“Quanto mais privilégio você dorme, mais você deveria acordar com a responsabilidade da mudança”
Referência em discussões sobre diversidade e inclusão, Maite Schneider trouxe diferentes perspectivas que impedem a inserção de pessoas trans no mercado de trabalho, a partir das experiências pessoais e outras vividas com a TransEmpregos, rede que promoveu a contratação formal de mais de 10 mil pessoas trans na última década. A primeira delas seria o mito da meritocracia ainda propagado na mente de gestores e executivos, impedindo a construção de uma carreira. “Dentro das empresas é muito propagado essa questão de meritocracia que diz que todo mundo vai ser contratado e valer por aquilo que traga de competências acadêmicas e comportamentais. Mas as pessoas são verdadeiramente contratadas pelos talentos que têm? A maioria das pessoas trans não são contratadas porque não têm competências, mas sim porque são trans. Existem pessoas trans em todas as áreas, em todos os lugares e competências. Competência não falta, o que falta realmente é essa abertura real de oportunidades”, atesta Maite.
Maite Schneider esteve na Defensoria Pública durante o lançamento da política de atendimento, inclusão laboral e permanência de travestis, transexuais e pessoas não binárias na instituição, na última quinta-feira (02/02). Maite é cofundadora do TransEmpregos, o maior e mais antigo projeto voltado à empregabilidade de profissionais transgêneros do Brasil.

Outro ponto abordado na palestra foi a ideia de que para construir um ambiente organizacional mais inclusivo é necessário compreender, de fato, os privilégios e os marcadores sociais que afetam a vida das minorias, mesmo que boa parte delas sejam as maiorias numéricas. “Se você é uma mulher preta e periférica, lógico que a tua vida é mais difícil. Mas se você não tem deficiência, você é privilegiada. Se você ainda é uma mulher preta, periférica que ainda não tem cinquenta anos, você é privilegiada sim. Se você nasceu neste país que está hoje, você é privilegiada porque não é uma pessoa migrante. Reconhecer privilégios é um dos atos mais importantes da pessoa aliada, porque privilégio não é uma coisa que você reconhece pra dizer ‘nossa, me senti mal’. Porque tem portas que só são abertas através da força do privilégio. Nós não precisamos de voz, porque todos nós temos voz. Nós precisamos é que pessoas aliadas usem dos seus privilégios para abrirem portas que a nossa voz tenha vez”, defende Maite.
E a especialista ressalta que as pessoas aliadas à diversidade devem se responsabilizar e atuar constantemente pela mudança até se alcançar a sociedade que tanto deseja. “Quanto mais privilégio você dorme, mais você deveria acordar com a responsabilidade da mudança. A responsabilidade da mudança é apoiar a verdadeira revolução. A revolução tem uma cara, tem um CPF. A revolução é feminina, preta, travesti, idosa, periférica, tem deficiência. Nós sabemos quem é essa pessoa que precisa ser incluída em termos de família, de afeto, de educação e consequentemente de mercado de trabalho. Enquanto essa pessoa que a gente sabe quem é não conseguir esse mínimo básico de sobrevivência, continuamos dando errado como sociedade. A gente tem que fazer parte, tem que ser uma parte constante. Só vamos dar certo quando tiver bom não pra algumas, mas bom para todo mundo. Quando as pessoas voltarem a poder ter sonhos, quando as pessoas construírem seus desejos e puderem realizá-los através da realização de seus propósitos, transformando esses sonhos em propósitos. Este plantar de sementes tem que ser constante”, ecoa Maite.



