
Defensoria garante indenização de pais que perderam o filho em Baturité
A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) ingressou com uma ação por reparação de danos pela morte de um bebê que não foi atendido da forma devida numa Unidade Municipal de Pronto Atendimento (UMPA), em Baturité, e faleceu no dia seguinte. O pedido foi deferido e o casal irá receber uma indenização no valor de R$200 mil reais, sendo 100.000 para cada um.
Tudo começou no dia 17 de setembro de 2020, quando os pais de um bebê, de 4 meses, buscaram assistência médica para o filho na UMPA. No dia, a criança apresentava sintomas de forte desconforto abdominal e sangramento retal. Mas, mesmo na situação de emergência em que se encontrava o pequeno, os pais do menino logo tiveram que lidar com a conduta omissa do médico plantonista que estava no local e que, no princípio, negou-se a atender o paciente alegando não ser pediatra. Após muita insistência da mãe, o médico aceitou consultar o bebê e mesmo constatando que ele não estava bem, resolveu mandá-lo de volta para casa, receitando remédio para que os genitores comprassem na farmácia e eles mesmos dessem ao filho.
No dia seguinte, como o estado de saúde do bebê continuava o mesmo, os pais conseguiram o contato de um outro médico e, ao descrever por telefone os sintomas da criança, o profissional alertou que o quadro da criança era grave e que ela deveria ser trazida ao Hospital Albert Sabin, em Fortaleza. Buscando auxiliar o bebê, o médico contatado solicitou uma ambulância para ir buscar a criança em casa, para que esta fosse levada novamente a Unidade Municipal de Pronto Atendimento e pudesse ser transferida para o Albert Sabin, na manhã do dia 18 de setembro.
No entanto, ao chegarem na UMPA, mesmo a criança estando em estado grave, ficaram aguardando a transferência. Nesse período de espera, o bebê começou a apresentar cianose de extremidade (coloração azul ou arroxeada da pele, unhas ou lábios, causada por alterações na circulação do sangue ou na oxigenação da hemoglobina), seguida de várias paradas cardíacas e, após tentativas frustradas de reanimação, veio a óbito. Na certidão de óbito, consta que a causa da morte foi obstrução intestinal advinda de intussuscepção intestinal.
Apesar da dor indizível da perda, os pais tiveram que lidar com um agravante. A difamação que foi se espalhando. O mesmo médico plantonista que havia negado o atendimento emergencial à família, acionou a Polícia Civil e o Conselho Tutelar, com a infundada suspeita de estupro de vulnerável. Começou o pesadelo da vida dos pais que, ante a acusação, precisavam provar a inocência.
Posteriormente, o corpo da criança foi encaminhado à Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), para realização de exame cadavérico. Enquanto isso, os pais tiveram que passar a noite toda aguardando a realização do procedimento, na parte externa do hospital, impedidos de ver o filho após sua morte. No laudo cadavérico da Perícia consta a verdade: o bebê de 4 meses morreu de causas naturais e não foi vítima de nenhum tipo de violência, inclusive sexual.
A defensora pública Ticiana Meira Marques, atuante na 2ª Vara Cível, na comarca de Baturité, foi a responsável por ingressar com a ação. “O casal buscou a Defensoria Pública pelos dois motivos. Eles iniciaram buscando pelo motivo do falecimento do filho, que eles entenderam que foi muito descaso, mas eles também estavam muito amedrontados, muito feridos por essa acusação. A vida deles foi muito prejudicada, perderam o emprego, foram ameaçados de morte, ficaram trancados em casa. A Polícia Civil teve que emitir uma nota, que saiu nos meios de comunicação, dizendo que a criança faleceu de causas naturais e não de violência sexual. Não dá para relatar tamanha desumanidade em palavras. Ao invés de salvarem a criança, resolveram culpabilizar os pais pela sua morte”, relata a defensora pública.
Ao procurar a instituição, eles levavam consigo vários documentos referentes ao descaso no atendimento no hospital. Em junho de 2023, saiu a sentença condenando o município de Baturité a pagar o valor de R$200 mil, sendo R$100 mil para a mãe e R$100 mil para o pai, por danos morais. A Prefeitura ainda pode recorrer da decisão no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), mas a indenização representa uma grande vitória ao direito dos pais.
A defensora Ticiana Meira faz ainda um alerta sobre a importância de um pediatra de plantão no município. “Eu acho que o mais importante, além da justiça pra família, é a gente mostrar pro município que a gente precisa ter uma equipe qualificada de plantão para que essas coisas não ocorram, nem que uma família seja tão prejudicada com a perda de uma criança, nem que a criança sofra tanto com dor sem ter o devido atendimento e até mesmo para que o município não sofra com o prejuízo dessas indenizações, pela ausência de um médico especialista no plantão”, conclui.