Júri de Monsenhor Tabosa absolve indígena Tabajara com defesa da Defensoria Pública
Texto: Ana Paula Lopes
“Quando ouvi essa palavra “absolvido”, caí. Caí de joelho e só comecei a chorar”. A última quinta-feira, 6 de novembro, ficou marcada na vida de Valdene Nascimento De Melo quando recebeu, do Tribunal do Júri de Monsenhor Tabosa, a sentença de absolvição.
Indígena Tabajara da Serra das Matas, morador da comunidade Olho d’Água, aguardava o julgamento em liberdade pela acusação de homicídio ocorrida no ano de 2020. A Defensoria Pública do Ceará assegurou o direito ao contraditório e demonstrou, de forma consistente, que Valdene agiu em legítima defesa, tese acolhida pelo Conselho de Sentença, com decisão do juiz de direito, Sérgio da Nóbrega Farias, que declarou a improcedência da denúncia.
Valdene compartilhou o alívio. “Fiquei perguntando ao juiz se eu poderia ir pra casa, se eu poderia sair, se eu não ia ficar ali. Graças a Deus, Deus honrou a gente e toda glória é dada a nosso pai Tupã. Mesmo assim, não deixei que ninguém comemorasse nada, pois me ponho no lugar da outra família que sente essa dor. É uma coisa que eu não desejo pra ninguém, estar no meu lugar e nem no lugar da outra família, que teve uma perda. Esse processo foi feito com a verdade, sem mentiras, sem passar por cima de ninguém. Tirei um peso das costas a respeito do processo, mas essa situação vai andar comigo pro resto da minha vida”, compartilha.
Conforme apresenta o Código Penal Brasileiro, a absolvição por legítima defesa ocorre quando se comprova que o réu agiu para impedir uma agressão, levando ao reconhecimento de que o ato não foi criminoso. O defensor público Alan José Couto de Morais atuou no processo juntamente com o defensor Victor Matos Montenegro. Ele esclarece que primariedade do réu junto com sua conduta ilibada na cidade e dentro de sua comunidade foram determinantes para o resultado.
“Tive a oportunidade de conhecer um pouco mais da realidade de vida do acusado. Me preparei vendo de perto como era sua vida dentro da comunidade, um diálogo feito com apoio do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza (CDPDH). Então, conversei com o Valdene, com sua mãe, demais familiares e moradores da comunidade. Isso também ajudou muito na defesa. Conseguimos demonstrar sua integridade, homem que sempre respeitou suas origens indígenas e trabalhava honestamente como agricultor. Durante o júri, ele falou com muita sinceridade para todos os jurados que nunca desejou a morte da vítima o que, junto aos relatos das testemunhas foram pontos decisivos, sendo assim explorado pela defesa a conduta de total honestidade e o merecimento da absolvição”, afirmou o defensor público.
“Minha mãe é liderança tradicional do povo Tabajara e pude ver a alegria dela e das pessoas das aldeias, dos nossos parentes, dos amigos, com a minha liberdade e com o fato de que finalmente esse processo terminaria. É pela nossa história! A história da nossa família, de nunca ter passado por nada parecido com isso. Por esse tempo, vivia apreensivo do que poderia acontecer, mesmo tendo certeza da minha ação em legítima defesa, é natural sentir medo. Entrei em depressão. Minha vida parou. Agora é recomeço, dar continuidade à minha vida, recuperando minhas coisas aos poucos, minha paixão pelos animais, cavalos, as coisas que gosto. Voltei do meu trabalho. No outro dia já fui trabalhar feliz em estar de volta e sem temer que em algum momento uma viatura pudesse aparecer para me levar. Minha comunidade e minha casa é o meu lugar seguro”, destacou Valdene.
A absolvição é uma decisão importante porque representa a garantia de contraditório e direito à defesa. “É um ato que assegura o cumprimento efetivo da justiça e da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos”, ressaltou o defensor público.


