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35 anos do ECA: Defensoria Pública tem atuação estratégica na proteção de crianças e adolescentes no Ceará

35 anos do ECA: Defensoria Pública tem atuação estratégica na proteção de crianças e adolescentes no Ceará

Publicado em
Texto: Bianca Felippsen
Ilustração: Valdir Marte 

“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. O provérbio africano, transmitido por gerações em diferentes culturas do continente, evoca uma sabedoria ancestral que permanece urgente: nenhuma infância floresce sozinha. A proteção integral de crianças e adolescentes exige compromisso coletivo e corresponsabilidade social. A dignidade, o cuidado e a presença do Estado e das leis formam o escudo invisível que os resguarda da fome, do abandono, da violência e de todas as formas de injustiça.

Ao completar 35 anos, neste dia 13 de julho de 2025, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permanece como um dos mais robustos instrumentos de proteção social no Brasil. Promulgado em 1990, o ECA estabeleceu as bases de um sistema que reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, dotados de prioridade absoluta. No entanto, três décadas e meia depois, ainda há desafios profundos para a sua efetivação, especialmente em contextos de desigualdade social.

A realidade impõe obstáculos que desafiam a rede de proteção. Um dos mais graves, apontado pelos defensores públicos, é o déficit de atenção à saúde mental, sobretudo com o uso das novas tecnologias, e das ações articuladas entre áreas como saúde, assistência social, habitação e educação, o que compromete o retorno de crianças em acolhimentos institucionais às suas famílias de origem ou a inserção em novos vínculos afetivos estáveis.

No Ceará, há um ano a Defensoria lançou o Pilar, uma articulação com a Secretaria de Proteção Social, para amparar este resgate de vínculos perdidos por alguma violação de direitos. “Ao celebrar os 35 anos do ECA, a Defensoria Pública do Ceará reafirma seu compromisso com a defesa intransigente da infância. Em um país que ainda falha em proteger seus meninos e meninas, o papel da instituição é não apenas garantir direitos no papel, mas transformá-los em realidade concreta, cotidiana e digna”, explica a defensora geral, Sâmia Farias.

Por meio do Núcleo de Atendimento da Infância e Juventude (Nadij), a instituição atua de forma contínua na garantia de direitos de crianças e adolescentes, com foco na proteção integral, no acompanhamento individualizado de acolhimentos e na promoção de ações educativas e extrajudiciais, em Fortaleza.

“Independente da origem socioeconômica, toda criança e adolescente pode ser atendida pela Defensoria. A vulnerabilidade está na ausência de autonomia, o que impõe uma responsabilidade coletiva de proteção”, explica a defensora pública Noêmia Landim, atualmente supervisora do Núcleo.
Para ela, “o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 35 anos, é uma das legislações mais importantes que temos quando falamos em proteção integral de crianças e adolescentes. Ele marcou uma virada na forma como o Brasil passou a enxergar a infância e a juventude: não mais como alguém que deve apenas ser cuidado, mas como sujeito de direitos — pessoas em desenvolvimento, que precisam de atenção, escuta e compromisso tanto do Estado quanto da sociedade”, explica.

Dentro desse contexto, o Nadij tem um papel fundamental. “É um espaço de atuação especializada, sensível e comprometida, onde buscamos garantir que os direitos previstos no ECA sejam respeitados no dia a dia. Atuamos em situações delicadas, como nos casos de acolhimento institucional, e estamos sempre atentos para que as crianças e adolescentes sejam vistos, respeitados e tenha seus direitos efetivamente protegidos”, afirma.

Ela explica que o Nadij atua em frentes como o acompanhamento judicial e extrajudicial de crianças acolhidas, a propositura de medidas protetivas, ações de destituição do poder familiar, guarda, adoção, suprimento de autorização para casamento e autorização de viagens. A Defensoria também realiza visitas periódicas às 21 unidades de acolhimento institucional da capital, monitorando as condições físicas e os serviços prestados, além de acompanhar os vínculos familiares e a possibilidade de colocação em família substituta.“Estamos presentes em campanhas institucionais, formações de pretendentes à adoção, projetos em comunidades e ações educativas. É uma atuação que busca prevenir, orientar e garantir o cumprimento da legislação de forma integral.”

Em outra frente de atuação, há defensores e defensoras públicas que atuam dentro do sistema socioeducativo por meio do Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja). Eles acompanham audiências, orientam as famílias, fiscalizam unidades de internação e prestam atendimento jurídico direto aos adolescentes privados de liberdade, buscando garantir que os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente sejam respeitados e que as medidas socioeducativas cumpram sua função pedagógica e não punitiva. A atuação do Núcleo também inclui articulação com órgãos do sistema de garantia de direitos e encaminhamentos para políticas públicas que assegurem proteção integral e oportunidades reais de reintegração social. “Nosso papel é garantir que esses adolescentes não sejam esquecidos. A Defensoria está presente para assegurar que cada medida socioeducativa seja, de fato, uma oportunidade de recomeço — com dignidade, escuta e acesso a direitos”, salienta a defensora e supervisora do Nuaja, Andrea Rebouças.

Segundo dados apurados, cerca de 80% dos processos em trâmite nas unidades judiciárias dedicadas à infância, em Fortaleza, envolvem direta ou indiretamente a atuação da Defensoria Pública. Para os defensores e defensoras que atuam nas Defensorias da Infância e no Nuaja e no Nadij, em Fortaleza, isso se deve não apenas à vulnerabilidade econômica, mas à condição peculiar da infância como etapa do desenvolvimento humano que exige atenção prioritária do Estado e da sociedade. “O ECA, é uma legislação importante e que contribuiu muito para muitos avanços na proteção de crianças e adolescentes. Apesar dos avanços, a luta é para efetivá-lo e sua integralidade para a maioria das crianças e adolescentes brasileitos”, explica o defensor Vagner de Farias que esteve à frente de uma das Defensorias da infância por quase 10 anos. “Então, se nós tivéssemos o ECA efetivado na proteção integral, a gente teria menos problemas com violência, com estrutura familiar, acesso à saúde, à educação. O que vemos é que onde ele não é cumprido, a gente vai ter problemas. E temos o dilema de só olhar para o problema depois que ele acontece, ao invés de trabalhar preventivamente. Então, essa é a diferença entre a doutrina da proteção e a prática da proteção integral. Olhar as consequências e não as causas”, pondera.

Violências que atravessam gerações

A violência contra crianças e adolescentes não se limita à negligência, à fome ou ao abandono. Assume também formas simbólicas, muitas vezes silenciosas, mas igualmente devastadoras. A LGBTfobia é uma delas — e atinge de forma cruel crianças e adolescentes que não se encaixam nas normas impostas de gênero e sexualidade.

O caso recente de Fernando Vilaça, adolescente de 17 anos morto em Manaus após sucessivos episódios de LGBTfobia, expôs de forma dolorosa o quanto a discriminação segue enraizada em espaços que deveriam proteger. Antes de ser assassinado, Fernando foi alvo de piadas, humilhações e perseguições — práticas muitas vezes normalizadas sob o pretexto da “brincadeira”.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou a campanha “LGBTQIAfobia recreativa também é violência” que versa sobre o tema. Piadas, apelidos e comentários ofensivos são formas recorrentes de bullying que deixam marcas profundas. E, como no caso de Fernando, podem ser fatais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante proteção contra toda forma de discriminação e violência. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, a garantia da vida, da dignidade e do direito de ser de cada criança e adolescente, em toda sua diversidade.