Casos recentes reforçam urgência no combate à violência contra as mulheres
TEXTO: DEBORAH DUARTE
ARTE: DIOGO BRAGA
Até o dia 10 de dezembro, o Brasil participa da campanha internacional 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, movimento que busca fortalecer mecanismos de proteção e ampliar o acesso das vítimas a serviços essenciais. A mobilização acontece em um cenário de grande comoção: nos últimos dias, episódios brutais de violência doméstica e feminicídio ganharam destaque na imprensa e reacenderam o alerta sobre a urgência de respostas efetivas da sociedade e do poder público.
No Recife, uma mulher e quatro crianças, seus filhos de 1 a 7 anos, morreram carbonizadas após o companheiro atear fogo na residência da família. Em São Paulo, uma jovem de 31 anos foi atropelada e arrastada por um quilômetro pelo ex-namorado, resultando na amputação de ambas as pernas. Ainda na capital paulista, uma mulher foi surpreendida na barraca onde trabalhava e alvejada cinco vezes pelo ex-parceiro. No Ceará, uma jovem de 24 anos relatou em uma rede social a superação de um relacionamento abusivo. Horas depois, foi assassinada pelo ex-namorado.
Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, as tentativas de feminicídio aumentaram 26% em 2024. Entre janeiro e setembro de 2025, mais de 2,7 mil mulheres sobreviveram a ataques com intenção de matá-las. Outras 1.075 perderam a vida.
A Lei Maria da Penha, em vigor há 19 anos, é um dos mais robustos marcos legais de enfrentamento à violência doméstica. Ainda assim, especialistas reforçam que nenhuma legislação evolui sozinha: é preciso que a sociedade se transforme junto.
Para a defensora pública Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem), o momento exige reflexão coletiva. “A cada semana, novas histórias de violência chocam o país, e não podemos nos acostumar com isso. É urgente transformar a cultura e os comportamentos que ainda toleram, minimizam ou justificam a violência contra a mulher. A redução desses números depende de mudança social profunda, de responsabilização efetiva e de políticas públicas que garantam acolhimento e proteção. Não podemos naturalizar o que destrói vidas. Enquanto naturalizarmos a violência, continuaremos produzindo tragédias”, afirma defensora pública”
A Defensoria Pública do Estado do Ceará integra essa rede de proteção em diversas regiões. Além da Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza, a instituição possui atuação especializada no Nudem Cariri (Crato) e na Casa da Mulher Cearense, em Juazeiro do Norte, Quixadá e Sobral. Esses espaços garantem atendimento multidisciplinar, articulação com diversos serviços e um ambiente seguro para denúncias, medidas protetivas e orientação jurídica.
De janeiro a outubro deste ano, esses equipamentos realizaram 14.066 atendimentos a mulheres vítimas de violência doméstica. Somente em outubro, foram mais de 1.678 procedimentos, reforçando o compromisso da Defensoria em ampliar o acesso à justiça.
Depois do feminicídio, como ficam as famílias?
A Lei do Feminicídio (13.104/2015) qualifica o homicídio praticado contra mulheres por razões de gênero. Mas, após o crime, há outra pergunta fundamental: quem acolhe quem ficou? Muitas vítimas são mães de crianças e adolescentes que, de um dia para o outro, perdem suas referências afetivas, suas casas e sua estrutura familiar. Para essas famílias, a Defensoria Pública oferece atendimento pela Rede Acolhe, projeto que reúne uma série de encaminhamentos jurídicos, psicossociais e sociais.
Na assistência social, o atendimento envolve atualização do CadÚnico, encaminhamento para programas de transferência de renda e solicitação de benefícios eventuais. Na saúde, inclui desde o acesso às Unidades de Atenção Primária até o acompanhamento psicossocial no CAPS Infantil, já que as crianças frequentemente apresentam impactos emocionais e físicos.
O defensor público Muniz Freire, que atua na Rede Acolhe, destaca a extensão desse sofrimento. “O feminicídio não termina no momento do crime. Ele deixa um rastro de dor que atravessa gerações. Crianças e familiares precisam reconstruir a vida em meio à ausência da mãe, a mudanças bruscas de rotina e, muitas vezes, a perdas sucessivas. Não é raro que o impacto emocional leve a adoecimentos profundos. Nosso papel é garantir que essas famílias tenham suporte integral para seguir adiante.”
Ele também chama atenção para um ponto pouco debatido. “Quando um feminicídio acontece, o foco costuma ser apenas o processo criminal, se o autor foi preso, se vai responder pelo crime. Mas e depois? Como ficam os filhos? Quem os acompanha? Como enfrentar o luto e a ruptura familiar? Esse universo é pouco discutido, e é justamente aí que a Defensoria tem feito a diferença. A família quer justiça, mas também precisa fechar um ciclo e encontrar caminhos para recomeçar.”
Como buscar atendimento na Defensoria?
O atendimento especializado do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, em Fortaleza, funciona dentro da Casa da Mulher Brasileira, reunindo diversos órgãos em um único espaço e facilitando o acesso das vítimas. A maioria das mulheres que chega ao Nudem apresenta múltiplas demandas. Entre os procedimentos mais frequentes estão pensão alimentícia; guarda de filhos; divórcio; queixa-crime; medidas protetivas; reconhecimento ou dissolução de união estável.
NÚCLEO DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER – NUDEM
Horário de funcionamento: de 8h às 12h e de 13h às 17h
Endereço: R. Tabuleiro do Norte, s/n, Couto Fernandes (Casa da Mulher Brasileira) – 60442-040 – Fortaleza
Telefone(s): (85) 3499-7986 / (85) 9.8976-5882 (somente para ligações)
Rede Acolhe
Endereço: Av. Desembargador Moreira,2930 – 3º andar -Prédio da Procuradoria da Mulher – – Fortaleza. Telefone(s): (85) 3191.5058 – (85) 98895-5723 (ligação e WhatsApp) O atendimento é de segunda a sexta, das 8h às 17h.



