
Famílias superam tragédias e lutam para garantir direitos da orfandade; histórias se cruzam no mutirão Abraçar
TEXTO: DEBORAH DUARTE
FOTOS: DEBORAH DUARTE E GIULLIAN RODRIGUES
A vida dos gêmeos Arthur e Lorenzo, de 7 anos, teve um início marcado por perdas dolorosas. Quando tinham pouco mais de um ano, perderam o pai, vítima de um assalto. Meses depois, no dia do batizado, a mãe faleceu tragicamente em um afogamento. Com essas perdas, a família precisou unir forças para cuidar das crianças e proporcionar um lar seguro e amoroso.
Diante da nova realidade, as tias paternas das crianças, Vangerlânia Rodrigues e Angela Maria Rodrigues Pereira, decidiram assumir a criação dos sobrinhos. Em um acordo familiar, cada uma ficou responsável por um dos meninos, estabelecendo uma rotina de cuidados e proximidade para que eles mantivessem o vínculo de irmãos.
Hoje, aos sete anos, Arthur e Lorenzo sabem que são irmãos, mas ainda desconhecem a complexidade da dor e dos desafios que marcaram o início de suas vidas. Para as tias, no entanto, o compromisso com a felicidade e segurança dos meninos sempre foi prioridade, e o desejo de formalizar essa responsabilidade as levou a buscar a força tarefa da Defensoria Pública do Estado do Ceará, que visa regularizar a guarda de crianças e adolescentes que ficaram órfãos e estão sob a responsabilidade de outros familiares. Trata-se do mutirão Abraçar acontece até esta quarta-feira (06.11).
Durante o atendimento, a família foi surpreendida ao saber que o caso dos gêmeos poderia ser resolvido através da adoção. A notícia foi recebida com emoção por todos, pois, ao final do processo, os nomes das tias constarão nas certidões de nascimento das crianças, dando-lhes a segurança de um lar definitivo e o reconhecimento oficial desse vínculo de afeto.
“Analisando aqui a história da família compreendemos que o melhor instrumento jurídico para dar entrada na ação é a adoção. Vamos entrar com dois processos, para que cada tia adote uma das crianças, porque elas já criam os sobrinhos como filhos. Eles as chamam de mãe, o marido de uma delas é reconhecido como pai, os outros filhos veem as crianças como irmãos. Então, já criou um relacionamento, paternidade e maternidade socioafetiva. Na adoção, as crianças vão se tornar formalmente filhas daquelas pessoas, e acreditamos que essa é a melhor ação judicial para o caso. Elas passaram a cuidar deles quando ainda eram bebês, tanto que uma das crianças nem sabe da complexidade da história de vida. A família optou em contar melhor depois, com apoio adequado, e a conclusão desse processo vai representar um renascimento diante de tantos desafios”, explica a defensora pública Noêmia Landim, supervisora do Nadij.
Vangerlania e Angela celebram cada etapa vencida, na esperança de que, um dia, os meninos compreendam o amor e a dedicação que estiveram por trás de cada decisão tomada. “Eu não sei nem te explicar o que estou sentindo agora, porque quando eles eram bebês e o meu irmão levava as crianças pra gente conviver, eu já ficava com aquela angústia no coração quando eles tinham que ir embora. Apesar da tragédia de ter ficado sem mãe, sem pai, eles são uma alegria imensa, sinto um amor absurdo, porque eu não tenho filhos, e eu me apeguei. O amor é imensurável. Eu acho que Deus já havia preparado a gente para essa situação, porque nessas idas e vindas deles, fomos nos apegando e amando cada vez mais”, relata Ângela Maria Rodrigues Pereira.
“Eu estou muito feliz. É o meu maior sonho se realizando. É o presente de aniversário do meu marido e significa um recomeço para toda família. Ele é tão pequeno e não sabe da responsabilidade que tem de nos levar nas costas, por conta do luto. É uma emoção muito grande para a família, porque são histórias dolorosas, a família sofreu muito e é um fôlego novo que se dá em uma nova etapa”, revela Vangerlania emocionada.
Ao todo, 58 inscrições foram feitas e os atendimentos presenciais aconteceram nesta terça (05), quando 19 pessoas compareceram na ação, e seguem na quarta-feira (06). Na edição do ano passado, 50 pessoas foram beneficiadas pela força-tarefa. O Abraçar é promovido em parceria com a Articulação em Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19 (Aoca) e os atendimentos ocorrem na estrutura de carreta da Defensoria que está estacionada em frente ao Núcleo da Infância e da Juventude (Nadij), localizada no bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza. Neste primeiro dia da ação participaram os defensores públicos: Danilo Neves, Susana Pompeu, Noêmia Landim, Mylena Reginaldo e Carolina Chaib.
Estão sendo atendidos casos de crianças e adolescentes que perderam pai/mãe para a violência urbana; as mães foram vítimas de feminicídio; pai/mãe morreram em decorrência de doenças graves; foram informalmente adotadas por outras famílias e nunca regularizaram a situação; e foram criados por parentes e desejam sair da informalidade.
A professora Ângela Pinheiro, da AOCA, acompanhou os atendimentos e auxiliou nos encaminhamentos multidisciplinares junto a equipe psicossocial. “Nós estamos aqui com imensa alegria dando prosseguimento a uma parceria maravilhosa com a Defensoria Pública para cuidar de uma das dimensões da orfandade, que é a representatividade legal, ou seja, guarda, tutela ou adoção. A primeira edição do mutirão foi no ano passado, com foco em atender órfãos da Covid e esse ano o público se ampliou e é assim que deve ser. Qualquer criança e adolescente que precise regulamentar a guarda, o lugar é esse. E aí, além do atendimento com um dos defensores, nós estamos aqui, a Aoca, mobilizados com psicólogos e assistentes sociais para fazer o atendimento psicossocial. Na verdade, um apoio, um acolhimento para que os encaminhamentos se dêem nas demandas individualizadas. É assim que a gente entende que deve ser, é assim que a gente vai prosseguir, porque essas crianças e adolescentes precisam ser atendidas da melhor forma possível”, destacou Ângela.