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Atuação da Defensoria garante indenização a assistido por abandono afetivo causado pelo pai

Atuação da Defensoria garante indenização a assistido por abandono afetivo causado pelo pai

Publicado em

Texto: Amanda Sobreira

Ilustração: Valdir Marte

Desde criança, um assistido da Defensoria Pública do Ceará, que vamos identificar por João, sabia que o pai biológico morava ali, pertinho dele, na mesma rua, à distância apenas de alguns passos. A mãe nunca escondeu que o filho era fruto de um caso extraconjugal que ela teve com o patrão, quando há 33 anos trabalhava como doméstica na casa de uma família abastada no interior do Ceará. 

Conforme o tempo ia passando, João crescia e também crescia nele a vontade de conviver com o pai e com os irmãos. E não foram poucas as tentativas. João, ainda criança, fez inúmeras visitas para ser recebido pelos parentes naquela casa que figurava tão diferente da sua realidade. Nunca foi aceito. Na cidade onde tudo aconteceu, todos sabem sua origem e não demorou muito para ele ser chamado de ‘bastardo’, como forma de desqualificar sua existência, em todos os locais que passava.

A vida de João seguiu sem o afeto do pai ou da família paterna. Assim como também, ele nunca recebeu nenhum tipo de auxílio para ajudar na sua formação. Apenas a mãe esteve ao seu lado. Mesmo morando em Fortaleza, João, gesseiro, casado e pai de um menino de 10 anos, nunca desistiu de tentar contato. Após uma série de problemas de saúde, incluindo um câncer no pâncreas, precisou parar de trabalhar e mais uma vez, pediu ajuda à família paterna, tendo seus direitos negados pelo genitor e irmãos. 

Foi aí que João procurou a Defensoria Pública do Ceará. Queria uma ação de investigação de paternidade. O genitor não negou o fato e o exame de DNA provou o que todos já sabiam. Em dezembro do ano passado, durante a viagem para o interior, onde seria feita a emissão da nova Certidão de Nascimento, dessa vez com a inclusão do nome do pai ausente, os dois estavam no mesmo ônibus, mas não trocaram um olhar sequer.  

“Eu tentei muitas vezes, mas não consegui estreitar esse laço. Chamo ele de pai, porque não tenho mágoa no meu coração, apesar de todas as maldades que eu sofri por parte dele e dos meus irmãos. Eu o perdoo, mas preciso de ajuda para viver e para dar assistência ao meu filho. A minha relação com meu filho é totalmente diferente da que eu tenho com meu pai e eu não posso abandoná-lo, mesmo doente”, desabafa.

Durante todo o processo, João foi atendido pela equipe psicossocial da Defensoria Pública auxiliando a lidar com essa rejeição paterna. “Quando o João veio para o atendimento inicial ele estava muito fragilizado fisicamente por conta da doença, mas também com muitas vulnerabilidades emocionais. Após o reconhecimento da paternidade, ele ainda ficou com esperanças de ter alguma relação, mas não aconteceu”, explica a assessora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial (NAPI) da Defensoria, Pedrita Araújo.

Titular do NAPI, a defensora pública Ana Marcia Silva Costa Leitão atuou na defesa de João em um novo processo: a reparação por danos morais pelo abandono afetivo. Este processo teve êxito e resultou em uma indenização no valor de R$ 30 mil. O valor é uma perspectiva jurídica, onde as pessoas que tiveram a falta de cuidados afetivos de algum dos genitores pode pleitear a essa reparação pela ofensa à sua dignidade na infância e adolescência. Para que seja comprovado o abandono afetivo é necessário constatar a ausência injustificada dos deveres paternos e o comprometimento afetivo que isso gerou. “Vemos casos de muitos pais negligentes em relação aos seus deveres. Temos que lembrar que gerar uma criança implica em responsabilidade e os genitores precisam cuidar para o pleno desenvolvimento deste ser. Não há como obrigar um pai a amar um filho, mas a legislação lhe assegura um direito de ser cuidado. Portanto, se há negligência comprovada, essa pessoa pode responder judicialmente por ter causado esses danos”, explica a defensora.

Em um acordo com o genitor, João pediu que o valor da indenização fosse convertido para a construção de uma casa no terreno na cidade onde nasceu. O valor ficou fixado em R$ 30 mil e João espera ter saúde para viver com a família na casa construída, com previsão de estar pronta em dezembro. “Quem sabe eu tenha esse sossego na vida. Não desejo mal a ninguém. Deus é quem sabe”, reflete.