
Encontro para familiares de pessoas desaparecidas acolhe histórias de dor e esperança na Defensoria
Texto: Amanda Sobreira
Foto: Giúllian Rodrigues
“O que foi que fizeram com meu filho? Onde ele está? Vivo? Morto? Espancaram? Mataram? Eu não sei mais o que fazer.” As perguntas atravessam a vida de quem vive a angústia de não ter respostas.
Há seis meses, Natanael Santos de Oliveira, de 21 anos, desapareceu. A última imagem conhecida pela família é dele chegando em Fortaleza, no dia 3 de janeiro deste ano, vestindo uma blusa vermelha, calça azul e com uma mala roxa. Tudo registrado pelas câmeras de segurança da rodoviária de Fortaleza. Desde então, a mãe, a avó e as filhas de Natanael vivem entre a esperança de encontrá-lo e a angústia de nunca mais vê-lo. “Ele me ligava duas, três vezes por dia. Pedia a benção, fazia graça. Ele me ligou dizendo que tinha chegado em Fortaleza para ir ao Icaraí comemorar o aniversário de uma das filhas. Mas ele recebeu uma ligação, fez uma parada no caminho e desapareceu. A dor maior é que a gente não sabe o que aconteceu. Quando morre, a gente enterra, mas eu não sei”, desabafa a avó Francilene Ena.

Foi a primeira vez que Francilene participou do encontro das Mulheres de Fé com Esperança. Grupo formado através da articulação da Defensoria Pública do Ceará, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Neste sábado (05/07), o encontro aconteceu no auditório da Defensoria Pública. Um momento para acolher, mas também para fortalecer as famílias para que nenhuma história seja esquecida.
“Esse momento é para escutar as famílias, para que elas possam trazer aqui as dores, as angústias, e para que possamos debater como a política pública de assistência pode ser aprimorada. É uma forma de trabalhar, de forma mais efetiva, o resgate do fortalecimento de todos vocês”, explicou a defensora pública Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos.
Uma pessoa é considerada desaparecida quando seu paradeiro é desconhecido pelos familiares ou quando, com base em informações confiáveis, é declarada desaparecida por alguma autoridade competente. Conflitos familiares, transtornos mentais, uso de álcool ou outras drogas e a violência são as principais causas dos desaparecimentos.
A Defensoria acompanha casos como o de Lizângela Rodrigues da Silva Nascimento, de 39 anos, desaparecida desde janeiro de 2023. Ela é tia de Mizael Rodrigues, adolescente de 13 anos morto dentro de casa durante uma ação policial em Chorozinho, em julho de 2020. Lizângela era testemunha ocular do crime mas, mesmo sob ameaças, ela se desligou do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e voltou para Fortaleza. Desde então, ninguém mais a viu.

“O caso do Mizael chamou muita atenção e a Lizângela ficou na mira de quem estava envolvido com o crime do meu filho. Não conseguimos rastrear o telefone dela, não conseguimos o uso de cães farejadores. Ela saiu da casa dela e não voltou mais. Eu vivo com muitas dores. Perdi meu filho e perdi minha irmã”, relata Leydiane Rodrigues.
Para o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), o trabalho com famílias de pessoas desaparecidas parte de um princípio que atravessa qualquer conflito: a humanidade. Daniel Mamede, assessor do programa de proteção para Pessoas Desaparecidas e Suas Famílias do CICV, explica a importância dessa rede de apoio para articulação das famílias
“O CICV potencializa diálogos, junta as pontas, mas quem acolhe de verdade são as instituições como a Defensoria Pública que conhece cada história e encaminha as famílias para o que precisam. É um trabalho de formiguinha, lento às vezes, mas sólido. Quando a gente faz encontros como este, vê famílias que não se conheciam se fortalecendo, dando força umas às outras, partilhando suas histórias. São passos pequenos, mas são passos que mudam vidas”, diz.
Saiba mais
Em 2024, o Brasil registrou cerca de 70 mil pessoas desaparecidas, mas existe um número muito alto de subnotificações. A 12ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoas, localizada no bairro de Fátima, é a unidade especializada em investigar casos de desaparecimento na capital. Só no ano passado, a Polícia Civil do Estado conseguiu localizar 1.111 pessoas que estavam desaparecidas em Fortaleza, entre janeiro e dezembro de 2024. Em 2023, 933 pessoas foram encontradas.
Quem tiver informações sobre desaparecidos pode registrar um Boletim de Ocorrência presencial ou online, na Delegacia Eletrônica, com o máximo de detalhes possíveis e uma foto recente. Já na Região Metropolitana e no interior, as ocorrências são apuradas pelas delegacias de cada área. A Defensoria Pública do Ceará atua no auxílio a famílias de pessoas desaparecidas, oferecendo suporte jurídico e psicossocial, além de participar de ações e campanhas de conscientização sobre o tema.