
Baixo conhecimento da população sobre direitos humanos reforça como atuação da Defensoria é essencial
TEXTO: Bruno de Castro
ILUSTRAÇÃO: Diogo Braga
O Brasil que registrou 803 mil violações de direitos humanos somente no primeiro trimestre de 2023 é o mesmo país no qual 61% da população sabe pouca coisa, nada ou quase nada sobre direitos humanos. Conjugadas, as estatísticas do Governo Federal e do Instituto Ipsos mostram o quão necessária é a Defensoria para a melhoria de vida das pessoas mais vulnerabilizadas, pois são elas as que mais desconhecem os próprios direitos.
Por isso, com a proximidade dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, comemorados no próximo domingo (10/12), é urgente reforçar: todo mundo tem direito a ter direitos. “Existe um desconhecimento do que são direitos humanos, mas também um desconhecimento geral dos próprios direitos. Muitas vezes, a pessoa até ouviu falar que tem um direito mas não sabe os meios e mecanismos pra exercer esse direito. E isso é tão grave quanto, porque resulta numa desigualdade tremenda”, avalia a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), Mariana Lobo.
Ela testemunha, dia após dia, as demandas de Fortaleza aumentarem de forma exponencial. Em 2022, foram 2.176 atuações entre 1º de janeiro e 6 de dezembro. No mesmo período deste ano, o total de procedimentos foi de 3.558. Um crescimento de 63% apenas na capital cearense. “Eu tenho cada vez mais convicção de que o atendimento da Defensoria tem que ser multifacetário, com defensor, psicólogo e assistente social. São aspectos que se somam. Porque, às vezes, a pessoa chega tão fragilizada que precisa de uma escuta qualificada e que aponte políticas públicas intersetoriais para os direitos desse assistido serem assegurados”, acrescenta a defensora.
Para Mariana Lobo, a compreensão equivocada que muitas pessoas têm sobre direitos humanos, associando a algo como “direito de bandido” ou exclusivamente a ações contra tortura policial, impede que a sociedade assimile o entendimento de que, na verdade, se trata da perspectiva de colocar em prática a máxima “todos são iguais perante a lei”. Isso, ela reforça, implica em acesso à educação, à saúde, à proteção de crianças e adolescentes, no socorro da mulher vítima de violência e tantos outras questões fundamentais à dignidade de qualquer ser humano.
“Como há pouco entendimento sobre o que sejam direitos humanos, as políticas públicas também não são prioritárias. Isso cria um ciclo vicioso de desequilíbrio e desconhecimento que faz a gente questionar: a quem interessa que as pessoas não saibam dos próprios direitos? Não conhecer é fazer com que a população não tenha o empoderamento do exercício daquele direito. Se eu não compreendo, eu não exerço. A quem interessa isso?”, indaga Mariana Lobo.
A supervisora exemplifica: “nós já recebemos caso de uma mãe que tirou o filho de uma creche porque o garoto foi vítima de uma violência e ela queria saber qual era o direito dela. Ela sabia que o filho não podia ter passado por isso, mas não sabia dar nome a isso. A gente explicou que não se tratava só da proteção do filho dela, mas também do direito à educação, a um atendimento psicossocial etc. Ou seja: ela chegou achando que a violação era uma só, a gente enxergou uma série de outras e, consequentemente, de diversos direitos que ela tem e não fazia a menor ideia.”
Entender isso significa ser educado sobre os próprios direitos, algo que as defensorias também têm como missão. No caso da DPCE, a Escola Superior da instituição promove atividades internas e externas para membros e sociedade civil. Nas palavras de Amélia Rocha, “abre-se o Direito pra que ele seja pautado por e para todas as pessoas.”
Ela reflete: “o direito é uma produção do Estado. De um Estado que foi feito tradicionalmente por quem tem o poder, que é uma parcela pequena da população e concentra esse poder em injustiças sociais. Então, quando nós falamos em direitos humanos, nós falamos que todas as pessoas têm que ter acesso ao mesmo poder, independente de raça, classe e gênero. Estamos falando de ir contra uma realidade que existe estruturalmente na sociedade e se contrapõe ao objetivo do Artigo 3º da nossa Constituição Federal, que é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”
Amélia defende que o Direito não pode ser algo imposto e sim construído diante da diversidade social em todas as suas matizes. “Falar em educação em direitos humanos é falar, sobretudo, no direito de que cada povo, cada pessoa, cada grupo possa ser o melhor que pode ser. E isso não significa tirar o direito de ninguém. A educação em direitos humanos é a demonstração de que o Direito não serve só pra aplicar a força do Estado, mas é instrumento para direcionar a força do Estado para a efetivação do direito de todos”, conclui.