
Ausência paterna nos registros civis: dados revelam cenário preocupante no Brasil e no Ceará
TEXTO: DEBORAH DUARTE
ILUSTRAÇÃO: DIOGO BRAGA
Os números mais recentes do Portal da Transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) escancaram uma realidade silenciosa e persistente no país: a ausência paterna nos registros civis de nascimento. Em 2025, dos 1.266.679 nascimentos registrados no Brasil, 65.059 (5%) ocorreram sem a filiação paterna. No Nordeste, esse percentual é ainda mais expressivo: de 338.153 registros, 18.566 não trazem o nome do pai.
Ao longo de uma década de levantamento de dados — desde 2016, quando a Arpen-Brasil passou a disponibilizar uma página específica para monitoramento desse fenômeno no Portal da Transparência — o Ceará se mantém como o terceiro estado do Nordeste com maior número de crianças sem o nome do pai na certidão. São 65.392 crianças cearenses nessa situação nos últimos dez anos, atrás apenas da Bahia (101.386) e do Maranhão (86.023).
Ainda de acordo com a ferramenta, em 2025, o Ceará registrou 53.950 nascimentos, dos quais 2.890 não contam com a filiação paterna. Embora esses números se refiram a crianças nascidas no ano em questão, é preciso lembrar que há uma quantidade incalculável de crianças, adolescentes e até adultos que seguem sem o nome do pai em seus documentos oficiais, acumulando consequências emocionais, sociais e jurídicas.
“A ausência do nome paterno na certidão de nascimento não é apenas uma estatística: ela reflete desigualdades estruturais, padrões culturais e lacunas no reconhecimento da responsabilidade parental. Historicamente, no Brasil, a carga do cuidado e da criação de filhos recai majoritariamente sobre as mulheres, e o registro exclusivo no nome da mãe evidencia esse desequilíbrio”, analisa a defensora pública geral do Estado do Ceará, Sâmia Farias.
Além das implicações emocionais para a criança, a ausência do registro paterno pode impactar o acesso a direitos fundamentais, como pensão alimentícia, herança e benefícios previdenciários. É também um desafio para a efetividade de políticas públicas que dependem de dados sobre núcleos familiares completos.
Para enfrentar essa realidade e garantir o direito fundamental à identidade, a Defensoria Pública realiza um mutirão nacional “Meu Pai Tem Nome”. Promovido pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), o mutirão acontece em todos os estados da federação com o objetivo de viabilizar o reconhecimento e a investigação de paternidade ou maternidade. A iniciativa busca dar às pessoas a possibilidade de ter a certidão de nascimento com a filiação completa, seja pelo vínculo biológico ou socioafetivo.
No Ceará, os atendimentos presenciais ocorrerão no dia 9 de agosto, nas cidades de Fortaleza, Sobral e em Juazeiro do Norte (abrangendo pessoas que residem ainda Crato e Barbalha). As inscrições estão abertas até o dia 28 de julho e podem ser feitas pela internet ou presencialmente nas sedes da Defensoria Pública, para quem tem dificuldade de acesso ou não consegue anexar os documentos exigidos.
Cenário no Ceará: concentração urbana e interiorização do fenômeno
No Ceará, observa-se que a maior concentração de registros sem o nome do pai ocorre na capital e em cidades de médio porte:
Embora os números absolutos sejam maiores nos centros urbanos, cidades do interior como Crateús (60), Tianguá (47) e Quixadá (46) também apresentam índices relevantes, o que indica que o fenômeno está longe de ser restrito às áreas metropolitanas.
A legislação brasileira já prevê mecanismos para que a mãe possa indicar o suposto pai no ato do registro e, caso haja recusa, seja iniciado o processo de reconhecimento judicial de paternidade. Ainda assim, o número de pessoas que chegam à vida adulta sem esse direito básico revela falhas na efetivação dessa garantia.
“Campanhas como o mutirão Meu Pai Tem Nome, promovido anualmente pela Defensoria Pública nos estados, são instrumentos fundamentais para reverter esse quadro. A iniciativa busca não apenas o reconhecimento biológico, mas também valoriza o vínculo socioafetivo, a relação construída na prática cotidiana como forma de assegurar o direito à identidade e à dignidade”, complementa a defensora geral.
Quem pode ser atendido
A campanha “Meu Pai Tem Nome” atende diferentes situações. Pessoas podem buscar pelo reconhecimento voluntário: quando há consenso entre pai e mãe para o registro, seja de vínculo biológico ou socioafetivo (pai/mãe de criação); se a pessoa apontada como pai ou mãe tem dúvidas sobre o vínculo sanguíneo, é possível realizar o exame de DNA gratuitamente no dia do mutirão; ou ainda pessoas maiores de 18 anos que desejam ser reconhecidas oficialmente por seus pais biológicos ou socioafetivos também podem participar.
Serviço:
Mutirão “Meu Pai Tem Nome”
📅 Data do atendimento: 9 de agosto (Dia D)
📍 Cidades: Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha
📝 Inscrições: até 28 de julho, pela internet ou presencialmente nas sedes da Defensoria Pública – https://campanha.defensoria.ce.def.br/meu-pai-tem-nome-2025/