Defensoria envia recomendação para que Estado garanta liberdade de culto aos internos adeptos às religiões de matrizes africanas
Texto: Amanda Sobreira
Ilustração: Diogo Braga
A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) enviou à Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado uma recomendação conjunta, por meio do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e Vítimas de Violência (NUAPP) e da Ouvidoria Externa da instituição, visando garantir assistência religiosa aos adeptos das religiões de matrizes africanas nas unidades prisionais do Ceará.
As recomendações incluem um protocolo de identificação que registre a religião específica do custodiado, assegurando seu direito ao acompanhamento espiritual ao longo da execução da pena e da prisão provisória. Inclui ainda a criação de políticas e programas específicos que incentivem a assistência religiosa afro-brasileira, respeitando as particularidades de seus rituais e práticas culturais.
O documento também visa garantir, em todas as unidades prisionais do Estado, a prestação de assistência religiosa às religiões de matrizes africanas, assegurando igualdade de condições com outras confissões religiosas e a criação de espaços adequados nas unidades prisionais para a realização de cultos e práticas religiosas afro-brasileiras, em condições seguras e dignas. O texto fala ainda em promover campanhas educativas para custodiados e servidores, combatendo a intolerância religiosa e o preconceito.
Para o defensor público Delano Benevides, supervisor do NUAPP, a iniciativa visa garantir a igualdade de direitos para que qualquer brasileiro possa expressar sua fé e suas crenças pessoais, livre de qualquer discriminação. “É preciso lembrar que o Estado Brasileiro é laico e, como dito na Constituição Federal, não existe nenhuma religião oficial no Brasil. Portanto, todas as religiões, incluindo as de matrizes africanas, são parte importante da crença religiosa do nosso povo e devem ser respeitadas dentro e fora dos presídios”, enfatiza o defensor.
A maioria dos internos brasileiros se identifica como católicos ou evangélicos, como mostrou um levantamento realizado em 2019, pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados que, de modo geral, refletem a composição religiosa da população brasileira e se confirmam a partir do cotidiano de atendimento realizado pela Defensoria Pública nas Unidades Prisionais do Estado. Mas outras crenças existem e elas devem ter sua liberdade de fé respeitadas.
“Constatamos pessoas que se declararam adeptas da umbanda, mas, segundo informações da direção, nunca foi realizada qualquer prática religiosa dentro da unidade e nem visitas de representantes da religião. Foi a partir desta constatação, que verificamos a necessidade de garantir, de forma mais ampla, o direito à liberdade religiosa para todos os custodiados, com foco nas religiões de matrizes africanas, historicamente alvo de intolerância e preconceito. Além disso, a recomendação é um reflexo do papel essencial da Defensoria Pública em atuar como defensora dos direitos humanos e da dignidade, especialmente em contextos de privação de liberdade”, explica o defensor público, titular do NUAPP, Bheron Rocha, autor da proposta.
Para construir o texto do documento, os defensores públicos do NUAPP, em parceria com a ouvidora externa da Defensoria Pública, Joyce Ramos, se debruçaram em pesquisas nas disposições constitucionais, legais e normativas, além de outros instrumentos como a Convenção Americana de Direitos Humanos, as resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, bem como nas “Regras de Mandela,” um tratado internacional com diretrizes mínimas das Nações Unidas para o tratamento de presos.
“Compreendemos o papel da Defensoria Pública para que seja garantido o direito à prática de religiões de matrizes africanas ao assistido que se encontra custodiado. Além disso, consideramos a realidade existente hoje no sistema prisional sendo visto apenas a prática de religiões neopentecostais dentro das unidades carcerárias e, estando as manifestações religiosas de matrizes africanas, alvos de intolerância religiosa, racismo e discriminação. Essas orientações vão servir para que as pessoas que queiram praticar as suas religiões de matrizes africanas possam livremente ter o direito de exercê-las,” enfatiza a ouvidora Joyce Ramos.
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
Em abril, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) modificou as orientações sobre o direito à livre manifestação de consciência, de crença e religiosa das pessoas privadas de liberdade. Entre as mudanças, estão a garantia de todas as práticas sem a interferência do Estado e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento.
O respeito aos rituais de religiões minoritárias, praticados por estrangeiros, indígenas e praticantes de religiões de matrizes africanas foi incluído nas atribuições das administrações de espaços prisionais. Também passou a ser de responsabilidade das instituições a busca ativa sobre a preferência religiosa da pessoa privada de liberdade.
Entre as atividades asseguradas pelo CNPC estão a assistência, o aconselhamento, a oração, o estudo, as práticas litúrgicas e ritualísticas de natureza sócio espiritual.