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Amar Defensoria: rodas de conversa promovem acesso à direitos em comunidades quilombolas do Aracati

Amar Defensoria: rodas de conversa promovem acesso à direitos em comunidades quilombolas do Aracati

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Texto e Fotos: Amanda Sobreira

Durante a sexta edição do projeto Amar Defensoria – Um mar de direitos, realizada esta semana em Aracati, a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) promoveu duas rodas de conversa em comunidades quilombolas localizadas no município. Moradores do Quilombo Córrego de Ubaranas e do Quilombo do Cumbe receberam representantes da DPCE, da Defensoria Pública da União, do Incra, da Secretaria dos Direitos Humanos e de outras instituições que, juntas, dialogam para implementar mais políticas públicas e promover acesso a direitos na região.

Quilombos são espaços historicamente marcados pela resistência e preservação de culturas e saberes ancestrais. Na roda de conversa promovida no Córrego de Ubaranas, a comunidade falou sobre o avanço de grandes empreendimentos sobre os territórios tradicionais, principalmente a indústria de petróleo, e como a falta de titularidade e reconhecimento da terra quilombola prejudica a comunidade e compromete a proteção dos ecossistemas.

Presidente da Associação dos Moradores, José Francisco Pereira, mais conhecido como Dedé, considera o encontro como um momento histórico na comunidade. “Nós já recebemos várias autoridades, mas todos assim de uma vez para nos escutar é a primeira vez. Vai ficar na história da comunidade porque a gente foi ouvido e conseguimos entender as explicações dos processos da nossa terra. E a gente pede ajuda porque sozinhos, nossa voz não tem muita força, mas com vocês sim. A gente adoece, são momentos de desespero porque não sabemos o que fazer, a quem recorrer. Mas hoje a gente vai dormir mais tranquilo e com o coração leve, porque só nós sabemos a pressão que é todos os dias você acordar com alguém loteando o território e dizendo que é o dono da nossa terra”, desabafou o quilombola.

No Córrego das Ubaranas vivem cerca de 325 pessoas, de acordo com a Associação dos Moradores. Eles também pontuaram problemas com serviços de saúde. Segundo os relatos, há 10 anos eles não tem um agente comunitário de saúde atendendo a comunidade e o médico só realiza atendimento uma vez ao mês, no postinho que foi construído pelos próprios moradores. “Quem está no grupo do Whatsapp fica sabendo o dia que o médico vem e corre pra pegar ficha porque só distribuem 10. Além disso, não tem atendimento para as crianças com autismo que vivem na comunidade, como o meu filho de 4 anos”, disse a quilombola Joelma Pereira, que foi prontamente atendida na carreta da Defensoria para garantir os direitos de saúde e educação inclusiva do filho.

“Importante salientar que todas as demandas levantadas pela comunidade já foram encaminhadas. Com relação a falta de médico, nós iremos articular uma reunião com as secretarias estadual e municipal, para tratar da ampliação desse atendimento à saúde das pessoas da comunidade quilombola. Nada como estar aqui no território da comunidade, partilhando desse pertencimento local para ouvir as suas principais urgências e necessidades para conseguir entoar o coro para que os seus direitos sejam efetivamente garantidos”, comentou a defensora pública Camila Vieira, coordenadora de projetos especiais da Defensoria, que participou do momento ao lado da ouvidora externa Joyce Ramos.

Durante o encontro, o defensor regional de Direitos Humanos, Edilson Santana, explicou para a comunidade que, em abril, a DPU ajuizou uma apelação para recorrer da sentença em desfavor da comunidade na ação de reintegração de posse movida pelo Sítio Ubaieira e que aguarda a decisão. Já sobre a anulação do processo administrativo instaurado pelo INCRA para identificação, reconhecimento, demarcação, delimitação e titulação do território quilombola, a DPU informou que ajuizou uma apelação contra a sentença, que foi provida, e vai dar continuidade aos trâmites de titulação do território quilombola.

Já no Quilombo do Cumbe, símbolo de resistência e preservação de memória e identidade, os moradores falaram sobre a histórica luta da comunidade pela regularização fundiária e pelo reconhecimento pleno de seus direitos territoriais. O encontro contou com a participação da defensora pública Lia Felismino, assessora de Relacionamento Institucional da Defensoria e da defensora geral Sâmia Farias.

“O papel da Defensoria é atuar pelos direitos dos mais vulneráveis e quando a gente sai dos gabinetes, das sedes para ir até a comunidade, nós estamos cumprindo nossa missão institucional. Por isso, estamos muito felizes de estar aqui, com essa aproximação promovida pela nossa ouvidora geral externa, Joyce Ramos e de estarmos já dando voz a essa comunidade por meio das demandas que chegaram até a Defensoria por meio do nosso Orçamento Participativo”, destacou a defensora geral.

Em abril, durante a reunião do Orçamento Participativo realizada no município de Fortim, o líder do Quilombo, João do Cumbe, solicitou a realização de um seminário regional para debater justiça ambiental e as violações dos direitos humanos das comunidades pesqueiras e quilombolas. A Defensoria irá promover o debate em parceria com os movimentos sociais, ONGs e órgãos governamentais, em data e local que ainda serão definidos.

“Nós pedimos o seminário na perspectiva de mostrar a importância dos povos e comunidades tradicionais para cuidar do ecossistema, fugindo da lógica capitalista que nos coloca como aqueles que atrapalham o desenvolvimento social e econômico”, ressaltou João.

Em conversa com os defensores, os líderes da comunidade elencaram os problemas causados a partir da questão territorial, como a dificuldade em conseguir uma ligação de energia com a Enel e o avanço da especulação imobiliária e de grandes empreendimentos que estão degradando o manguezal, fonte de renda e de subsistência de quem vive no território.

As marisqueiras também reivindicaram o direito do seguro defeso e da aposentadoria, benefícios constantemente negados quando solicitados por mulheres. De modo geral, elas relataram dificuldade de se cadastrar como pescadoras, em virtude do gênero. A demanda foi acolhida pela Secretaria dos Direitos Humanos que vai se reunir com as marisqueiras para tratar as questões levantadas.

No estado do Ceará, 23.955 pessoas se declararam quilombolas, segundo o Censo de 2022, o primeiro que incluiu as comunidades quilombolas no levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).