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172 pessoas trans e travestis recebem novas certidões de nascimento com nome e gênero modificados em Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte

172 pessoas trans e travestis recebem novas certidões de nascimento com nome e gênero modificados em Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte

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Por dia, mais de sete mil pessoas nascem no Brasil. Nessa quinta-feira (30/6), 172 delas foram dadas à luz em estruturas da Defensoria Pública Geral do Ceará. Gabriel, Estrella, Otávio, Jupyra, João Victor, Cássia, Luanda e tantas outras histórias de transexuais e travestis saíram da invisibilidade. Renasceram no Transforma, o primeiro mutirão da DPCE para mudança do nome e gênero de quem não se identifica com características biológicas e atribuídas na infância.

Em Fortaleza, Sobral e Juazeiro, homens e mulheres trans e travestis receberam novas certidões de nascimento. A capital concentrou 70% da demanda e foi marcada pela entrega de 124 documentos retificados. No município da Região Norte, 25 pessoas foram contempladas. No Cariri, outras 23. As três localidades tiveram cerimônias repletas de emoção, acolhimento e empoderamento. Também foram feitos atendimento ao público interessado em solicitar alteração.

A defensora geral Elizabeth Chagas enalteceu a origem do mutirão ser o Orçamento Participativo da DPCE. Foi nas audiências de março deste ano que a demanda surgiu. “O nome do mutirão poderia perfeitamente ser ‘Direito de Existir’. Afinal, é disso que estamos tratando aqui. Porque tudo começa pelo nome. É o nome que abre alas para outros direitos. É quem você é e permite que você seja reconhecido como tal. Isso é transformador. Aqui começa uma nova história da vida de cada um de vocês. E a gente tem a honra de fazer desse momento uma verdadeira transformação social”, afirmou.

Ela ressaltou a alta procura pelo serviço tão logo o Transforma foi anunciado. Em 11 dias de inscrições, a Defensoria registrou 368 pessoas interessadas em mudar de nome e gênero, o que evidencia a urgência de outras edições acontecerem. Para quem participou e não recebeu a nova certidão ontem porque não compareceu às solenidades ou por alguma ausência documental no ato da inscrição que inviabilizou a participação no mutirão, a orientação é procurar a DPCE, seja para receber o documento ou tentar solucionar a pendência.

 

 

Desde 2018, pessoas trans e travestis podem mudar nome e gênero sem a necessidade de a Justiça ser acionada. Basta reunir a documentação, procurar um cartório civil e efetuar o pagamento das taxas. No entanto, muita gente não tem como arcar com essa despesa ou enfrenta dificuldade para emitir certidões exigidas por lei. Daí a necessidade da atuação da Defensoria. Com a assistência oferecida pela instituição, essas populações garantem esse direito de forma gratuita, segura e ágil, como comprovou o Transforma.

“Esse mutirão é uma conquista imensurável. Hoje, a Defensoria devolve para nós uma cidadania porque, lá atrás, muitas de nós fomos excluídas da própria família por falta de compreensão, falta de entendimento e falta de apoio. Muitas de nós fomos excluídas da sala de aula e sequer conseguiram terminar o ensino médio ou mesmo concluir o ensino fundamental. Essa solenidade hoje tem uma simbologia enorme porque preenche uma grande lacuna”, afirmou a presidenta da Associação de Travestis e Transexuais do Ceará (Atrac), Andrea Rossati, que ressaltou a disposição da Defensoria para contratar colaboradores da população T.

Mulher negra e lésbica, a vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Fortaleza, vereadora Adriana Gerônimo, prestigiou a solenidade e classificou a entrega das novas certidões como “um momento histórico”. Ela disse: “muitas vezes, a gente está chorando a morte de alguma companheira ou a gente está tendo que gritar na frente de algum órgão público por mais direitos. Essa cerimônia vai ficar marcada nas nossas vidas e na história do movimento trans e LGBT. Que hoje seja a abertura de caminhos por mais vida, emprego, dignidade e cidadania plena. Que vocês gozem de todos os direitos hoje negados.”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), deputado Renato Roseno, afirmou que vivemos numa “sociedade LGBTfóbica que desumaniza uma boa parcela dos seres humanos”. Para ele, o Transforma é um exemplo de humanidade e cidadania. “O afeto é aquilo que nos afeta. E estamos todos afetados aqui. Tudo aquilo que faz sofrer deve desaparecer. O direito a ser o que se é, a ter um nome, a ser reconhecido é fundamental. Celebramos hoje, mas precisamos avançar mais. Temos que ir além, porque não se pode continuar a suportar uma sociedade que mata, oprime e causa dor a LGBTs. A nossa mensagem de amor vencerá o ódio. Porque a humanidade do outro me faz melhor.”

 

 

Integrante do coletivo Mães da Resistência, Gioconda Aguiar classificou o mutirão da Defensoria como “um dia de realização de sonhos”. Ela é mãe de uma pessoa trans e milita na causa pela inclusão. “Vocês merecem espaço de trabalho; merecem tudo o que precisam. Vocês são iguais a qualquer um. Não se sintam menos.”

O juiz Fernando Teles Paula Lima representou a Corregedoria Geral de Justiça (CGJ), parceira do Transforma, e lembrou que a retificação da certidão “é a efetividade do princípio constitucional e fundamental da dignidade da pessoa humana”. Segundo o magistrado, “esse princípio tem que ser trabalhado em harmonia com a segurança jurídica exigida no direito registral”. “Escutei aqui relatos emocionantes e histórias fantásticas de vida. Que possamos desenvolver mais parcerias para mais ações como essa”, sublinhou.

O primeiro homem trans do Ceará, Sillvio Lúcio Nóbrega, esteve presente na solenidade em Fortaleza. Ele mudou o nome e o gênero nos documentos no começo dos anos 2000, quando ainda era obrigatório autorização médica e judicial para a retificação acontecer, e revelou: “eu sonhei muito com essa retificação. E lutei muito para adquirir. Mas não queria só a minha. Eu sei e sinto a dor de cada um e cada uma que está aqui. Só nós sabemos o que vivenciamos todos os dias no trabalho, na família e no convívio social quando não termos o nosso nome nos documentos. Posso morrer amanhã, mas morro realizado por olhar no olho de tantos homens trans nesta plateia que vão sair daqui felizes.”

Na solenidade em Sobral, no Norte do Ceará, a subdefensora geral Sâmia Farias elucidou que pedidos de mudança de nome e gênero podem ser feitos em qualquer momento na Defensoria. O mutirão foi uma forma encontrada pela instituição para dar vazão a uma demanda reprimida e marcar a passagem do Dia do Orgulho LGBT, celebrado em 28 de junho. “Nossa equipe trabalhou com total dedicação para que tudo isso fosse possível, verificando cada documentação de mais de 360 inscritos. Saibam que a Defensoria está com vocês e que é muito gratificante saber que vão poder chegar no espelho hoje, olhar o documento e falar os seus nomes.”

Em Juazeiro, no Cariri, a diretora da Escola Superior da Defensoria Pública, Mônica Amorim, testemunhou a entrega das novas certidões. “Pra gente, o Transforma foi um sucesso absoluto. Nós verificamos que muitas pessoas precisam que a Defensoria as acolha e promova esse tipo de ação, para ouvir e ajudar. O mutirão é só uma data emblemática, um ‘dia D’. Mas o direito da pessoa permanece e a Defensoria está de portas abertas para receber quem precisar de ajuda.”

Clique aqui e confira imagens da entrega das novas certidões.
Clique aqui para assistir à íntegra da solenidade, transmitida ao vivo no canal da Defensoria no YouTube.