Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Arte e sensibilidade também são justiça e transformação: reflexões do Seminário realizado na Defensoria

Arte e sensibilidade também são justiça e transformação: reflexões do Seminário realizado na Defensoria

Publicado em

Nesta quarta-feira, 12 de novembro, o auditório da Defensoria Pública do Estado do Ceará recebeu o primeiro Seminário Arte, Direitos Humanos e Desconstrução dos Imaginários: a urgência da arte em tempos de inteligência artificial no sistema de Justiça, realizado pela Escola Superior da Defensoria Pública do Ceará (ESDP) com apoio da Associação dos Defensores e Defensoras Públicas do Estado do Ceará (ADPEC).

A desembargadora Cristina Tereza Gaulia, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, reconhecida por sua atuação na promoção de uma Justiça mais humanizada, apresentou reflexões sobre a importância da cultura e de sua interlocução com a vida concreta. Segundo ela, o desafio contemporâneo da Justiça é equilibrar técnica e sensibilidade, precisão e humanidade. “O direito é um instrumento, mas a justiça é uma experiência viva. É para além do Direito. E é sobre a operacionalização da justiça que a gente quer melhorar”.

Depois de décadas na magistratura, a desembargadora afirmou que o aprendizado permanece contínuo e que a maturidade profissional também exige formação contínua. “Depois de tantos anos de magistratura, percebo que o aprendizado nunca se encerra. A maturidade nos traz a consciência de que a vida e a profissão são trajetórias de formação contínua. Vim para ouvir e refletir sobre a importância da cultura, tema que considero essencial para compreender o mundo e a própria Justiça”.

Gaulia destacou a cultura como instrumento de autoconhecimento e de cidadania capaz de ampliar o olhar sobre desigualdades sociais, raciais e econômicas. “A cultura é um elemento essencial para que possamos entender quem somos e o lugar que ocupamos na sociedade. Quando você lê “Quarto de despejo” (romance de Maria Carolina de Jesus), entende aquela realidade, de tantas favelas, entende sobre exclusão. São experiências que ampliam a visão de justiça. Quem se envolve com cultura aprende a ver as pessoas e as situações de outra maneira. A cultura é política pública, mas também é formação de consciência. Por meio da arte, do teatro, da literatura e do cinema, é possível entender as desigualdades que estruturam o país”.

A mesa contou também com a participação da atriz, diretora e roteirista Alice Carvalho, uma das revelações do audiovisual contemporâneo. Ela apresentou o ponto de vista dos artistas tanto na cena quanto nos bastidores. 

Nascida no Rio Grande do Norte, Alice relembrou o início da carreira e as dificuldades enfrentadas por profissionais da cultura, especialmente mestres da cultura popular, no acesso a condições dignas de criação e sobrevivência. “E é por isso que acredito no poder simbólico e social da cultura. O fomento às manifestações populares, aos mestres de cultura, aos artistas de comunidades, aos criadores que resistem fora do circuito, é uma forma de devolver à sociedade o que ela mesma cria. A cultura está em todo canto deste país”.

Ela refletiu também sobre o tema central do Seminário, contrapondo criações artificiais das máquinas à permanência da subjetividade humana. “Esses dias, estava refletindo sobre como vivemos tempos em que a verdade parece cada vez mais manipulada: visualmente, emocionalmente e até tecnicamente. Talvez eu não saiba falar com tanta propriedade sobre inteligência artificial, mas sei que, no campo da arte, a gente fala há muito tempo sobre beleza, humanidade e imaginação. Percebo que o que a arte produz chega, muitas vezes, onde o sistema de justiça não chega. A arte alcança corpos, territórios e sensibilidades. É no cinema, no teatro, na música, nas manifestações populares que vemos surgir reflexões profundas sobre desigualdade, racismo, pobreza e direitos. É o que o cinema marginal e o teatro de rua fazem: expõem a vida concreta, o cotidiano real”.

Carvalho lembrou ainda o impacto da novela “Renascer”, remake da TV Globo, e da sua personagem Joaninha, cuja trajetória marcada por abusos e violências alcançou milhões de pessoas. “Percebi, ali, que a arte faz um papel que às vezes o sistema não cumpre: ela leva consciência e informação a quem talvez nunca tenha tido a chance de entender o próprio direito. Há quem aprenda sobre dignidade e justiça não numa sala de aula, mas assistindo a uma cena de novela, a um filme ou a uma peça de rua. Eu mesma, naquele processo, me dei conta da minha própria ignorância e dos meus privilégios. Fazer parte de um produto popular, de alcance amplo, é também um exercício de responsabilidade”.

A mediação da conversa foi conduzida pela jornalista e professora da Universidade Federal do Ceará, Kamila Fernandes, que apresenta o podcast As Cunhãs. Ela destacou a urgência de humanizar debates frequentemente atravessados pela técnica do Direito, da medicina, da Academia e de tantas outras linguagens que mantém as pessoas distantes. “Acredito que parte da nossa tarefa hoje é humanizar as discussões sobre temas que parecem frios ou distantes. A linguagem jurídica ou técnica, muitas vezes, cria barreiras e torna a justiça inacessível. Ao mesmo tempo, vivemos uma era de avanço acelerado da tecnologia e da inteligência artificial, que intensifica tanto as possibilidades quanto as tensões. Enquanto a técnica progride, vemos crescer também a desumanização, o ódio e a indiferença diante do sofrimento alheio. Essas contradições nos obrigam a pensar: como manter a ética, a empatia e o sentido humano da Justiça em meio a tantas transformações?”, provocou. “Quando nos colocamos no lugar do outro, percebemos que aplicar a lei é mais do que interpretar normas. É compreender contextos, histórias e implicações reais sobre a vida das pessoas”, afirmou.

Ao longo da manhã, o Seminário promoveu convergência entre temas como justiça, direitos, arte, cultura, subjetividade, atraindo uma plateia atenta às transformações que moldam a vida social. Todo o debate está no Youtube do Canal Defensoria Ceará e no site da Escola Superior.