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“A produção da prova de reconhecimento precisa ser revista”, afirma consultora jurídica e doutora em Direito Janaína Matida

“A produção da prova de reconhecimento precisa ser revista”, afirma consultora jurídica e doutora em Direito Janaína Matida

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Como primeiro ato do seminário “Reconhecimento de pessoas no processo penal”, ocorrido na manhã desta sexta-feira (20/10) na sede da Defensoria Pública em Fortaleza, a doutora em Direito e consultora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Janaína Matida, afirmou que “a produção da prova de reconhecimento precisa ser revista.”

Segundo ela, não é mais aceitável a condenação com base na identificação do “culpado” exclusivamente pelo testemunho da vítima. “Nossa Constituição não faz distinção de raça, gênero ou classe social para presunção de inocência. Mas quando a gente olha para a produção de provas, a gente vê que uns têm presunção de inocência enquanto outros têm presunção de culpa. E isso é uma crueldade tanto com a pessoa inocente que é acusada quanto com a vítima, porque o verdadeiro culpado continua solto”, afirmou.

Para Janaína, a busca por uma pretensa “verdade” já permitiu que muitas injustiças fossem cometidas, sendo a população negra e pobre a mais afetada por sentenças decorrentes de procedimentos equivocados. “A prova de reconhecimento depende da memória humana. E quem estuda memória não é o operador do Direito. É o psicólogo de testemunho e o neurocientista. Então, como vamos continuar com o Ministério Público acusando e o juiz decidindo com base em memória humana? Temos é que ouvir psicólogos e neurocientistas para saber como lidar com a produção da prova de reconhecimento”, defendeu.

Matida alertou que diversos fatores influenciam a vítima na identificação de culpado(s). Como exemplo, citou: o local do crime, a iluminação do lugar, os níveis de stress, a demora entre o ocorrido e a realização do reconhecimento, e o chamado “efeito da raça diferente”, que é a dificuldade natural de qualquer ser humano de identificar alguém pertencente a uma raça/cor diferente da sua – algo que, em sociedades nas quais o racismo é estrutural, como é o caso do Brasil, isso é potencializado.

“Quando não consegue produzir uma prova de reconhecimento da forma que deveria, com os procedimentos corretos, o Estado erra. E erra porque é de responsabilidade dele fazer isso. Então, nós não podemos ver o reconhecimento como protagonista, como ainda é. O reconhecimento não pode ser o único meio para condenar ninguém. Nossa sociedade pune muito. Temos que punir de forma mais racional”, finalizou Janaina Matida.

 

 

Coordenadora científica do seminário, a defensora Patrícia Sá Leitão, atuante nos tribunais superiores, em Brasília, destacou que distorções e equívocos acontecem em todo o Brasil e precisam ser enfrentados teórica e epistemologicamente. “Por isso, é importante que a Defensoria Pública ocupe todos os espaços, porque só assim vamos levar o olhar dos invisibilizados aos tribunais. Nós temos que combater a criminalização da pobreza.”

Já as debatedoras do evento, as defensoras Lara Teles e Ana Raísa comentaram aspectos das falhas no reconhecimento. “A vítima é muito usada no processo pelos punitivistas para reforçar os próprios erros do processo. Mas é como costumo dizer: não se faz justiça prendendo inocentes. E mesmo depois de provada a inocência a injustiça não acaba, porque a pessoa acusada fica socialmente etiquetada”, disse Teles, autora de livros sobre o assunto.

“Não importa se a intenção é a melhor possível na hora da produção da prova do reconhecimento, seja por parte da vítima ou mesmo da Polícia. Se não são observadas regras básicas, o resultado não vai ser o ideal. Muitas vezes, a vítima faz o reconhecimento tendo o olhar contaminado por fatores externos”, acrescentou Raísa, enaltecendo pretos e pobres como alvos majoritários dos “erros” desta natureza.

Diretora da Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP), Amélia Rocha ressaltou a relevância da atuação da DPCE para combater frontalmente esse tipo de situação. “Nós temos o dever de ser a contracorrente! Nós convivemos com séculos de injustiças naturalizadas e não estamos aqui para reproduzir decisões que excluem. Então, que a Defensoria seja mais forte e não esqueça da sua razão de existir, que são as pessoas vulnerabilizadas”, pontuou a defensora.