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Defensoria como vanguarda: reflexões sobre o futuro e os limites do Direito Penal

Defensoria como vanguarda: reflexões sobre o futuro e os limites do Direito Penal

Publicado em
Texto: Bianca Felippsen
Fotos: Ari Feitosa e ZéRosa

“Deixe o pessimismo para tempos melhores”, lembrou o subdefensor-geral do Ceará, Leandro Bessa, ao encerrar o painel que reuniu o escritor e jornalista Bruno Paes Manso, autor do livro República das Milícias, e o professor, escritor e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Marcelo Semer, e a defensora pública de segundo grau, Gina Kerly Moura, em um debate sobre o futuro, segurança pública, defesa criminal e a guerra às drogas. 

O encontro entre os pensadores ocorreu nesta sexta-feira (25), abrindo o segundo dia do Seminário “Construindo a Defensoria do Futuro”, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza. O evento celebra os 28 anos de institucionalização da Defensoria Pública do Estado, promovido pela Escola Superior da instituição, e reúne mais de 200 defensores públicos e assessores.

“O problema não se resolve gritando contra a seletividade penal e, ao mesmo tempo, reforçando o poder policial”, afirmou Marcelo Semer. Crítico das simplificações do debate público, o desembargador classificou o cenário atual como marcado pelo populismo penal, que simplifica o problema da segurança a mais punitivismo. “Acho que nós vivemos não apenas um populismo penal tradicional, que é aquele feito pelas forças de segurança, da bancada da bala, mas tem um que eu chamo de populismo penal progressista. Hoje, há muita gente dizendo que a esquerda tem que disputar esse mercado, ou seja, fazer a mesma coisa.”

Para ele, a Defensoria representa uma resistência necessária. “O fascismo grita morte e inteligência, os especialistas estão afastados pelo populismo penal, mas no meu sentir, é preciso perseverar. E esse é um verbo típico aplicado a vocês, o defensor que insiste, persiste, continua, sabe que vai perder e mesmo assim bate, bate, bate…”.

Semer destacou o protagonismo da Defensoria em avanços no sistema de justiça, como a litigância estratégica, os habeas corpus coletivos, o incidente de custus vulnerabilis e a incorporação de decisões da Corte Interamericana. “Eu acho que os maiores avanços do Supremo, esses todos que eu falei com vocês aqui, todos nasceram da Defensoria”, afirmou, traçando uma linha do tempo das vanguardas jurídicas. “Nos anos 1970, os advogados que resistiram à ditadura eram a vanguarda do meio jurídico. Nos anos 1980, era a vez dos promotores, com temas como infância, juventude, meio ambiente e interesses difusos. Nos anos 1990, os juízes ganharam evidência, mas, a meu ver, aplicaram mal essa evidência [risos]. Agora, eu acho que a vanguarda está na Defensoria. Tudo que é novo hoje no sistema de justiça e está ganhando o corpo, vem de vocês”.

Em tom provocativo, Semer concluiu: “O sistema de justiça precisa que vocês não se incomodem e nos pressionem. E não se acomodem. A esperança que a gente tem é de manter uma Defensoria que não seja acomodada, mas que seja incomodada, que seja incomodante e que nos faça isso”.

Bruno Paes Manso apresentou uma análise histórica e estrutural das facções criminosas, sua formação, capilaridade e relação com a escalada da violência no país. “A droga representa a desordem, a loucura e a irracionalidade, o que as pessoas não querem ver”, observou sobre o preconceito de debater o tema de forma racional e fundamentada. 

Ao mencionar a rejeição ao tema, comparou o estigma à própria expressão “direitos humanos”, que para ele ambos exigem uma abordagem mais racional. O jornalista relacionou o crescimento das facções à diminuição da taxa de homicídios e à explosão do sistema prisional, que passou de 90 mil presos nos anos 1990 para mais de 800 mil em 2020. “Criaram outras formas de produzir obediência e em uma lógica de mercado”, pontuou. Associando a violência à disputa de poder entre organizações criminosas destacou que os estados que têm altas taxas de homicídios nao têm relação às forças de segurança e sim a disputa territorial entre facções. “A taxa de homicídios alta nos estados pode estar relacionada, de forma bem direta, a esse desequilíbrio de forças entre as facções.”

Para Paes Manso, o maior desafio da segurança pública em relação às drogas é abandonar respostas emocionais e buscar um debate racional: “Pensar sem tanta emoção, desconstruindo esse tabu, é que a gente de alguma maneira vai lidar melhor com o problema. Não que seja fácil, mas é um pouco a nossa insistência e a aposta de todos aqui.”

Ao refletir sobre o papel da Defensoria, ele traçou um paralelo com o jornalismo: “Assim como tem jornalista que gosta do lado acusatório, o lado promotor, tem o outro lado. Eu sempre vi o jornalismo como uma forma de você dar poder para quem está sendo massacrado pelo poder, e é muito óbvio também, que muita gente está sendo massacrada por esse positivismo penal. Então eu acho que a Defensoria, assim como o jornalismo, é a última boia de salvação para esse massacre, com quem se pode contar. A Defensoria está no outro lado, ela está na garantia de direitos, no lado contrário do sistema que está massacrando, independente dos bairros, das provas, por causa do gênero, por causa da idade, por causa da cor… O sistema é de hoje muito injusto e cruel também”, finalizou.