Após 11 habeas corpus negados e 7 anos e meio presos, três rapazes são absolvidos em júri em Cascavel
Yuri não ouviu a primeira palavra dita pelo filho mais novo. Não testemunhou o nascimento, o primeiro choro, o primeiro passo, a primeira papinha, o primeiro tombo, o primeiro dia de aula, a primeira letra. Não teve o direito de ser um pai presente do caçula, assim como não acompanhou boa parte do desenvolvimento do primogênito. Mas não fez isso por ter abandonado a família. Ausentou-se porque estava preso. Injustamente. Ficou sete anos e meio na penitenciária por um crime que recebeu nesta quarta-feira (10) a sentença: inocente. Ao lado de outros dois rapazes, deve sair nesta sexta-feira (12/11) da prisão pela porta da frente, graças à atuação da Defensoria Pública Geral do Estado (DPCE), mas não sem sequelas emocionais e sociais.
À época da prisão, em 2014, a companheira de Yuri estava grávida. Atravessava o oitavo mês de gestação e levava a tiracolo um garoto de menos de dois anos. Viu, então, a vida virar de cabeça pra baixo justo quando o marido estava prestes a assumir um emprego com carteira assinada. Acabou sem esposo, sem pai dos filhos e sem renda para manter uma casa com dois meninos. “No começo, a gente achava que ele ia sair logo. A gente tinha certeza da inocência dele, mas foram acontecendo audiências e ele não saía. Ele dizia que a gente tinha que ter esperança. Agora, graças a Deus, a gente vai botar a vida pra frente. Porque eu tenho certeza de que a vida teria sido diferente e eu não estaria como estou hoje se ele não tivesse sido preso. Minha sorte foi a minha sogra, que ficava com meus filhos enquanto eu trabalhava”, recorda Elizabeth dos Santos, de 29 anos.
Yuri e os outros dois rapazes foram acusados de homicídio e inocentados em um júri popular ocorrido apenas sete anos e meio depois, em Cascavel. A absolvição veio depois de 11 tentativas, por parte da DPCE, da soltura dos jovens. Todos os habeas corpus foram negados pela Justiça mesmo diante do fato de os réus serem primários e a prisão ter caráter preventivo ter excedido todos os prazos legais e aceitáveis.
“Esse é um caso extremamente revoltante! De abandono. De falha estatal mesmo. De absurdo. De descasos. São jovens que perderam toda a juventude no presídio. Foi uma coisa extremamente traumática e que as famílias vinham acompanhando diariamente. Foram famílias incansáveis. Nunca desistiram”, afirma a defensora pública Fabiana Diógenes, atuante em Cascavel e que representou os assistidos ao lado do defensor Eduardo Villaça, da 4ª Vara de Execução Penal.
“Ao atuar na área criminal da Defensoria Pública, não raro nos deparamos com injustiças, falhas estatais e pessoas presas sem uma decisão definitiva por período excessivo. No entanto, em minha experiência profissional, jamais havia presenciado mais de sete anos de prisão preventiva. Obtivemos a absolvição dos assistidos, mas as consequências danosas dessa prisão não poderão ser revertidas. São réus que perderam parte da vida em razão da inércia do sistema de justiça. É por conta de casos como esses que devemos sempre resistir como Defensoria”, acrescenta Diógenes.
Graças a essa resistência é que a feirante Maria Gomes Santiago Matos, de 51 anos, vai rever o filho em liberdade. À época da prisão, ele tinha 21 anos. Era um jovem artesão que viu todos os sonhos serem aprisionados injustamente. “Fiquei esse tempo todo pensando nele e preocupada. Pedia a Deus todo dia pra chegar ao final dessa luta, mas sempre confiei de que quando chegasse o dia ele seria inocentado. Sabia que ele ia sair com o nome limpo. Custou porque tinha que acontecer na hora certa”, comemora a mãe.
Essa expectativa da hora certa, de finalmente ver um amor saindo de uma prisão injusta, também é vivida por Elizabeth dos Santos. Ela, dona Maria e os familiares do outro jovem inocentado aguardam a soltura na porta das unidades em Itaitinga, prevista para hoje. “Quando eu visitava ele na prisão, ele ficava perguntando como os meninos foram na escola, o que eles tinham aprendido… Quando eu falava que tinham aprendido a ler, ele chorava. Só comecei a levar os meninos na hora em que caiu a ficha de que ele ia demorar a sair. A gente via os anos se passando e nada se resolvendo. Cheguei a pensar que ele nunca ia sair. Vivi muitos anos sem esperança. Era muito difícil”, recorda a faxineira.
Agora, ela arruma a própria casa para, enfim, ter o companheiro de volta. Aquele de quem jamais desistiu. Os dois – e os filhos – vão morar na Paupina, periferia de Fortaleza, depois de uma vida em Cascavel e outra vida separados por uma injustiça. “Cheguei a dormir na porta da cadeia em dia de rebelião. Achava que meu marido ia sair dali dentro de um caixão. Foi tanta aflição nestes sete anos que estou até agora sem conseguir acreditar que ele vai vir pra casa. Quando ele chegar, eu tenho certeza de que ainda vou ficar olhando pra ele sem acreditar. Depois de tantos anos, a ficha não cai. Às vezes, eu acho até que tô sonhando. Agora quero receber ele com tudo organizado”, celebra Elizabeth.


