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Ouvidoria completa 15 anos com quase 40 mil atendimentos; órgão foi gerido apenas por pessoas negras

Ouvidoria completa 15 anos com quase 40 mil atendimentos; órgão foi gerido apenas por pessoas negras

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Ilustração/Infográficos: Valdir Marte

Criada pela Lei Complementar nº 91, de 20 de dezembro de 2010, a Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Ceará (DPCE) completa 15 anos em 2025. Nesta primeira década e meia de existência, o órgão registrou mais de 38 mil atendimentos e teve oito gestões lideradas por cinco pessoas negras. Todas elas com atuação em movimentos sociais e eleitas para o cargo por indicação e voto dessas organizações.

À época da criação da Ouvidoria na DPCE, Francilene Gomes era a defensora geral e presidia o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege). Como apenas a Defensoria dos Estados de São Paulo e da Bahia contavam com ouvidores, ela lembra, mobilizações começaram a ser encabeçadas pelo Condege e pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) em prol da abertura de novos órgãos pelo país.

“Nós sempre tivemos uma conexão muito forte com os movimentos, porque a gente acredita que essa é uma característica importante da Defensoria. Com essas articulações pelo Brasil, o Ceará foi o terceiro estado a formalizar. E fez isso de uma forma muito democrática. Nós levamos a demanda pro Conselho Superior, amadurecemos o debate diante de algumas resistências que surgiram e conseguimos aprovar a criação já definindo os critérios para inscrição no edital de eleição”, recorda Francilene.

Além da Defensoria do Ceará, a Defensoria dos Estados de Mato Grosso (DPMT), Acre (DPAC) e Rio Grande do Sul (DPRS), além do Distrito Federal (DPDF), criaram ouvidorias em 2010. Até hoje, esse foi o ano de maior expansão do setor. Por aqui, a novidade foi bem recebida pelos movimentos sociais, que participaram ativamente do processo de escolha da primeira pessoa eleita para o cargo: a bibliotecária Virgínia Ferreira.

“Nós tivemos mais de dez candidaturas inscritas para a primeira eleição. Por falta de documentação, algumas não foram formalizadas, mas acho que até hoje a Defensoria nunca teve tantos pedidos de candidaturas como daquela vez. Era um período no qual havia muita participação popular no Brasil porque aconteciam muitas conferências. Então, tinha uma efervescência muito grande dos movimentos sociais. E a gente queria que esses movimentos conhecessem melhor a Defensoria e participassem do processo eleitoral para que a Defensoria se fortalecesse e ofertasse um bom serviço. Houve, inclusive, um seminário na Faculdade de Direito com a participação de mais de mil líderes, representantes e integrantes de movimentos sociais. Foi uma quebra de paradigma”, avalia Francilene Gomes.


HISTÓRIA E EXPANSÃO

Atual ouvidora geral da DPCE, a historiadora e quilombola Joyce Ramos acredita que o setor se fortaleceu desde 2010, consolidando-se como estratégico para a instituição no que tange às articulações com os movimentos sociais. Ela destaca, sobretudo, a expansão das possibilidades de atuação, pois o setor deixou de ser um espaço para registro de sugestões e reclamações e tornou-se lugar de atuação política.

“A Ouvidoria tem uma história e, por isso, a gente pode sempre pensar em ampliar cada vez mais a atuação para, assim, chegar em mais e mais pessoas. Olha o quanto a gente já cresceu! E foi assim porque entendeu-se a possibilidade de o órgão colaborar com a criação de políticas públicas internas e externas, e de promover a participação popular no dia a dia da Defensoria. Se não fosse isso, nós seríamos um espaço meramente burocrático”, afirma.

Por isso, Joyce planeja a criação de uma espécie de conselho consultivo para fortalecer as construções coletivas da DPCE. O grupo seria formado por representantes de movimentos sociais cearenses de diversas áreas e acionado tão logo surgisse alguma pauta estrutural ou de caráter coletivo dentro e fora da Defensoria. Discutiria as causas e emitiria avaliações no sentido de aprimorar as propostas.

“A gente não pode se fechar em um determinado público. Eu sou ouvidora de todos movimentos e de todas as pessoas que procurarem a Ouvidoria. E quero alargar cada vez mais isso, porque nosso público dificilmente nos procura para resolver demandas de uma só área. Em geral, são questões acumuladas e que variam conforme a realidade do estado”, afirma, enaltecendo o fato de a DPCE ter recuperado, em 2023, assento no Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP) após hiato de quase três anos.

Para ela, o CNODP é um espaço rico de trocas e já rendeu frutos importantes para a Defensoria do Ceará. “O Orçamento Participativo daqui inspirou a criação do OP em Goiás a partir de um intercâmbio proporcionado pelos encontros do Conselho. A gente apresentou a metodologia daqui, encaminhou questões legislativas e eles lá nos tiveram como referência. Porque é isso: todos nós vemos o que está dando certo nas outras ouvidorias e tentamos aplicar às nossas realidades”.


SENSIBILIDADE E EMOÇÃO

Membro da equipe da Ouvidoria da DPCE desde 2018, Girlene Martins fica na linha de frente dos atendimentos. Nestes oito anos no setor, já acolheu casos de toda natureza e garante: “a gente se sensibiliza muito. Se emociona mesmo! Quando a gente não consegue ajudar, porque a Ouvidoria tem limites de atuação, a gente dorme com aquilo na cabeça”.

Girlene trabalhou com quatro dos cinco ouvidores da DPCE. Ou seja: viu muita coisa se transformar com o tempo, especialmente o modo como as demandas chegam. Se no início de tudo, 15 anos atrás, era o atendimento presencial que prevalecia, hoje não é mais. A procura maior é pelas plataformas on-line, sobretudo pelo WhatsApp. Somente de janeiro a julho deste ano, 3.631 ocorrências foram registradas.

“Quando entrei, éramos só duas atendentes. Estamos hoje em seis pessoas. Cada novo gestor expandiu um pouco o serviço até chegarmos ao que temos atualmente e a gente também ensinou um pouco pra esse gestor como tudo funciona, porque ele está aqui aprendendo, da mesma forma que nós estamos. É sempre um aprendizado”, pontua Girlene.

A atendente integra os quadros da Defensoria há 15 anos. Antes da Ouvidoria, atuava no Fórum Clóvis Beviláqua e coleciona muitas histórias. “As pessoas nos chegam sempre cansadas, porque já receberam muitos “nãos” de outros órgãos e esperam da gente um “sim”. Isso exige da gente uma sensibilidade maior. Mas, sinceramente, na maioria das vezes, essas pessoas só querem ser ouvidas. Conversando, a gente resolve muita coisa”, sintetiza.