fora. Assim, o poder judiciário tem reconhecido a possibilidade da supressão do sobrenome paterno/materno em casos de abandono afetivo. O Recurso Especial julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.304.718-SP1) deu provimento à retirada do sobrenome paterno, em razão do abandono afetivo e material.
A indenização não vai devolver os dias em que a criança se sentiu abandonada, não visa recuperar o tempo perdido e sim reparar em recursos esse dano. L.P. entende o que significa. Hoje maior de idade, ela relembra toda a sua infância longe do pai, que embora fornecesse parte de custeio financeiro para ela e para a irmã, nunca se fez presente. “Ele tem outra família, participa da vida desses filhos e netos e nunca olhou pra gente, nunca veio a uma festa de aniversário ou dia dos pais da escola. Sempre senti aquela ausência de afeto, de cuidado e até uma repulsa ao sentimento que ela dava a outra família. Isso eu trato hoje em terapia, mas nunca quis revirar essa dor juridicamente. Mas sei que é meu direito”, disse.
A supervisora do serviço psicossocial da DPGE, a psicóloga Andreya Arruda, explica como é caracterizado o abandono afetivo. “Abandono afetivo se configura na negligência, onde se ausenta a convivência familiar. Muitas vezes alguns pais acham que pagar a pensão basta, mas ser pai vai muito além do sustento financeiro. Existe a responsabilidade do apoio emocional, onde se possibilita segurança à criança”, pontua.
A psicóloga lembra que além do abandono parental, o ferimento de direitos também acontecem na população idosa. “Existem os casos de negligência com relação aos pais na velhice. Não são raros idosos em situação de abandono e ausência de cuidado com suas necessidades. Algumas vezes o adulto que quando criança vivenciou um abandono não consegue, também, manter uma relação de cuidado com o pai que não prestou cuidados durante sua infância”, ressalta.
O direito à indenização por abandono afetivo é válido para as crianças e adolescentes que se encontram sem a atenção e guarda do seu genitor. Quando se é menor de idade, em qualquer tempo, o seu representante legal pode entrar com a ação. A supervisora do Napi, defensora Natali Malisson, ressalta a necessidade de se mover a ação representando os filhos menores de idade. “Quando se é maior de idade e se sente lesado, a própria pessoa deve cobrar uma responsabilização civil”, salienta. Quando se é maior de 18 anos esse direito prescreve em três anos, conforme o artigo 206, §3°, inciso V, do Código Civil, ou seja, até os 21 anos você pode entrar com essa ação.
Para a defensora, a ação de dano moral não suprirá a dor causada, mas pode auxiliar em tratamentos psicológicos e na responsabilização dos pais por esse descumprimento. “O abandono parental causa inúmeros traumas e problemas sociais e emocionais. Assim, a indenização por danos morais serve para financiar meios que possam diminuir a dor, como, por exemplo, ajuda psicológica ou tudo que possa aliviar essa angústia. Não se discute o amar e, sim, a imposição legal de cuidar, dever das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”.
Serviço
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