
A violência bate à porta e entra: uma em cada três brasileiras foi alvo de violência em um ano e, em 57% dos casos, em casa
TEXTO: TARSILA SAUNDERS, ESTAGIÁRIA DE JORNALISMO SOB SUPERVISÃO
ILUSTRAÇÃO: DIOGO BRAGA
“Ele sabia que eu não tinha pra onde ir. Dizia que, se eu saísse de casa, seria pior. Quando denunciei, já fazia tempo que eu tinha medo dele. Ele parecia ficar incomodado também pelas minhas conquistas.” O depoimento de uma publicitária de 36 anos, atendida pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, ilustra a realidade cada vez mais comum e confirmada pelos números. A violência contra a mulher cresceu no Brasil no último ano e, ainda hoje, é dentro de casa que ela mais acontece.
De acordo com a pesquisa “Visível e Invisível – A vitimização de mulheres no Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Datafolha, 21,4 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025. Isso significa que uma em cada três brasileiras com 16 anos ou mais foi alvo de agressão física, psicológica ou sexual nesse período. Em 57% dos casos, a violência aconteceu no interior da residência da própria vítima, e em 35,5% dos casos o agressor era o parceiro ou ex-parceiro.
Esses dados dialogam diretamente com os registros do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM), da Defensoria Pública do Ceará (DPCE). Desde 2021 até outubro de 2024, o Nudem identificou que a maioria das mulheres atendidas convive com a violência em ambientes que deveriam ser seguros: o próprio lar. A maioria dessas mulheres é negra (82,1%) e está inserida em contextos de maior vulnerabilidade social. Elas trabalham, em grande parte, na informalidade (43,38%), enquanto muitas enfrentam o desemprego (10,50%) ou se dedicam exclusivamente aos afazeres domésticos (19,45%).
Além disso, a pesquisa nacional aponta outro dado alarmante: 7,8% das mulheres relataram ter sofrido algum tipo de violência praticada por policiais. Quando o medo se impõe até diante de quem deveria proteger, o sentimento de abandono institucional também se intensifica.
Apesar da gravidade dos números, muitas mulheres ainda não denunciam. O silêncio vem do medo, da vergonha, da dependência financeira e afetiva ou da sensação de que ninguém vai ouvir. É nesse ponto que entra a importância de uma rede pública de proteção.
Para a defensora pública Kelly Nantua, titular do Nudem, o trabalho vai além da atuação jurídica. O Núcleo oferece atendimentos multidisciplinares, com suporte psicossocial, voltado à quebra segura do ciclo de violência.
“O Nudem atua tanto com ações judiciais quanto extrajudiciais. Quando essa mulher nos procura, avaliamos suas necessidades e ingressamos com os pedidos legais cabíveis, como medidas protetivas, ações de guarda dos filhos, pensão alimentícia, divórcio, reconhecimento ou dissolução de união estável. Tudo o que for necessário para garantir sua segurança e autonomia”, explica.
Sinais de uma relação abusiva
Reconhecer uma relação abusiva nem sempre é simples. A psicóloga Úrsula Goés, do Nudem, explica que o ciclo da violência raramente começa com agressões explícitas. “As violências acontecem de forma muito sutil, em eventos esporádicos. Ouvimos muito: ‘ele é um ótimo companheiro, só muda quando bebe’. Mas, com o tempo, os episódios se tornam mais frequentes e intensos, e é aí que muitas mulheres percebem que estão em uma relação abusiva”, afirma.
A psicóloga destaca que o controle sobre as escolhas da mulher como se vestir, estudar, trabalhar ou com quem se relacionar também é uma forma clara de violência. “Se ela precisa se moldar à vontade do parceiro, se sente medo de falar ou de expressar uma opinião, isso já configura abuso. O relacionamento deve ser espaço de liberdade, não de medo”, reforça.
Outro sinal grave é o isolamento social. A mulher vai, aos poucos, sendo afastada de amigos, familiares e oportunidades. “Os amigos passam a ser os que ele aprova, ela deixa de estudar, de trabalhar. Esse rompimento com sua rede de apoio mostra que estamos diante de um relacionamento abusivo extremo”, completa a psicóloga.
Mulheres em situação de violência podem buscar apoio em diferentes frentes. O primeiro passo é procurar uma Delegacia de Defesa da Mulher, que atende casos de violência sexual, psicológica e física. Na ausência de uma delegacia especializada, é possível também registrar boletim de ocorrência na delegacia mais próxima ou, em algumas situações, pela Delegacia Eletrônica.
Outra alternativa é entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher, pelo número 180, que funciona 24 horas por dia e oferece orientações, além de encaminhar as vítimas para os serviços mais próximos. Também pode ser procurado diretamente o Nudem em Fortaleza que está localizado na Casa da Mulher Brasileira. Nas cidades do interior, também há atuação.
SERVIÇO
Nudem Fortaleza
Tabuleiro do Norte, s/n, Couto Fernandes (dentro da Casa da Mulher Brasileira)
(85) 3108.2986 | 9.8949.9090 | 9.8650.4003 | 9.9856.6820
Nudem Caucaia
Rua 15 de Outubro, 1310, Novo Pabussu (sede da Defensoria Pública)
(85) 3194.5068 | 5069 (ligação)
Nudem Maracanaú
Shopping Feira Center – Avenida 1, número 17, Jereissati I (sede da Defensoria Pública)
(85) 3194.5067 (só ligação) | 9.9227.4861 (ligação e WhatsApp)
Nudem Sobral
Avenida Monsenhor Aloísio Pinto, s/n, Cidade Geraldo Cristino (dentro da Casa da Mulher Cearense)
Nudem Quixadá
Rua Luiz Barbosa da Silva esquina com rua das Crianças, no bairro Planalto Renascer (dentro da Casa da Mulher Cearense)
Nudem Crato
Rua André Cartaxo, 370 – Centro (sede da Defensoria Pública)
(88) 3695.1750 / 3695.1751 (só ligação)
Nudem Juazeiro do Norte
Av. Padre Cícero, 4501 – São José (dentro da Casa da mulher Cearense)
(85) 98976.5941 (ligação e WhatsApp)