 
			“Vivendo por Viver”: música marca tragédia entre irmãos e absolvição no Tribunal do Júri
TEXTO: DEBORAH DUARTE
ILUSTRAÇÃO: DIOGO BRAGA
Era para ser apenas uma noite comum, marcada pela disputa trivial entre irmãos sobre o que ouvir na sala: um queria assistir a um filme, o outro insistia em deixar tocar a música que embalava sua juventude. Do rádio, ecoava a canção Vivendo por Viver, de Zezé Di Camargo & Luciano. Mas, em segundos, a vida da família mudaria para sempre.
Em um pico de raiva, o irmão mais novo, então com 21 anos, desferiu uma única facada perto da clavícula do irmão mais velho, de 24 anos. O golpe foi fatal. O rapaz que ouvira sua música preferida minutos antes correu desesperado para socorrer o irmão, mas ele não resistiu. Naquele instante, uma tragédia se instalou no lar e passou a acompanhar toda a família pelos 11 anos seguintes.
Foi esse caso doloroso e humano que chegou ao Tribunal do Júri no dia 1º de outubro de 2025, em Itapipoca, marcando também a estreia da defensora pública recém-empossada, Pâmela Copetti Ghisleni. O acusado chegou a permanecer preso logo após o crime, mas foi colocado em liberdade provisória. Ainda assim, enfrentou um processo judicial que se arrastou por 11 anos e 6 meses até a realização do júri popular.
No plenário, a Defensoria Pública sustentou três linhas centrais de argumentação. A primeira delas foi a irracionalidade humana, destacando que o ser humano não age apenas de forma lógica ou calculada, mas também sob emoções intensas e repentinas. Nesse ponto, ganhou relevo o depoimento da mãe, que afirmou ter vivido um duplo luto: primeiro pela morte de um filho e, depois, pela perda simbólica do outro, que passou a carregar o peso da tragédia.
A segunda tese foi a da desnecessidade da pena, considerando que o réu, chamado carinhosamente de Tião, não representava perigo à sociedade. Nunca deixou de ser um homem sensível: escreveu diários, tornou-se cantor e, até hoje, encontra na música uma forma de seguir vivendo. Primário, sem antecedentes criminais, de boa índole e com vínculos familiares sólidos, ele havia reconstruído sua vida mais de uma década após os fatos.
Por fim, a defensora destacou a influência da performance de masculinidade tóxica na formação de muitos jovens, apontando como padrões culturais levam homens a resolver conflitos de forma violenta, mesmo sem intenção de causar desfechos tão graves. “Como estratégia subsidiária, também foi apresentada a tese da clemência, que busca sensibilizar os jurados diante da desproporção de uma eventual condenação”, pontuou a defensora pública.
Por 5 votos a 2, o Conselho de Sentença absolveu Tião, pondo fim a um processo que o acompanhava desde os 21 anos de idade. Mais do que um veredito, foi a chance de uma família seguir em frente, sem a sombra da condenação, mas com a lembrança eterna de tudo que se perdeu naquela noite. O Ministério Público, ao reconhecer a solidez da decisão, abriu mão do direito de recorrer, garantindo a definitividade da sentença absolutória. Assim como a música que deu nome à tragédia, Tião segue vivendo por viver. Mas agora, depois da absolvição, pode finalmente sonhar em viver para recomeçar.
 
        